Economia

Plano Real, 30 anos: "VAMOS LÁ. CHEGOU O REAL"

Em 1994, a revista EXAME descreveu o sentimento de apreensão do Brasil com o novo plano econômico. Leia na íntegra

Capa da revista Exame de 6 de julho de 1994: As incertezas e as expectativas sobre a nova moeda, o Real (exame/Exame)

Capa da revista Exame de 6 de julho de 1994: As incertezas e as expectativas sobre a nova moeda, o Real (exame/Exame)

Luciano Pádua
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 1 de julho de 2024 às 06h07.

Última atualização em 1 de julho de 2024 às 07h50.

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Há 30 anos, era lançado o Plano Real. Em sua edição de número 661, a EXAME fez uma reportagem especial para dar sentido ao novo plano econômico que começaria na vida dos brasileiros.

Com a chamada "CHEGOU O REAL", a revista tentou dimensionar os impactos da nova moeda para empresas, os investimentos, além de trazer uma reportagem com o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, e um artigo exclusivo do economista Mário Henrique Simonsen, que como mostramos era entusiasta comedido do Plano Real.

Na apresentação do especial, a EXAME anotou que a estabilização da moeda imporia "mudanças profundas, da política de remuneração à busca do perfil profissional ideal, do treinamento ao recrutamento".

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"Tais mudanças serão necessárias inclusive para satisfazer o consumidor que deve emergir com o real. Se antes este tendia a escolher produtos de menor valor, agora deverá estar mais atento à qualidade dos produtos e ao atendimento. Conquistar esse tipo de consumidor é tarefa que exige talento dos homens de marketing", diz a reportagem.

"Aqui, pode-se perguntar: tantas mudanças para uma moeda que nem se sabe se continuará estável depois de alguns meses? É isso mesmo. Não se adaptar às regras do jogo, ainda que esse jogo não dure muito, pode condenar uma empresa ao prejuízo, ou pelo menos à perda de oportunidades de negócio."

E finaliza:

"Para sorte dos empresários e executivos brasileiros, uma espécie de sobreviventes após anos de turbulências econômicas, o que não falta a eles é jogo de cintura."

Abaixo, leia a íntegra da reportagem, publicada em 1994.

"LÁ VAMOS NÓS. CHEGOU O REAL

A nova moeda nasceu de sete meses, mas quer ser forte como o dólar. O Brasil tenta mais uma vez

Sete meses depois de anunciada, nasceu enfim a criança. O real está na praça. Poder não ser a oitava maravilha do mundo, mas chega com a pretensão de ser uma moeda forte, tanto que vai valer 1 dólar por real no começo. Por enquanto, a população reage entre esperançosa e desconfiada. Esperançosa porque o governo promete enfim derrubar a inflação e desconfiada porque as promessas desse tipo sempre deram em nada desde o Plano Cruzado. Ou melhor, deram em mais inflação depois de alguns meses. Desta vez, será diferente? Ninguém pode garantir, porque não basta trocar notas e moedas do meio circulante para abater a inflação. Por certo existem as chamadas âncoras, a cambial e a salarial, principalmente, e a fiscal, baseada na separação de uma parte da arrecadação tributária do governo no Fundo Social de Emergência., como se fosse uma caderneta de poupança. Mas é ano de eleição, o Congresso gazeteou na reforma da Constituição e nem o orçamento da União para 1994 ainda foi aprovado. Ou seja, há muitos fatores jogando para fazer gol contra.

Mesmo com esses problemas, os pais da criança, mantidos na equipe econômica do governo enquanto o senador Fernando Henrique Cardoso partia para o circuito dos palanques, continuam otimistas. "Estamos certos de que as medidas adotadas previamente garantem uma queda abrupta da inflação", diz Pedro Malan, presidente do Banco Central. Ele não de mostrar, contudo, alguma preocupação com a operação de troca de moedas. De fato, até que todos tenham se desfeito do dinheiro velho, os brasileiros terão de conviver temporariamente com duas moedas e uma taxa de câmbio estacionada em cerca de 2 800 cruzeiros reais para cada real. Nesse meio tempo, até o final de agosto, estarão sendo divulgados mais de trinta índices de inflação — quase todos eles carregando a memória da última inflação da moeda velha. O trunfo da equipe econômica é que os preços vão deixar de aumentar com a intensidade de antes. "sem reajustes dos salários, da taxa de câmbio e dos impostos, os preços não terão motivos para subir", diz o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, em artigo escrito para esta edição.

Para as empresas, a estabilização vai requerer um esforço adicional. "A maneira de administrar o caixa, de gerir os estoques e de negociar com os fornecedores vai ser cada vez mais decisiva para determinar os ganhos ou prejuízos", diz Silvano Valentino, presidente da Fiat. Sem margem para acumular estoques num período de juros estonteantes, elas terão de aumentar a produção para atender a uma demanda que se prevê crescente. Do contrário, a concorrência pode ocupar seu espaço. Os investidores também serão afetados. Como a inflação no real será combatida com juros altos, em tese as aplicações financeiras de renda fixa oferecerão remunerações melhores do que as bolsas.

DÊ CERTO OU NÃO, O REAL EXIGIRÁ ADAPTAÇÃO DAS EMPRESAS

Na área de recursos humanos das empresas, a estabilização da moeda imporá mudanças profundas, da política de remuneração à busca do perfil profissional ideal, do treinamento ao recrutamento. Tais mudanças serão necessárias inclusive para satisfazer o consumidor que deve emergir com o real. Se antes este tendia a escolher produtos de menor valor, agora deverá estar mais atento à qualidade dos produtos e ao atendimento. Conquistar esse tipo de consumidor é tarefa que exige talento dos homens de marketing. Aqui, pode-se perguntar: tantas mudanças para uma moeda que nem se sabe se continuará estável depois de alguns meses? É isso mesmo. Não se adaptar às regras do jogo, ainda que esse jogo não dure muito, pode condenar uma empresa ao prejuízo, ou pelo menos à perda de oportunidades de negócio. Para sorte dos empresários e executivos brasileiros, uma espécie de sobreviventes após anos de turbulências econômicas, o que não falta a eles é jogo de cintura."

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