Economia

Política e reação errática à covid levam real 17% abaixo de "valor justo"

Moeda brasileira vem tendo desempenho persistentemente inferior ao de emergentes, diz relatório da Oxford Economics; recuperação depende de reformas

Real: janela para que moeda recupere suas perdas termina no fim do ano e depende de avanço de reformas (Lucas Ninno/Getty Images)

Real: janela para que moeda recupere suas perdas termina no fim do ano e depende de avanço de reformas (Lucas Ninno/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 23 de julho de 2020 às 17h54.

Última atualização em 23 de julho de 2020 às 19h44.

A moeda brasileira está sendo negociada por um preço 17% inferior ao que seria seu "valor justo", influenciada por instabilidade política e pela reação errática do presidente Jair Bolsonaro frente à pandemia de covid-19, conclui a Oxford Economics em relatório desta semana.

Desde o início da pandemia, diz o documento, a moeda apresenta um desempenho persistentemente inferior às moedas de países emergentes, seja em níveis de depreciação, seja em termos de volatilidade.

A incapacidade do real de preservar seu valor tem sido fonte de preocupação. O dólar comercial já subiu quase 30% em relação ao real neste ano. Desde o último fechamento de fevereiro, às vésperas de ser decretada oficialmente a situação de pandemia, até aqui, a valorização foi de 15%.

O baque sofrido em março pelo mercado financeiro fez o Dxy, índice que mede a relação do dólar ante uma cesta de moedas de parceiros comerciais dos Estados Unidos, valorizar 8% em menos de um mês. Desde então, as moedas de emergentes recuperaram boa parte dessa perda, enquanto que o real voltou a ter mais ondas de alta, diz o relatório. O país também destoa de seus pares na América Latina. 

"As perdas prolongadas do real em abril e maio sugerem que o desempenho inferior em relação a seus pares pode ter causas domésticas", diz.

Nesse período, o real sofreu a maior depreciação estrutural entre os emergentes desde 2012, segundo a Oxford Economics. Além disso, a volatilidade anual rolante da moeda nos últimos 21 dias é o dobro da média desses países.

Para avaliar as razões por trás do que o relatório chama de incomum dissociação entre a taxas de câmbio, primeiro foi analisada a balança brasileira de pagamentos. Mas o resultado nesse segmento não só não foi pior a ponto de influenciar no câmbio, como foi beneficiado pela pandemia, diz o relatório:

"A estimativa é que a combinação dos crescentes custos de importação com a forte retração da demanda doméstica tenham levado a um ajuste positivo da conta corrente de 4,5 pontos percentuais do PIB somente em 2020."

Em relação à dívida externa brasileira, outro possível complicador cambial, o levantamento também não encontrou problemas que justificasse tamanha desvalorização:

"Apesar de ser uma economia emergente altamente endividada, menos de 5% da dívida pública do Brasil é em dólar, e o estoque de moeda americana em circulação é tão pequeno que o Banco Central poderia pagar por tudo isso usando apenas 25% de suas reservas cambiais", diz.

Mas o que houve?

Ao comparar o momento em que começaram as discrepâncias entre a moeda brasileira e a de seus pares com os eventos políticos que vem chamando a atenção internacional desde abril, a Oxford Economics concluiu que a política local pode ser uma das principais razões para o desempenho do real.

Em meados de abril, Bolsonaro enfrentou uma série de derrotas políticas desencadeadas por reações adversas à forma com que o presidente vem tratando a crise sanitária:

"Tudo começou no final de março, quando o então popular ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, criticou a falta de fé de Bolsonaro em relação às medidas de quarentena e aos protocolos de medicamentos", diz. O episódio foi seguido da demissão de Mandetta, em 16 de abril.

Pouco tempo depois, o então ministro da Justiça, Sergio Moro, decidiu abandonar o governo, revelando informações controversas sobre a tentativa de Bolsonaro de intervir em investigações da Polícia Federal.

"A popularidade do presidente foi afetada desde então e isso explica mais de 55% do desvios do nosso rastreador diário", diz.

O cenário ficou ainda mais deteriorado após a renúncia do ministro da Saúde, Nelson Teich, depois de apenas um mês no cargo, depois de Bolsonaro tentar intervir nas políticas do ministério, relaxando os protocolos de aprovação de medicamentos e subestimando a necessidade de políticas de quarentena.

Bolsonaro acabou optando por manter no cargo até hoje o general do Exército, Eduardo Pazuello, o que significou carta branca para medidas controversas, como a tentativa de interromper a divulgação periódica da evolução do cenário da covid-19 no Brasil.

"Com ataques crescentes da oposição, popularidade reduzida e um de seus filhos sob investigação criminal, Bolsonaro continua a ter sua governabilidade testada", completa o relatório. 

Não precisa ser para sempre

A proposta de reforma tributária que o ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou nesta semana ao Congresso levou a um aumento repentino do real para R$ 5,10 por dólar, a maior alta em seis semanas, levada pela expectativa de aprovação e retomada da agenda de reformas pré-pandemia.

"Supondo que as atividades normais sejam retomadas, e o governo continue a realizar privatizações e reformas, com os habituais comentários inapropriados de Bolsonaro, esperamos que o real termine este ano em R$ 5 por dólar e no próximo a R$ 4,5", diz o relatório.

A Oxford Economics alerta, no entanto, que janela para que o real continue ganhando com o clima positivo ligado ao avanço das reformas estruturantes, sobretudo aquelas que sinalizem uma melhora do quado fiscal brasileiro, termina no início de 2021.

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