Economia

Receitas para um mundo em ressaca

The Rise and Fall of Nations: Forces of Change in the Post-Crisis World Autor: Ruchir Sharma Editora: W. W. Norton & Company. 480 páginas ——————– A premissa básica por trás da intuição humana é a de que o futuro será igual ao passado. Esse tipo de raciocínio é muito útil no estudo das leis da […]

SAUDITA MOHAMMED BIN SALMAN E BILL GATES: a capacidade de uma economia de gerar bilionários é um índice de sua força / Saudi Press Agency/ Reuters

SAUDITA MOHAMMED BIN SALMAN E BILL GATES: a capacidade de uma economia de gerar bilionários é um índice de sua força / Saudi Press Agency/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 9 de julho de 2016 às 06h56.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h04.

The Rise and Fall of Nations: Forces of Change in the Post-Crisis World
Autor: Ruchir Sharma
Editora: W. W. Norton & Company. 480 páginas

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A premissa básica por trás da intuição humana é a de que o futuro será igual ao passado. Esse tipo de raciocínio é muito útil no estudo das leis da física, para prever o comportamento desde os astros até os átomos, mas pode levar a conclusões enganadoras quando o objeto de estudo não é bem conhecido. A teoria funciona bem por um tempo até que, para espanto geral, falha. A sociedade e, mais especificamente, a economia mundial estão nesse campo.

Segundo Ruchir Sharma, autor de The Rise and Fall of Nations: Forces of Change in the Post-Crisis World (“A Ascensão e a Queda das Nações: As Forças de Mudança no Mundo Pós-crise”, numa tradução livre), o mundo viveu nas últimas décadas sob a ilusão do crescimento perpétuo, acreditando ter entrado em uma nova era da história na qual o progresso técnico e o aumento de produtividade eram certos. A crise de 2008 veio esmigalhar essa crença, e deixou em seu lugar, além de bilhões de dólares perdidos em investimentos e no mercado financeiro, um sentimento de pessimismo profundo, próprio de quem perdeu antigas ilusões e não tem nenhuma aspiração para colocar nada em seu lugar.

Sharma é indiano e trabalha com investimentos no banco Morgan Stanley, como diretor para mercados emergentes. Essas informações nos ajudam a situar melhor seu livro, que é bastante centrado na Ásia (inclusive ressaltando debates dos quais ele participou no contexto indiano) e adota sempre uma perspectiva do mundo dos negócios.

Não vivemos – desde 2008 e 2009 – uma recessão global. Mas estamos perigosamente perto desse território. Se a China, que foi o grande motor do crescimento antes da crise e agora já desacelerou bastante, entrar em recessão, pode levar grande parte do mundo consigo. No campo da política, verifica-se também uma tendência maior à repressão, com piora nos direitos políticos em mais de 100 países. Por fim, a própria integração global, considerada um marco irreversível dos anos 90 e 2000, dá sinais de enfraquecimento. O fluxo de informação continua forte e crescente, mas a troca de bens e serviços e de investimentos tem crescido menos do que a economia. Os países estão, portanto, mais fechados sobre si mesmos, um sinal claro de perda de pujança da economia mundial.

No lugar da crença no crescimento rápido e constante, Sharma propõe uma nova forma de encarar a história: como uma sequência inconstante e imprevisível de ciclos de alta e baixa. Com farta evidência histórica e dados, Sharma provoca a tendência das pessoas de chegar a conclusões fáceis: se um país está crescendo muito há dez anos, não devemos projetar esse crescimento no futuro, e sim procurar os motivos pelos quais ele vai provavelmente cessar em breve.

O estado normal do mundo não são as tendências observadas num determinado momento histórico. O supercrescimento da China, na década passada, é um exemplo. O estado normal do mundo é o ciclo. Portanto qualquer desvio dele provavelmente vai acabar retornando ao centro. Ao mesmo tempo, é inútil prever como o mundo será daqui 20 ou 100 anos, quando a tecnologia e mudanças nas relações de poder globais terão gerado circunstâncias completamente diferentes.

