Economia

Quem está e quem não está em Davos - e por quê

Cerca de 3 mil delegados da elite global irão discutir nos próximos 4 dias porque o mundo está cada vez mais hostil aos seus ideais

O Fórum é um bom palco para governos que querem atrair investimento (Jason Alden/Bloomberg/Bloomberg)

O Fórum é um bom palco para governos que querem atrair investimento (Jason Alden/Bloomberg/Bloomberg)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 17 de janeiro de 2017 às 13h49.

Última atualização em 17 de janeiro de 2017 às 14h30.

São Paulo - Começou hoje a 47ª edição da reunião anual de 4 dias do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.

A cidade de 11 mil habitantes, famosa por uma estação de esqui e por ter inspirado "A Montanha Mágica", clássico de Thomas Mann, estará inundada por 3 mil delegados, entre políticos, empresários, jornalistas e acadêmicos.

A lista de palestrantes vai de celebridades como Matt Damon, Shakira e Jamie Oliver a empresários como Jack Ma e Bill Gates, passando por vencedores do Nobel como Joseph Stiglitz e Angus Deaton.

O cientista político americano falecido Samuel Huntington, o mesmo da teoria do "choque de civilizações", cunhou a expressão "homem de Davos" (só 20% dos delegados são mulheres, e isso é um recorde).

Eis a definição: "ele tem pouca necessidade de lealdade nacional e vê as fronteiras nacionais como obstáculos que felizmente estão sumindo e os governos nacionais como resíduos do passado cuja única função útil é facilitar as operações da elite global".

Em um mundo onde 8 homens acumulam a mesma riqueza de metade da humanidade, a desconexão da elite global presente no encontro com o cidadão comum nunca pareceu tão alta.

Um estudo realizado anualmente pela agência de comunicação Edelman em 28 países mostra uma “crise sem precedentes” de confiança nas instituições — de governo e empresas à mídia e ONGs.

Essa insatisfação popular está sendo explorada de forma bem-sucedida por políticos com plataformas populistas e protecionistas, ainda que as respostas apresentadas sejam antiquadas e incoerentes.

O tema desse ano em Davos é "Liderança Responsável e Responsiva", divulgado pela organização após o Brexit mas antes da vitória de Trump, mas que soa como uma reação direta ao clima geopolítico.

Alguns painéis dão o tom: "Espremidos e raivosos: Como Consertar a Crise da Classe Média", "Política do Medo ou Rebelião dos Esquecidos?", "Tolerância no Ponto de Virada?".

Mudanças climáticas, o maior risco global segundo a lista do próprio Fórum, também estão na pauta.Veja o que a lista de presença de Davos diz sobre o estado da globalização em 2017:

PRESENTE: Xi Jinping, presidente da China

Xi é o primeiro presidente chinês da história (e o único presidente do G7) a participar de Davos.

É um reconhecimento tácito de que o país foi o grande vencedor da globalização das últimas décadas e que agora precisa liderar a sua defesa por falta de outros candidatos.

Em seu discurso, que abriu o Fórum hoje, Xi citou Charles Dickens (“É o melhor dos tempos, é o pior dos tempos”), defendeu o acordo de Paris de combate às mudanças climáticas e disse que as guerras comerciais não têm vencedores.

"Perseguir o protecionismo é como se trancar em um quarto escuro: enquanto o vento e a chuva podem ser mantidos do lado de fora, também o são o vento e a luz", disse. Veja o discurso completo (em inglês):

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=Ys6skqxQKMk%5D

Foi a "defesa mais apaixonada" da globalização por qualquer líder mundial em Davos desde 2007, disse o jornalista Shekhar Gupta no Twitter.

"Feche seus olhos durante o discurso de Xi em Davos e você pode quase esquecer que ele lidera um regime autoritário", provocou no Facebook o fundador da consultoria política Eurasia, Ian Bremmer.

