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Programa do PT propõe taxar bancos para diminuir spread e baratear crédito

De acordo com Fernando Haddad, partido vê como plano emergencial colocar mais recursos nas mãos das camadas mais pobres da população

Colocar mais dinheiro para circular, com uma reforma tributária progressiva é a receita que o PT vai apresentar em seu programa de governo (Mario Tama/Getty Images)
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Reuters

Publicado em 23 de julho de 2018 às 09h16.

Brasília - Colocar mais dinheiro para circular, em especial na mão da população mais pobre, com uma reforma tributária progressiva e uma proposta de taxar mais os bancos que não diminuírem o spread bancário, além de apostar na retomada das obras públicas é a receita que o PT vai apresentar em seu programa de governo para tirar o país da crise que se arrasta desde 2015.

De acordo com o coordenador do programa de governo do partido, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, o partido, que planeja inscrever como candidato ao Palácio do Planalto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso há mais de 100 dias, vê como plano emergencial colocar mais recursos nas mãos das camadas mais pobres da população, que são propensas a gastar mais e ajudariam mais rapidamente a reativar a economia.

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Um dos três pontos centrais da proposta inicial de retomada da economia é colocar mais crédito, barato, no mercado, forçando os bancos a diminuírem o spread bancário -a diferença entre o custo da captação e a taxa cobrada pelos bancos ao consumidor final. A proposta petista prevê um aumento de impostos aos bancos que mantiverem o spread nas taxas atuais que, segundo o Banco Central, fecharam maio deste ano em 31 por cento.

"Os bancos que mantiverem os spreads no patamar atual terão uma tributação progressiva e portanto um incentivo a reduzir os spreads com a possibilidade de pagar tributos menores", explicou Haddad à Reuters. "Vamos introduzir um elemento novo, forçando a reduzir os spreads inclusive com ação dos bancos públicos que vão agir nessa direção."

A intenção, segundo Haddad, é baratear o crédito como um todo, o que eliminaria a necessidade de políticas desenvolvimentistas clássicas como a dos "campeões nacionais", adotada nos governos de Lula e Dilma Rousseff, em que grandes empresas recebiam financiamentos a juros subsidiados dos bancos públicos.

"Banco tem que deixar de ser rentista. Banco é atividade de risco no mundo inteiro. Aqui é atividade rentista sem risco. Isso tem de mudar. Os bancos têm que assumir a função que eles têm no mundo inteiro. Eles ganham pelo risco que assumem. Se ter um oligopólio rentista que vive do Estado não é um sistema bancário, é outra coisa", disse.

O segundo tópico essencial para a retomada da economia, explicou o ex-prefeito, é uma reforma tributária que transforme o atual modelo em um sistema progressivo, em que aqueles que têm mais paguem mais. A proposta prevê a troca progressiva dos atuais impostos pelo Imposto sobre Valor Agregado, mas de uma forma que os tributos atuais sejam progressivamente diminuídos e a alíquota do IVA, aumentada.

Haddad explica que, para facilitar a medida, a proposta é que a carga tributária líquida ficará estável enquanto a reforma é feita e haverá uma trava garantindo que Estados e municípios não terão uma queda na sua arrecadação.

Para além do IVA, a proposta petista prevê também a introdução de taxas que miram o aumento de recursos no bolso do consumidor e o incentivo ao investimento. A primeira delas é a isenção de imposto de renda para pessoas que recebem até 5 salários mínimos -4.770 reais em valores atuais- mais do que o dobro do valor de isenção atual, que está em torno de 2 mil reais.

"Todos especialistas concordam que o governo Lula colocou o pobre no Orçamento do ponto de vista do dispêndio, por meio dos programas sociais. Mas todos também concordam que a nossa carga tributária, o fundo público que sustenta esses programas, do ponto de vista da arrecadação, é extremamente regressivo. Quem sustenta o fundo público são os mais pobres, proporcionalmente", afirmou.

O partido também propõe a introdução de um imposto progressivo sobre heranças, mas deixou de lado a ideia do imposto sobre grandes fortunas, defendido inicialmente pelo PT, mas que nunca se transformou em uma proposta de fato.

Também entraria na reforma a taxação de lucros e dividendos, mas acompanhada de uma redução de impostos para investimentos das empresas.

"As atuais desonerações não são boas, não se mostraram adequadas. Mas fazer uma taxação incentivada para investimentos das empresas e tributar lucros e dividendos é uma coisa que pode funcionar muito bem. Estimula a empresa privada a investir em vez de distribuir lucros e dividendos", defendeu Haddad.

