Economia

PIB de 2020 supera expectativas, mas já cobra seu preço

Carrego estatístico do último trimestre poderia impulsionar o crescimento em 2021, mas atrasos na vacinação e o agravamento da pandemia frustram expectativas

Movimento em frente a shopping center de São Paulo (Roberto Parizotti/Fotos Públicas)

Movimento em frente a shopping center de São Paulo (Roberto Parizotti/Fotos Públicas)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 3 de março de 2021 às 15h55.

Última atualização em 5 de março de 2021 às 11h04.

Apesar de negativo, o PIB de 2020 superou as expectativas do mercado — que já não eram tão altas assim. Enquanto países primos do Brasil registram retrações na casa dos dois dígitos, como Argentina e México, por aqui o produto interno bruto recuou "apenas" 4,1%, pouco abaixo dos Estados Unidos, que caiu 3,5%.

"Apesar de ser uma queda forte, no final das contas o resultado não foi tão ruim quanto parecia ser, principalmente se levarmos em conta a maneira como o Brasil enfrentou a pandemia", explica Juliana Inhasz, coordenadora do curso de economia do Insper. "Gastamos menos que outras grandes economias, as medidas de isolamento não foram tão bem implementadas... Dentro desse contexto, está saindo um preço justo, dentro do esperado."

O resultado do último trimestre também surpreendeu. Enquanto o mercado projetava uma alta por volta de 2,8%, o número final ficou em 3,2%, puxado pelo consumo das famílias, ainda sob os efeitos do auxílio emergencial, e dos serviços. Essa alta cria um carrego estatístico para 2021 que, supostamente, facilitaria um cenário de recuperação neste início de ano.

"Se no primeiro semestre eu ganho 100 reais por mês e, no segundo, 120 reais, meu salário médio no ano é de 110 reais. No ano seguinte, ainda que meu salário continue em 120 reais, minha média salarial anual sobe para 120 reais — um ganho em relação à média anterior. Isso é o carrego estatístico: ao terminar o ano em alta, a média contra média fica positiva", explica Étore Sanches, economista-chefe da Ativa Investimentos.

Para Sanches, essa perspectiva boa trazida pelo carrego pode se deteriorar com elementos que destruiriam o capital para além do esperado, como um agravamento da pandemia ou um grande atraso na vacinação — exatamente o que está acontecendo agora, quando recordes de mortes contrastam com números pífios de vacinação.

"O aumento da circulação de pessoas reativa os serviços e joga a variação do PIB para cima. Foi o que aconteceu no quarto trimestre, também por causa das rendas extras de final de ano. Mas vemos agora que isso foi um movimento pontual. E essa expectativa de melhora da economia deve ceder", analisa Inhasz. "Colocamos as fichas em eventos que não eram tão sólidos, e isso cria essa percepção distorcida."

Pesquisadora sênior do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getulio Vargas), Silva Mattos concorda com Juliana, e espera algum sinal de recuperação econômica apenas no segundo semestre, caso o caos atual já seja o pico da segunda onda e o ritmo de vacinação acelere. "Ainda assim, digo isso com muita incerteza, porque vivemos um momento de muitas políticas econômicas populistas que pioram as condições financeiras no curto prazo e as projeções para o pós-pandemia", explica ela, avaliando que o governo foi demasiadamente otimista ao apostar na recuperação em V.

Você olha para o mundo, vê ele melhorando e acha que vamos seguir a mesma trajetória. Essa perda de fôlego [no primeiro trimestre de 2021] acontece porque não temos condições de manter a economia financiada pelo setor público, como acontece na Europa. Gastamos toda a munição achando que a guerra seria rápida, mas não está sendo. Deveríamos ter investido estrategicamente em vacinas, que não é só uma política de saúde, mas também econômica - a melhor arma contra a pandemia.

Silvia Matos, Pesquisadora sênior do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getulio Vargas)
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