André Lara Resende: a reforma só é impopular por ainda não ter sido explicada corretamente à população (Bel Pedrosa/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de agosto de 2018 às 13h11.
São Paulo - O economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real e colaborador da campanha de Marina Silva (Rede) à Presidência, acredita que "o apodrecimento da política brasileira" inviabilizou o funcionamento da economia do País. Ele foi o segundo entrevistado, ontem, da série Estadão FGV IBRE Os Economistas das Eleições, sabatinas com os profissionais responsáveis pelos programas econômicos de governo dos principais candidatos.
O próximo sabatinado será Gustavo Franco, responsável pelo programa de governo de João Amoêdo (Novo), na próxima quinta-feira. As inscrições estão abertas e podem ser feitas pelo site da FGV IBRE.
Na sabatina, Lara Resende afirmou que sua missão não é "eleger a Marina", mas pensar como ela vai governar se for eleita. Sobre a reforma da Previdência, disse que "deve ser atuarialmente viável, equilibrada e não prejudicar os mais desfavorecidos", mas não deu detalhes sobre a proposta. Ele acredita que a opinião pública vai ajudar a pressionar o Congresso a aprovar o ajuste da Previdência no próximo mandato. Segundo ele, a reforma só é impopular por ainda não ter sido explicada corretamente à população. "Uma reforma tão fundamental para a vida das pessoas não pode ser passada goela abaixo assim."
Como Marina, Lara Resende é crítico à Emenda Constitucional que estipulou um teto de gastos públicos, mas afirmou que não seria necessário mexer na medida no curto prazo. Ele também defendeu, com algumas ponderações, a privatização. "Eu não acho que o Estado deve ser um empresário." Ao falar da recuperação da economia, mais uma vez relacionou ao ambiente político. "Ela pode ser muito mais rápida do que se imagina simplesmente com uma mudança de estado de espírito, de confiança."
A seguir, os principais trechos da entrevista conduzida pelos repórteres Celso Ming, Fábio Alves e Renata Agostini, e o pesquisador da FGV IBRE, Manuel Pires.
Para transformar o déficit fiscal em superávit, o senhor defende elevar impostos?
A carga tributária está no limite do tolerável e da disfuncionalidade. Portanto, não é possível aumentar os impostos. Tem de haver uma racionalização do sistema tributário e uma redução das despesas correntes. A elevação dos impostos tem sido a saída usada nas últimas décadas. Chega um momento que isso se esgota.
Como fazer a racionalização?
Há impostos indiretos altos, complexos, desonerações e subsídios. Ao rever essas desonerações e subsídios, aumenta a carga tributária. E, idealmente, simplificar esses impostos todos, começando pelo PIS/Cofins e caminhando na direção de um imposto de valor agregado único. Isso leva a racionalização do sistema tributário, o que pode até baixar os impostos. É impossível também você não defender a ideia de imposto sobre herança e doações, com um valor mínimo. A ideia de que uma família que tem uma casa só não poder passá-la para seus filhos sem pagar um imposto absurdo faz todo o sentido. Agora, a herança sobre grandes fortunas, aí sim.
Marina fala em fazer uma nova política. Essa nova liderança seria capaz de ter coalização para aprovar reformas?
A forma como se vem fazendo política desde a redemocratização do Brasil apodreceu. O mensalão e a Lava Jato demonstraram que o sistema estava muito mais corrompido e mais podre do que se imaginava. Isso cria um sentimento antipolítico, o que não é possível em um País democrático. A política tem de ser de novo percebida como saudável, de representação da opinião pública. Só se faz isso rompendo com essa lógica. É uma contradição dizer que não se faz reformas sem ter apoio dessas forças. Foram elas que paralisaram o Estado e inviabilizaram o funcionamento da economia através da captura de renda para setores corporativistas e patrimonialistas.
Mas como passar as reformas sem ter base no Congresso?
Se você faz um acordo antes de se eleger, a sua força é infinitamente menor quando assumir. A legitimidade dará a possibilidade de mudar o jogo no Congresso. Não vamos nos iludir, deputados e senadores não são insensíveis à opinião pública. Ao se recusar a aderir à velha política, o presidente eleito aumenta muito a probabilidade de fazer uma coalização futura em novas bases.
Sua aposta é que a pressão popular sobre o Congresso permitirá o avanço das medidas, que são impopulares. A reforma da Previdência não foi aprovada por isso.
A reforma da Previdência não era popular porque não foi explicada para a população, que não entendeu a proposta. As forças tecnocráticas queriam passar logo a reforma. E a forma de aprovar é fazer um acordo fisiológico com as forças de apoio de governo e colocar goela abaixo. Uma reforma tão fundamental para a vida das pessoas não pode ser passada goela abaixo assim. Ela precisa ser explicada e entendida.
Qual a sua reforma da Previdência?
Numa reforma da Previdência, existem vários parâmetros que podem ser modificados. Há muitas peças para chegar a um mesmo resultado. Não faz sentido vir com uma proposta específica e não negociar sobre isso. O que você precisa ter é princípio, de ser atuarialmente viável, equilibrada e não prejudicar os mais desfavorecidos.
Marina tem sido crítica ao teto de gastos. O sr. concorda?
Do ponto de vista de expectativa, o teto de gastos foi positivo. Só acho que, de novo, é uma concessão ao nosso formalismo. A ideia de que, se os problemas parecem difíceis de solucionar, cria-se uma lei, põe na Constituição. É simplesmente uma mistificação do formalismo legal e que gera camisas de forças complicadas e inviáveis na frente. Mas não acho que o teto de gastos seja um problema no próximo ano. Essa questão de revogar o teto não parece um problema imediato. Tem problemas mais sérios a serem tratados. Mas eu tenho simpatia por mudanças tributárias e fiscais.
O sr. já se disse a favor da privatização da Eletrobrás e a Marina se opõe.
Eu não acho que o Estado deve ser empresário. Mas, no Basil hoje, a Eletrobrás não pode ser privatizada sem um marco regulatório discutido. A privatização que Marina não apoia é a da geração de energia porque tem implicações ambientais muito sérias. O que está sendo discutido é a privatização da distribuição e as distribuidoras da Eletrobrás são deficitárias. Outras estatais, como a Petrobrás, são empresas simbólicas, concebidas como patrimônio do País. Antes de serem privatizadas é preciso consenso na opinião pública. Agora, a distribuição de petróleo e a exploração em parceria funcionam bem.
Como o senhor vê o debate da reforma trabalhista e o desemprego estrutural?
Emprego e crescimento econômico são relacionados. A legislação trabalhista do País era de uma inspiração fascista, getulista. Ela defendia os trabalhadores empregados, quando eles não tinham capacidade de barganha. Isso envelheceu e não foi revisto. A reforma trabalhista foi feita na direção correta, mas de forma atabalhoada e confusa. A ideia de permitir dar mais espaço para o acordado do que a legislação é importante. Mas ainda existem questões que precisam ser revistas.