O terceiro ponto do plano emergencial de retomada da economia a ser apresentado pelo PT é a retomada dos investimentos federais, e com parcerias público-privadas, de obras federais, especialmente aquelas perto da conclusão, e programas que estimulam a construção civil, como o Minha Casa, Minha Vida.

"A primeira coisa a fazer é reativar a economia até porque facilita a busca de justiça social. Esses são os três pontos de partida importantes para isso", disse Haddad.

A retomada da economia, explicou o ex-prefeito, é essencial para que a União possa assumir mais responsabilidade nas áreas sociais, juntamente com a revogação do teto de gastos, medida aprovada no atual governo que congelou o Orçamento federal pelos próximos 20 anos. "É uma trava que inviabiliza qualquer retomada. Foi um engessamento inédito no mundo", disse.

Dentro do plano de governo, está um papel mais ativo da União em temas como atendimento à saúde, reforma do ensino médio e segurança.

Na saúde, que tem sofrido com o congelamento do Orçamento nos últimos anos, o governo federal assumiria um papel maior nos chamados atendimentos de média complexidade, associado com os programas de atenção básica e o Mais Médicos, criando e organizando centros de atendimento e contratando especialistas para atenderem nos municípios.

Na área de educação, a intenção é ajudar os Estados a fazerem a reforma do ensino médio usando as redes federais e o Sistema S -que arrecada 16 bilhões de reais por ano- para reestruturar as escolas.

Já na segurança, a questão central é a federalização do combate ao tráfico de drogas e o crime organizado. O PT quer mais policiais e mais juízes federais centrados no tema, fazendo o trabalho de inteligência das investigações, para liberar as policiais estaduais para fazer o policiamento e evitar o uso das Forças Armadas em operações de segurança, como tem ocorrido com frequência no atual governo.

Constituinte e privatizações

A proposta da convocação de uma Constituinte está também no programa do PT. Segundo Haddad, no momento, a maneira e a necessidade dessa reforma constitucional será analisada durante o governo. O programa de governo, no entanto, propõe a ampliação da participação popular por meio de referendos e plebiscitos.

"Não temos hábito de chamar plebiscito, referendo, de chamar o apoio da população para determinados temas", afirmou Haddad.

"A questão da Constituinte é uma resolução antiga do PT, mas é mais no sentido de promover mais a escuta da sociedade."

Algumas medidas adotadas pelo governo de Michel Temer estão na lista para serem revistas, caso o PT seja eleito mais uma vez para comandar o pais. Além do teto de gastos, a reforma trabalhista, uma das principais heranças de Temer, será mexida.

Haddad reconhece que pontos precisam e devem ser modernizados, mas exclui ideias que, segundo ele, só precarizaram o trabalho e, inclusive, diminuem a arrecadação.

"A pejotização (permissão para que as empresas contratem empregados como pessoas jurídicas) é um tiro no pé, diminui a arrecadação da Previdência", afirmou.

O partido também não tem intenção de levar adiante a privatização da Eletrobras e deve suspender a venda de ativos da Petrobras. "Vamos suspender imediatamente. A Petrobras está sendo vendida aos pedaços."

Haddad confirma, no entanto, que o programa de governo inclui uma reforma da Previdência, mesmo que não nos moldes da tentada, e abandonada, por Temer. O foco serão as previdências públicas, a pedido de governadores e prefeitos, e os privilégios pagos a alguns.

"Vamos começar do começo, e aí vai se criando um ambiente. Ninguém pode se furtar a discutir a Previdência. Mas vamos fazer transparente, esclarecer quem está sendo beneficiado além do que contribuiu", disse.

"Temos que tratar de pagamentos extra-teto, auxílios de toda ordem, que vão minando o sistema. O Brasil gasta 4 por cento do Produto Interno Bruto com pensões, o que é uma anomalia. Mesmo em países com população muito mais velha os gastos com pensões atingem metade disso."

O programa de governo do partido está sendo finalizado, depois de meses de discussão, e será apresentado oficialmente na convenção do partido. Um dos nomes hoje mais próximos ao ex-presidente Lula, Haddad trabalha na proposta, junto com o economista Márcio Pochmann, desde o final do ano passado.

O texto já foi aprovado por Lula, que mesmo preso em Curitiba por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, será confirmado como candidato do PT à Presidência, na convenção, dia 4 de agosto.

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