Economia

PIB cresce, mas risco é de 'otimismo temporário' com população empobrecida

O PIB do Brasil cresceu 1,0% no primeiro trimestre. A dúvida é o quanto o consumo e as commodities serão capazes de seguir puxando a economia

Comércio: retomada do setor de serviços foi o motor do PIB no primeiro trimestre (Lucas Landau/File Photo/Reuters)

Comércio: retomada do setor de serviços foi o motor do PIB no primeiro trimestre (Lucas Landau/File Photo/Reuters)

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Carolina Riveira

Publicado em 2 de junho de 2022 às 15h10.

Última atualização em 2 de junho de 2022 às 21h38.

Comemoração, mas com cautela. Esse foi o tom diante do crescimento da economia brasileira no primeiro trimestre, com produto interno bruto (PIB) avançando 1,0% entre janeiro e março.

O dado divulgado nesta quinta-feira, 2, veio ligeiramente abaixo da mediana das expectativas (1,2%), mas ainda mostrou resultado visto como positivo pelo mercado, segundo fontes ouvidas pela EXAME. Foi o terceiro trimestre seguido de alta após a queda brusca no auge da pandemia.

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Para Alvaro Frasson, economista do banco BTG Pactual (do mesmo grupo que controla a EXAME), destaques importantes foram o consumo das famílias (alta de 0,7%), que puxou o setor de serviços, e alguma surpresa na construção (alta de 0,8%).

"Construção está muito parecido com o primeiro trimestre do ano passado, mas hoje temos nível de juros muito mais alto, por isso surpreende", diz.

O momento positivo desses dois setores, para o economista, caminha em linha com os números melhores no mercado de trabalho, uma vez que são áreas com uso intensivo de mão de obra. A taxa de desemprego caiu para 10,5% no trimestre até abril, a menor desde 2015.

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Para o resto do ano, no entanto, a principal preocupação é de que a onda de otimismo que marcou as projeções do primeiro trimestre possa não se repetir.

Isso porque o crescimento da economia foi embasado principalmente na retomada do setor de serviços, que cresceu 1,0% entre janeiro e março. A indústria andou de lado (0,1%), enquanto a agropecuária encolheu (-0,9%).

"Temos uma recuperação hoje muito calcada em serviços. Só que esse também foi o setor que mais perdeu na pandemia, então é até um pouco natural que haja essa alta diante da maior circulação de pessoas", diz Juliana Inhasz, professora e coordenadora do curso de graduação em economia do Insper.

São Paulo SP 30 09 2020 Comercio informal entre carros na região do Parque dom Pedro centro da capita lFoto Jorge Araujo/ Fotos Publicas

Comércio de rua: desemprego caiu, mas renda ainda está abaixo do pré-pandemia (Jorge Araujo/Fotos Públicas)

Parte da retomada do consumo foi financiada, por exemplo, com o que foi guardado durante a pandemia, quando a população que manteve o emprego gastou menos em frentes como lazer, turismo e transporte.

"Observamos uma 'despoupança' do consumidor, com a utilização das economias acumuladas", disse em nota Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter. A boa notícia é que o movimento aconteceu mesmo diante da inflação alta e crédito mais restrito com a alta dos juros.

Mas a dúvida que estará no centro das atenções de economistas e investidores em 2022 é o quanto o Brasil conseguirá manter esse crescimento de forma sustentada, passada a fase de recuperação da pandemia.

Embora o desemprego tenha caído, o rendimento médio é hoje menor do que em 2019, o que indica que as vagas criadas são de pior remuneração, podendo afetar o consumo. A inflação em 12% no acumulado do ano também reduz o poder de compra.

"Quando olhamos o desagregado, agro e indústria ainda estão patinando. O setor de serviços, de certa forma, carregou o PIB 'nas costas' neste primeiro trimestre. Mas dificilmente deve se sustentar daqui até o final do ano", diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

Da China à guerra

O PIB do primeiro trimestre veio acima da projeção da Austin (que era de 0,6%), o que Agostini aponta que foi uma notícia positiva.

Ainda assim, diante das incertezas no consumo e efeitos da alta dos juros - que devem começar a aparecer sobretudo no segundo semestre -, a casa mantém a projeção para PIB em 2022 de 0,3%, uma das menores do mercado.