PRESENTE: Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido

May era contra a saída do Reino Unido da União Europeia mas não fez campanha, o que a deixou em posição privilegiada para assumir o comando do país depois da renúncia de David Cameron, que promoveu o referendo.

O desafio de May é conseguir um acordo que preserve algum acesso privilegiado ao mercado comum europeu e ao mesmo tempo devolva ao Reino Unido o controle sobre suas leis e fronteiras.

Hoje, ela detalhou seus planos em um grande discurso em Londres: o Brexit vai acontecer em fases, com a melhor união comercial possível, e um acordo final será submetido às duas casas do Parlamento.

Ela fala em Davos na quinta-feira, em mais um esforço para desvincular o Brexit da onda de desglobalização.

"Trump é contra comércio, mas no Reino Unido, eles são pelo comércio, mas contra a UE. Convenceram as pessoas de que a UE era o problema, mas May diz que é a favor do livre comércio com vários países – incluindo a China", diz Richard Baldwin, especialista em globalização e palestrante do Fórum, em entrevista recente para EXAME.com.

PRESENTE: Henrique Meirelles, ministro da Fazenda do Brasil

O Fórum é um bom palco para governos que querem atrair investimento estrangeiro e para isso precisam apresentar uma visão rósea do seu país.

Lula foi em 2003, 2005 e 2007 - no auge do boom. Dilma foi só em 2014 e enviou Joaquim Levy em 2015; as falas foram até bem recebidas, mas não despertaram maior confiança em um Brasil em crise.

Meirelles foi apresentar as reformas já aprovadas, como a do teto para os gastos públicos, e semear o otimismo, prevendo a volta do crescimento já no final do primeiro trimestre.

Sua agenda teve encontros com diretores dos bancos Lloyds e UBS e inclui reunião com o presidente da AT&T e um painel sobre "Repensar o Capitalismo". Ele volta ao Brasil na quinta-feira para finalizar o acordo de resgate do Rio de Janeiro.

O Brasil estará representado também por Marcos Pereira, da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Fernando Coelho Filho, de Minas e Energia, além dos presidentes do Banco Central, Ilan Goldfajn, da Apex-Brasil, Roberto Jaguaribe, e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Itaú e Bradesco, patrocinadores de Davos, estarão representados por seus presidentes Roberto Setúbal e Luis Carlos Trabuco, respectivamente.

AUSENTE: Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha

Desde que se tornou chanceler em 2005, Merkel foi a Davos em 7 edições, mas vai faltar pelo segundo ano seguido - o que nunca aconteceu.

Para muitos, Merkel é a melhor (talvez a única) representação que sobrou da tal liderança responsável e sóbria que o Fórum está celebrando.

Sua ausência é vista como uma forma de não parecer desconectada pouco após o grande atentado de Berlim e meses antes de uma eleição onde se verá ameaçada pela direita populista.

Merkel também não conseguiria escapar de falar sobre Trump, que disse recentemente que a política alemã para refugiados era "catastrófica" e que mais países acabariam saindo da União Europeia.

AUSENTES: Donald Trump e Barack Obama

Com a transição de poder marcada para a próxima sexta-feira, seria mesmo difícil para Obama e/ou Trump colocarem Davos na agenda, mas o contraste entre os dois estará permeando todo o evento.

Obama estará representado por Joe Biden, vice-presidente, e John Kerry, seu Secretário de Estado e um veterano de Davos.

Em sua primeira fala hoje, ele destacou o papel da tecnologia, e não do comércio, na destruição dos empregos industriais americanos.

Trump sempre foi convidado a Davos e nunca foi, disseram os organizadores para o Daily Beast. Ele enviou Anthonio Scaramucci, financista e membro da sua equipe de transição, que falou hoje.

Ele disse que a nova administração não quer comércio fechado, e sim justo, e que o presidente-eleito não deve ser interpretado de forma literal, mas não vai mudar o estilo de comunicação direto.

AUSENTES: todos os outros líderes do G7

 

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