Marcos Cintra: o secretário da Receita Federal nega que sua proposta seja recriar imposto sobre transações financeiras extinto em 2007 (Wilson Dias/Agência Brasil)
Ligia Tuon
Publicado em 4 de maio de 2019 às 08h00.
Última atualização em 12 de agosto de 2019 às 09h50.
São Paulo — O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, jura que CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) não é.
Mas pelo que se sabe até agora, é difícil desvincular a sua proposta de simplificação tributária do polêmico imposto extinto em 2007.
Em entrevista para a Folha de São Paulo publicada no início da semana, o secretário voltou a falar da ideia de trocar a atual contribuição previdenciária sobre a folha salarial por um novo tributo que incidiria sobre todas as operações de pagamento.
Isso abarcaria até o dízimo pago pelas igrejas, disse ele, o que gerou uma reação imediata da bancada evangélica e do presidente Jair Bolsonaro, que gravou um vídeo afirmando que em seu governo "nenhum novo importo será criado, em especial para as igrejas”.
Em sua defesa, Marcos Cintra diz que, ao contrário da CPMF, o novo tributo entraria no lugar de outro, seria permanente e incidiria sobre movimentações também não bancárias, ainda que não esteja claro como isso seria feito.
"Enquanto a CPMF foi feita para extrair mais recursos da sociedade, estamos propondo um imposto que não elevará a carga tributária", disse Cintra.
A CPMF foi criada como um tributo temporário, vigorou no país de 1996 a 2007 e chegou a ter uma alíquota de 0,38% sobre operações. Apesar de ter como objetivo inicial arrecadar recursos para a saúde pública, ela acabou sendo usada também para outros fins.
A alíquota do novo tributo proposto pelo secretário seria em torno de 0,9%, rateada na transação igualmente entre quem paga e quem vende.
Segundo o secretário, essa é a alíquota necessária para compensar a perda dos 350 bilhões de reais anuais que atualmente vem dos salários dos trabalhadores. Um dos argumentos é que a nova base de arrecadação também seria mais garantida diante das mudanças no mercado de trabalho.
Especialistas ouvidos por EXAME consideram louvável o objetivo de desonerar os salários, mas apontam problemas com a solução proposta. As principais críticas são de que o novo imposto seria em cascata e poderia desestimular o uso do sistema financeiro.
"Muito do que está por trás da ideia do Cintra é relacionado a combater a sonegação. Ao taxar as transações financeiras, em tese, você estaria cobrando aquele que está informal no mercado", explica Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
O economista defende, no entanto, que esse não é o melhor caminho. "Por mais que mude um pouco o jeito de contribuição, continua tendo um efeito em cascata", diz Vale, já que a nova taxa estaria incidindo sobre um valor que já incorpora a cobrança anterior de outros impostos.
Leandro Schuch, sócio do escritório N. Tomaz Braga & Schuch, também destaca o potencial de distorção de um imposto que incide sobre transações financeiras.
Isso porque ele não incide apenas sobre um aumento de renda da pessoa física ou incremento da produção da receita da pessoa jurídica. "Nem toda transação financeira indica um ganho de renda", diz.
O advogado alerta também para o risco de desestimular que as empresas entrem na formalidade: "O governo pode criar a ideia equivocada de que é vantajoso se manter à margem do sistema financeiro. Muitas transações não são bancarizadas ainda", explica.
Linneu de Albuquerque Mello, professor de direito tributário da FGV-Rio, destaca que a simplicidade de um sistema não é ditada só pela quantidade de tributos, mas pela clareza das regras.
"Hoje, por exemplo, temos o PIS e o Cofins, que incidem sobre todos os insumos utilizados. O que é insumo? O STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) debatem essa resposta há dez anos e, até agora, não chegaram a um consenso", diz.
Para Mello, aumentar a base de contribuintes e combater isenções é o caminho mais efetivo para a arrecadação.
"O sistema brasileiro é cheio de isenções e benefícios. Se alguns grupos com força política conseguem se esquivar do pagamento, outros, como é o caso do assalariado, vão pagar mais, porque a conta é uma só", diz.
As ideias alardeadas por Cintra estão dentro de um cenário em que a reforma tributária volta a entrar no foco de empresários e políticos com propostas já amadurecidas após anos de debate.
Atualmente está em tramitação no Congresso a PEC 293/04, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e com apoio declarado do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
O projeto prevê a criação de um novo imposto sobre valor agregado, no modelo usado na maior parte dos países da OCDE, que reuniria os federais IPI, PIS e Cofins, e também o ICMS e o ISS, cobrados pelo estado e pelo município, respectivamente.
A proposta foi desenvolvida pelo economista Bernardo Appy em parceria com o ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-SP), relator da PEC 293 na comissão especial da Câmara, onde foi aprovada em dezembro do ano passado.
"A proposta do Appy racionaliza e facilita o sistema, tira a incidência de impostos sobre impostos (efeito cascata), que gerou brigas judiciais grandes e que ainda se arrastam há anos no judiciário", defende Schuch.
Cintra já afirmou que as duas poderiam ser complementares mais para frente, enquanto Vale defende que "o governo apoie a proposta do Congresso em vez de investir em uma CPMF camuflada".