No geral, a mediana das projeções para o crescimento do PIB em 2022 está perto de 1%. Mesmo nas casas com as previsões mais otimistas, a desaceleração nos próximos trimestres é vista como inevitável.

Em boa parte do primeiro trimestre, a economia ainda não havia sido totalmente afetada pela guerra na Ucrânia, que só começou em 24 de fevereiro.

A guerra, que se provou um conflito prolongado, traz um cenário de incerteza e aumento dos riscos globalmente, com inflação, crise de energia e alta de juros nos Estados Unidos.

Lockdown na China: desaceleração da economia chinesa terá impactos no Brasil (AFP/AFP)

Para o Brasil, soma-se ainda a desaceleração do crescimento da China, intensificada pela "covid zero" e lockdowns em grandes cidades.

A economia chinesa crescendo menos é um ponto sensível na economia brasileira, apontou relatório do UBS nesta semana, uma vez que o país responde por quase um terço da pauta de exportações do Brasil e as duas economias tendem a andar juntas historicamente. "A performance econômica do Brasil está altamente correlacionada à da China", dizem os analistas do banco suíço.

O limite das commodities

Na lista de poucas boas sinalizações vindas do exterior, o preço astronômico das commodities no mercado internacional beneficia as exportações de bens agropecuários, minérios e petróleo, e deve seguir sendo componente positivo nos próximos meses.

Há um debate intenso sobre o papel que essa alta recente das commodities terá na economia brasileira. A resposta costuma aparecer em projeções maiores ou menores para o PIB.

Para Juliana Trece, do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre/FGV e uma das pesquisadoras responsáveis pelo Monitor do PIB, esse pequeno novo "ciclo" das commodities não deve ser duradouro o suficiente, nem conseguir, sozinho, carregar a economia para um crescimento mais robusto.

Colheita de soja: agro sofreu com problemas climáticos no primeiro trimestre (Wenderson Araujo/CNA/Divulgação)

A pesquisadora aponta que a alta dos preços das commodities terminam, ainda, tendo um efeito negativo social e no consumo - com combustíveis e alimentos mais caros aumentando o custo de vida e levando a aumento da taxa de juros para conter a inflação gerada.

"É como se fosse um 'entrega daqui, pega dali'. Da forma como está a configuração do cenário, está mais complicado pensar que [a alta das commodities] pode dar uma contribuição a ponto de superar os efeitos negativos desta vez", diz.

Problemas estruturais

A medida do PIB pela Ótica da Despesa, que mostra de onde vieram os recursos no trimestre, explica bem o problema para o futuro. A Despesa de Consumo das Famílias teve crescimento de 0,7%, mas a Despesa de Consumo do Governo ficou estável (0,1%) e a Formação Bruta de Capital Fixo (-3,5%), que inclui investimentos privados produtivos, registrou queda. 

Essa queda nos investimentos produtivos é um desafio para a manutenção do crescimento, e reflete em resultados frequentemente "alarmantes" em frentes como a indústria, diz Trece, do Ibre/FGV.

"A série de formação bruta de capital fixo está em um nível muito abaixo do que já foi. Na prática, é reflexo da nossa própria crise anterior, bem particular do Brasil, que ainda não conseguimos superar. Já são oito anos desde 2014 e ainda não conseguimos voltar àquele nível", diz.

"Na indústria, às vezes até vemos um crescimento, mas é sempre na 'pontinha'. Em termos estruturais, está muito longe."

Enquanto isso, o agro, que foi o motor do PIB no começo da pandemia, sofre com problemas climáticos que afetaram o resultado de boa parte de 2021 e no começo deste ano.

Para os próximos trimestres, Inhasz, do Insper, também diz se preocupar com o aumento de custos de produção em eventuais resultados do agro, como a crise dos fertilizantes diante da guerra, aumento dos fretes e custo da energia.

Com indústria e agro sem grandes perspectivas por ora, é difícil pensar em uma economia pautada somente pelo consumo diante de uma população ainda muito empobrecida. O ano começou bem para a atividade econômica, mas, pode não seguir assim por muito tempo.

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