Economia

Pastore: Bolsonaro tem equipe econômica certa, mas articulação desanima

Ex-presidente do BC diz que a reforma da Previdência não é uma "bala de prata" responsável por resolver todos os problemas do país

Pastore: para o especialista, depois da Previdência é preciso abrir a economia, reformar o sistema tributário e aumentar a competitividade (ARQUIVO/VEJA)

Pastore: para o especialista, depois da Previdência é preciso abrir a economia, reformar o sistema tributário e aumentar a competitividade (ARQUIVO/VEJA)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 2 de junho de 2019 às 09h46.

São Paulo — Para o economista Affonso Celso Pastore, o governo do presidente Jair Bolsonaro tem a equipe econômica certa, com potencial para encaminhar o país rumo às reformas necessárias para afastar o Brasil da insolvência e colocar o País novamente nos trilhos. O que atrapalha, ele avalia, é a falta de articulação política. "Nesse ponto, é desanimador."

Perto de completar 80 anos, Pastore, que comandou o Banco Central, entre 1983 e 1985 — em meio à crise da dívida externa, que fez o Brasil ficar sem recursos para pagar suas importações —, diz que a reforma da Previdência não é uma "bala de prata" responsável por resolver todos os problemas do país.

Após a sua aprovação, é preciso abrir a economia, reformar o sistema tributário e aumentar a competitividade, diz o economista da consultoria A.C. Pastore e Associados.

Na próxima quinta-feira, o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) vai promover um seminário em homenagem a Pastore, com debates entre economistas. Ele começou a atuar como professor titular da instituição em 1999. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Como foi presidir o Banco Central em um período de crise aguda, como a dos anos 80?

Eu peguei uma verdadeira tempestade, que foi a crise da dívida externa, e tive de atuar como um dos elementos que fizeram a primeira fase da renegociação da dívida. O convite para o Banco Central foi feito por Ernane Galvêas, ministro da Fazenda na época, mas não tenho dúvida de ter sido recomendado pelo Delfim Netto, que tinha sido meu professor e estava no Planejamento. Foi um período dificílimo.

Tomei posse em setembro de 1983 e logo quis entender qual era a situação do País. O Brasil não tinha mais reservas internacionais. Era uma situação em que se paralisaram todos os pagamentos internacionais e as linhas de financiamento de exportação tinham sido canceladas, não tinha como financiar a exportação. A recessão daquele período foi tão profunda como a dos anos recentes.

O principal desafio era tentar administrar essa grave crise?

Sim. No Banco Central, a primeira coisa que tive de fazer era ser um administrador de crises. Tinha de procurar os bancos, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o Clube de Paris. Isso também envolvia o Ministério da Fazenda e o do Planejamento. Foi um momento extremamente tenso, porque a gente não sabia o que viria. Nunca tinha enfrentado um desafio — nem o País. Estávamos tateando no escuro.

A economia começou a voltar em 1984. A experiência foi rica, no sentido de pegar um País que estava sem reservas e colocá-lo em um caminho normal. Mais tarde, teve uma segunda fase de renegociação da dívida e várias outras ações que precederam o Plano Real, em 1994.

O País mudou muito desde que o sr. saiu do Banco Central?

O Brasil é um outro país, bem diferente. Lá atrás, tinha uma inflação crônica, que vinha de um processo de financiamento da dívida com emissão de moeda. A gente não tinha dívida, mas tinha inflação. O Plano Real conseguiu acabar com a inflação a um custo muito pequeno, mas falhou por não ter feito a reforma do lado fiscal. Lá começamos a construir um problema fiscal que veio crescendo até hoje.

Desde a Constituição de 1988, a despesa primária do governo central, em termos reais, cresce a 6% ao ano. Se o Produto Interno Bruto (PIB) crescesse no mesmo ritmo, não teria problema, a receita pagaria a despesa. Só que o PIB nesse período cresceu em torno de 2% ao ano. A despesa foi crescendo e os governos 'atacaram' esse problema aumentando impostos e afogando o setor privado.

Nada foi feito?

Esse problema não foi atacado no governo Fernando Henrique Cardoso, nem no governo Lula nem no governo Dilma. Quando chega no governo Temer, e esse foi um ponto que merece elogios, ele diz o seguinte: 'temos de parar de subir impostos, para não matar a economia'. Foi o teto de gastos.

Mas essa emenda constitucional só sobrevive com uma reforma da Previdência que leve em consideração a transição demográfica ocorrida nos últimos anos. Só tem uma saída possível: aumentar a idade mínima de aposentadoria e olhar para os privilégios que existem hoje.

A reforma da Previdência tem aparecido na maioria das análises econômicas recentes. Ela é, de fato, crucial para o País?

Sim. Qualquer caminho que se pense para a recuperação do Brasil não vai funcionar se o problema da insolvência do setor não for eliminado, e para isso é preciso uma reforma da Previdência robusta. Lá atrás, tinha uma crise de balança de pagamentos internacionais. Agora, trata-se de uma crise de crescimento econômico.

A reforma da Previdência não é uma bala de prata, que vai resolver todos os problemas do país, mas ela é uma condição necessária para que as outras medidas sejam possíveis. Depois de aprovada, é preciso abrir a economia para o comércio internacional e tornar a economia brasileira mais competitiva.

O empresário tem de ser pressionado pela competição para poder ser eficiente, em vez de ir a Brasília buscar subsídio para manter o lucro. Também precisa acabar com a guerra fiscal entre os Estados e fazer a reforma tributária, como a que propõe o Bernard Appy (diretor do Centro de Cidadania Fiscal).

Que balanço o sr. faz do governo Bolsonaro até agora?

Esse governo tem gente muito boa, todas as informações que recebo indicam que o ministro da Infraestrutura (Tarcísio Freitas) faz um bom trabalho. A equipe econômica é preparada. No Banco Central, também. Mas do ponto de vista da articulação política, é muito desanimador.

Também fico abismado com a ideologia tacanha que hoje conduz a educação no Brasil. Além disso, o presidente precisa entender que ele não tem maioria no Congresso e os parlamentares também foram eleitos legitimamente.As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Acompanhe tudo sobre:Banco CentralGoverno BolsonaroJair BolsonaroReforma da Previdência

Mais de Economia

Oi recebe proposta de empresa de tecnologia para venda de ativos de TV por assinatura

Em discurso de despedida, Pacheco diz não ter planos de ser ministro de Lula em 2025

Economia com pacote fiscal caiu até R$ 20 bilhões, estima Maílson da Nóbrega

Reforma tributária beneficia indústria, mas exceções e Custo Brasil limitam impacto, avalia o setor