Roubini revela como funciona sua bola de cristal
Livro do economista que ficou famoso por ter previsto a última crise internacional será lançado no Brasil nesta sexta-feira (28)
Da Redação
Publicado em 28 de maio de 2010 às 15h14.
São Paulo - Em janeiro de 2009, nos últimos dias da administração Bush, o vice-presidente Dick Cheney deu uma entrevista à Associated Press. Perguntaram-lhe por que o governo não previra a maior crise financeira desde a grande depressão. A resposta de Cheney foi reveladora. "Ninguém, em lugar algum, foi suficientemente atento para percebê-la", declarou ele. "Acho que ninguém a viu se aproximar."
O parágrafo acima traz uma afirmação mentirosa do ex-vice-presidente americano. Ou equivocada, se quisermos ser mais polidos. É possível imaginarmos quem soltou fumaça ao ouvir essa declaração. Sim, estamos falando de Nouriel Roubini - conhecido mundialmente como Dr. Apocalipse exatamente porque previu o desastre econômico de 2008. Ele participará do EXAME Fórum nesta segunda-feira (31), em São Paulo.
Talvez por raiva ou para ser irônico, ele começa o seu novo livro Crisis Economics ("A Economia das Crises", na versão em português que está sendo lançada nesta sexta-feira) relatando a entrevista de Dick Cheney. Ainda na Introdução, coloca os pingos nos is ao lembrar que, em setembro de 2006, ele, então professor de economia da Universidade de Nova York, alertara a plateia que estava no auditório do Fundo Monetário Internacional (FMI), na capital americana, sobre um terremoto sem precedentes que atingiria o mercado imobiliário. E não foi só isso. Roubini descreveu o efeito cascata que aconteceria a partir da inadimplência dos mutuários nos títulos lastreados pelas hipotecas.
O final dessa história a gente já conhece e convive até hoje com os seus reflexos (mais lá fora do que dentro do Brasil, é verdade). O que nós desconhecemos ' e que, portanto, torna a leitura desta obra imperdível para todos os que se interessam por economia - é como ele conseguiu enxergar o que mais ninguém viu.
A obra de Roubini, que tem como co-autor o professor da Universidade da Geórgia, Stephen Mihm, mostra o que muitos economistas teimam em não reconhecer. As crises são norma e não exceção. Essa regra vale tanto para economias emergentes quanto industrializadas. "As crises estão fortemente ligadas ao genoma capitalista", diz Roubini. O mesmo ingrediente que possibilita a inovação e a tolerância a riscos pode causar bolhas e desvalorizações catastróficas.
O objeto de estudo da obra, evidentemente, é a recente turbulência internacional, mas a lição que os autores pretendem ensinar é como rastrear, monitorar e, no limite, evitar qualquer tipo de crise. Seguindo uma ordem cronológica, eles começam descrevendo bolhas históricas - como a de 1929 -, passam pelos pensadores econômicos mais relevantes e detalham as raízes estruturais da recente crise, quebrando paradigmas do tipo "a culpa foi do subprime" (hipotecas de alto risco).
Destacam-se ainda a globalização da crise, ou seja, a rápida contaminação de inúmeros países, e os remédios monetários e fiscais, que, em excesso, podem matar o paciente. Por fim, os autores traçam perspectivas para a nova arquitetura financeira mundial, incluído aí o papel dos bancos centrais. Não são ignorados temas importantes como o futuro do dólar, novo papel do FMI e o desequilíbrio entre os Estados Unidos gastadores e a China poupadora.
Roubini menciona uma inquietante declaração do economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946), feita em 1933. "O decadente capitalismo internacional, mas individualista, no qual nos encontramos depois da Primeira Guerra Mundial, não é um sucesso, não é inteligente, não é belo, não é justo, não é virtuoso - e não produz os bens. Em resumo, nós o detestamos e estamos começando a abominá-lo. Mas, quando pensamos sobre o que pôr em seu lugar, ficamos extremamente perplexos."
Se a queda do Muro de Berlim, em 1989, sepultou a utopia do socialismo e até agora nada de novo apareceu para substituir o capitalismo, parece prudente reformá-lo e não simplesmente criticá-lo. Para quem está disposto a refletir sobre a causa, o livro traz subsídios valiosíssimos.
O jornal americano The New York Times, ao comentar a obra de Roubini, disse que os leitores talvez fiquem com a sensação de que ele poderia ter se aprofundado mais em alguns temas como porque ele acredita que a recuperação econômica está ocorrendo em forma de "U" e não de um perigoso "W", que significaria um novo tombo antes da subida derradeira.
Não faltam alfinetadas à política monetária expansionista (juros baixos durante muito tempo) do ex-presidente do Federal Reserve Alan Greenspan e à atuação das autoridades que, na ânsia de socorrer o sistema financeiro, compraram ativos tóxicos e participação acionária em grandes empresas. "A resposta à crise teve toda a graça e a beleza de uma fuga do campo de batalha”, diz Roubini, “ mas no final pareceu funcionar."
A questão principal é a que preço a estabilidade foi comprada. A dívida pública americana cresce num ritmo alucinante, o que levanta questionamentos sobre o papel do dólar como reserva de valor. Roubini defende que a oportunidade está dada para os Estados Unidos fazerem reformas profundas e significativas no sistema financeiro. É um discurso muito parecido - embora por motivos diferentes - com o que nós ouvimos há vários anos no Brasil sobre a necessidade de realizarmos as reformas estruturais (Tributária, Previdenciária, Política etc.). A hora é essa, lá e aqui.
Serviço
Título: A Economia das Crises - Um Curso-Relâmpago sobre o Futuro do Sistema Financeiro Internacional
Editora: Intrínseca, 368 páginas
Autores: Nouriel Roubini e Stephen Mihm
Preço: R$ 39,90
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