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Reforma administrativa permite nomeação livre de 1 milhão de cargos

Mudança prevista na proposta pode ampliar em 207,3 mil o número de vagas para funções que hoje são exercidas exclusivamente por servidores

A PEC transforma cargos comissionados e funções gratificadas (reservado a servidores) em novos cargos de liderança e assessoramento (Moment/Getty Images)
AO

Agência O Globo

Publicado em 23 de junho de 2021 às 11h43.

Mudanças de regras para ocupação de cargos de confiança previstas na reforma administrativa proposta pelo governo Jair Bolsonaro pode fazer com que União, Estados e Municípios tenham 1 milhão de postos para livre nomeação, inclusive para pessoas sem concurso. Serão mais 207,3 mil vagas para cargos que hoje são ocupados exclusivamente por servidores, pelo menos.

A informação está em uma nota técnica elaborada pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle (Conorf), do Senado Federal.

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— Com a alteração proposta pela PEC 32/20 (reforma administrativa), o número de cargos ocupados por indicações políticas pode chegar a em torno de 1 milhão considerando as três esferas, sendo 90 mil apenas no Executivo federal. Isso favorecerá o patrimonialismo e irá fomentar a corrupção, como mostram diversos estudos – argumenta o consultor legislativo Vinícius Leopoldino do Amaral, autor do estudo.

A proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata da reforma administrativa transforma cargos comissionados e funções gratificadas (reservado a servidores) em novos cargos de liderança e assessoramento. Isso abre a possibilidade de contratação sem concurso para cargos de confiança, na avaliação do consultor do Senado.

O relator da proposta, deputado Arthur Maia (DEM-BA), afirmou na terça-feira que vai modificar esse ponto do texto.

— O nosso relatório irá modificar esse ponto ou manter como é hoje: separando cargos de chefia de cargos em comissão — disse.

O levantamento do consultor mostra que na União, há 174.987 cargos em comissão e funções de confiança distribuídos pelos três poderes. Para Estados e Distrito Federal, esse número é de pelo menos 180.702 e nos municípios, 559.642.

“Com a PEC, assim, haveria uma relevante expansão na quantidade de postos que poderão ser ocupados por pessoas sem vínculo com a administração pública”, diz a nota técnica. A expansão seria de, no mínimo, 207,3 mil postos: são 156.028 funções de confiança e 51,3 mil cargos em comissão ocupados por servidores de carreira. “Teríamos, assim uma expansão de pelo menos 29% no montante de postos que podem ser ocupados por pessoas sem vínculo”, observa.

No caso do governo federal, especificamente, são 90.271 cargos em comissão e funções de confiança que poderão ter livre nomeação – atualmente, a indicação está restrita a cerca de 6 mil cargos.

Proposta não fala em indicações políticas, diz Economia

Procurado, o Ministério da Economia disse que em nenhum momento a proposta da reforma administrativa fala em indicações políticas. "Ao contrário: o texto prevê expressamente que mesmo para os cargos de liderança e assessoramento deverão existir critérios mínimos de acesso e que a ocupação desses cargos observará regras mínimas comuns a todos os entes e Poderes".

A pasta diz que essas regras mínimas serão definidas por lei, aprovada pelo Congresso Nacional, que poderá, inclusive, prever critérios mais rígidos para a ocupação desses cargos do que os que são utilizados atualmente no Executivo federal. "Ou seja, a profissionalização das posições de lideranças é priorizada", afirma.

O governo argumenta que haverá uma regulamentação de critérios mínimos e diretrizes para ocupação desses cargos a serem definidos em lei posterior. Para Amaral, essa justificativa é frágil por dois motivos principais: não haver prazo para a regulamentação tampouco garantia do conteúdo.

— Assim, o que a PEC propõe é substituir uma regra constitucional vigente por uma hipotética regulamentação futura, cujo conteúdo é desconhecido e que poderá jamais vir a existir – pontua.

Na avaliação de José Henrique Nascimento, líder de Causas do Centro de Liderança Pública (CLP), há pontos positivos na proposta do governo, como o estabelecimento de requisitos mínimos para contratação desses cargos de liderança e a realização de processo seletivo simplificado. Mas a proposta tem riscos que precisam ser corrigidos.

Um deles seria a inclusão da lógica do processo seletivo para esses cargos no texto da PEC. O outro se refere à redação do trecho que explicita a possibilidade de os cargos de liderança e assessoramento serem aplicados para “funções estratégicas, gerenciais e técnicas”.

— Esse termo “técnicas” precisa ser suprimido, porque abre margem para que substituamos o trabalho do servidor efetivo pelo trabalho de um comissionado, e aí é um problema gravíssimo – aponta.

Ele cita como exemplo o problema que poderia ser criado com a livre nomeação de uma pessoa sem vínculo com a administração pública para uma função técnica de consultor jurídico, que poderia vir a substituir um procurador concursado. Para Nascimento, esse exemplo mostra como essa mudança poderia afetar até mesmo as carreiras típicas de estado.

— O grande risco dos cargos em comissão está relacionado a essa lógica de execução dos trabalhos técnicos. Esse é o grande risco e grande preocupação. Com isso suprimido, nós acreditamos que já existe um avanço por prever de processo seletivo em uma legislação complementar – alertando para a importância de essa discussão caminhar em paralelo.

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