O Brasil, o anti-modelo 

Dessa abordagem fundamentalmente empírica, as regras que Sharma tem a dar para o desenvolvimento econômico sustentável – que não é vertiginoso mas que consegue, entre altas e baixas, manter-se no longo prazo – não são exatamente revolucionárias. Apesar da sensatez, Sharma expressa justamente tudo que o Brasil não seguiu: investir cerca de 25% do PIB (o Brasil nunca foi muito além dos 20%), a política monetária não deve inundar a economia de crédito barato e o endividamento público e privado não deve crescer mais do que a economia. O papel do governo é criar um ambiente econômico sólido e seguro, com investimentos em infraestrutura e capital humano, e não gerenciar a economia. Seus dois exemplos favoritos de economias problemáticas são a Rússia e, o que é mais preocupante, a China. Mas não podemos deixar de notar que sua lista de conselhos é basicamente uma crítica perfeita à nova matriz econômica, adotada no primeiro governo da presidente afastada Dilma Rousseff.

Embora note que a desigualdade tenha um impacto negativo no crescimento, Sharma considera que a capacidade de uma economia de gerar bilionários é um índice de sua força; nesse sentido, os Estados Unidos são mais saudáveis do que o Japão. Mas nem todo bilionário é desejável: aqueles que fazem fortuna no mercado realmente geram riqueza para a sociedade. Já aqueles que devem sua ascensão aos laços com o poder público são parte do problema que mantém a sociedade estagnada. A discussão faz pensar: a qual dos dois tipos pertencem os bilionários brasileiros que fizeram fortuna durante os últimos governos do Partido dos Trabalhadores?

Um ponto pouco explorado por economistas é o fator demográfico. Segundo Sharma, um crescimento de 2% ao ano na força de trabalho é o ideal para promover o crescimento. O problema é que o mundo tem ficado bastante aquém desse nível. Muitos países já entram em território de decrescimento populacional – e não existem meios conhecidos para estimular a fertilidade. Pagar mulheres para terem mais filhos funciona pouco. Quando tem efeito, a política atinge justamente as famílias mais pobres e mais dependentes da assistência estatal.

Toda obra de ciências sociais ou economia que se pretende ser puramente empírica – como é o caso do livro de Sharma –, também costuma esconder um fundo teórico. Não tem jeito: a quantidade de dados que existem no mundo é muito grande. Selecionar alguns deles (inflação, endividamento, demografia, localização geográfica) para comparar com o crescimento econômico é uma escolha ancorada em diversos pressupostos. Sharma está, mais do que fazendo ciência e descobrindo novas relações, ilustrando e verificando o que o consenso da ciência econômica mais ou menos já propõe. Isso não quer dizer que o valor de seu livro para o conhecimento humano seja nulo. Se houver alguma discrepância muito grande entre a teoria e os dados, ela provavelmente saltaria aos olhos e levaria a algum tipo de revisão.

A abordagem quase que puramente empírica também tem seus momentos dúbios: para Sharma, o investimento na indústria é o melhor caminho para o crescimento, pois foi assim que a maioria das nações hoje ricas chegou lá. Mas só porque um caminho foi bem-sucedido ontem não quer dizer que seja o ideal a ser trilhado amanhã.

Há muita retórica e narrativa no livro. Em parte são recursos necessários para prender a atenção do leitor pelas quase 500 páginas, coisa que ele faz muito bem. Mas, ao mesmo tempo, o texto passa a impressão de que há mais certeza em suas receitas do que de fato existe. Ele também não chega a considerar, por exemplo, que existem motivos mais profundos para que o mundo esteja de fato entrando em um período de fim do crescimento (por exemplo, os ganhos decrescentes do progresso tecnológico). Além disso, quase não toca em questões centrais do mundo contemporâneo como educação, meio-ambiente e felicidade. O horizonte dos negócios e do o mercado financeiro é importante – e até mesmo essencial – para entender uma visão que foi negligenciada por tempo demais. Contudo, é possível mirar mais longe.

(Joel Pinheiro da Fonseca)

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