Idosos aposentados tomam sol (Peter Caulfield/SXC/SXC)
João Pedro Caleiro
Publicado em 17 de julho de 2017 às 16h22.
Última atualização em 17 de julho de 2017 às 19h04.
São Paulo - Se todos os benefícios de aposentadoria e pensões por morte respeitassem o teto da Previdência, o Brasil gastaria 8,7% a menos nessa área.
A economia chegaria a R$ 48,4 bilhões por ano usando 2015 como referência. O gasto anual com o programa Bolsa Família, por exemplo, fica na faixa dos R$ 30 bilhões.
O cálculo foi feito por Rogerio Nagamine e Graziela Ansiliero, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em estudo recente com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
O teto da aposentadoria foi de R$ 4.663,75 em 2015 e subiu para R$ 5.531,31 em 2017. Ele vale para trabalhadores do setor privado e para servidores públicos ingressantes desde 2013, mas só se eles tiverem acesso a um fundo de previdência complementar - e aí mora o problema.
A União fez o seu fundo, mas isso não aconteceu na maioria dos Estados e em nenhum município. A reforma da Previdência em tramitação exigiria a criação destes fundos em até dois anos, e assim o teto seria efetivado para todos que ingressaram desde 2013.
Desigualdade
Caso todas as aposentadorias em 2015 já respeitassem o limite do teto, a despesa mensal nessa área cairia em cerca de R$ 40 bilhões.
E isso afetaria um grupo pequeno: apenas 3,5% das aposentadorias ganhavam acima do teto em setembro de 2015, mas elas respondiam por um quinto do gasto total.
Enquanto isso, 61% dos beneficiários ganhavam apenas um salário mínimo, e todos juntos respondiam por cerca de um terço do gasto total com aposentadoria.
Isso significa que além da economia de gastos, um teto geral contribuiria para reduzir a desigualdade, já que só afetaria quem ganha muito mais que a média.
No grupo acima do teto, um aposentado ganha em média R$ 8.437 por mês, contra uma média de R$ 1.171 entre quem está abaixo do teto. Ou seja: aqueles no topo ganham 7,9 vezes o benefício da maioria, relação que cairia para 4,4 se o limite valesse para todos.
Pensões por morte
Aplicar o teto sobre aposentadoria também afetaria, na prática, o valor das pensões por morte. A proibição de acumular os dois benefícios é outro ponto da reforma em tramitação.
Aqui também há desigualdade: apenas 2,2% dos que ganham pensão por morte recebem mais que um salário mínimo, mas eles respondem por 14,7% do gasto nessa rubrica. 73% das pessoas que acumulam aposentadoria e pensão estão entre os 30% mais ricos da população.
A aplicação do teto economizaria R$ 7,3 bilhões por ano só nesta área. Somando isso com os R$ 41 bilhões já citados, chega-se próximo dos R$ 50 bilhões de economia total.
O estudo nota que os números não são perfeitos, já que a PNAD é feita a partir de amostragens que não permitem separar formalmente o regime privado e dos servidores, além de subestimar a renda no topo.
Uma eventual aplicação do teto em todos os beneficiários de uma hora pra outra nunca seria plena e imediata por causa de benefícios específicos já concedidos ou os chamados "direitos adquiridos".
Mas o exercício é válido para demonstrar o tamanho do gasto e da desigualdade na Previdência, algo que já havia sido notada pelo próprio Nagamine em entrevista recente para EXAME.com:
"A gente gasta o que seria esperado para um país com o dobro da participação de idosos na população – pelo menos", disse ele.
Além de exigir a criação dos fundos complementares, a Proposta de Emenda Constitucional em tramitação reduz as diferenças entre os trabalhadores do setor privado e servidores públicos. O estudo aponta que essa convergência entre as duas categorias é tendência internacional.
Dos 35 países da OCDE, em sua maioria desenvolvidos, metade não têm nenhum esquema especial em separado e outros 4 possuem separação institucional, mas com benefícios similares. Apenas quatro ainda mantêm um esquema inteiramente separado como o brasileiro.
Política
As chances da reforma da Previdência apresentada pelo governo ser aprovada no seu formato atual são cada vez mais fracas diante da crise política.
Analistas consideram mais provável a aprovação de uma versão diluída com uma idade mínima de aposentadoria, algo que poucos países não tem e que também teria efeito de economia de gastos e redução de desigualdade.
Uma reforma mais ampla deve ficar para o próximo governo, sob pena de ficar impossível cumprir o teto de gastos atrelado à inflação e que já está na Constituição.