Economia

O problema do Brasil é a dívida das empresas, diz economista

O economista Felipe Rezende, que teceu críticas à PEC 241 em audiência pública no Senado, explica por que acha que a medida vai na contramão da teoria econômica


	Felipe Rezende: "o Brasil está tentando trocar o pneu sem perceber que o motor está fundido"
 (Marcos Oliveira/Agência Senado)

Felipe Rezende: "o Brasil está tentando trocar o pneu sem perceber que o motor está fundido" (Marcos Oliveira/Agência Senado)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 10 de outubro de 2016 às 15h58.

São Paulo - O economista Felipe Rezende, professor da Hobart and William Smith Colleges, no estado de Nova York, sabe que é uma voz dissonante em meio ao apoio quase irrestrito da classe política e econômica à PEC 241, que propõe limitar os gastos públicos pelos próximos 20 anos, mas nem por isso deixa de afirmar que ela vai colocar o Brasil “na contramão do mundo”.

Para ele, de saída, a avaliação da equipe econômica está errada, já que o Brasil não estaria vivendo uma crise clássica de desarranjo econômico por falta de confiança dos investidores, como se propaga. O problema está no endividamento das empresas. 

Em primeiro lugar, ele afirma que a dívida pública bruta, que subiu de cerca de 56% do PIB em 2008 para cerca de 69% do PIB em 2016, não está em uma trajetória ascendente inevitável. Cerca de 30% deste aumento se deve, segundo os cálculos de Rezende, a gastos extraordinários, tanto do Banco Central, com o programa de compra de dólares, quanto do BNDES, com a transferência de títulos.

Descontando estes fatores, afirma, a dívida pública brasileira estaria no mesmo patamar dos países emergentes com grau de investimento (representando cerca de 45% do PIB). Portanto, na opinião dele, não faria sentido criar uma emenda constitucional que congelasse os gastos públicos por um intervalo tão grande.

Além disso, Rezende afirma que o modelo pregado pela PEC está ultrapassado, já que o próprio FMI tem reconhecido que políticas contracíclicas são mais efetivas. Nestes casos, parte-se da premissa de que, quando o país está em expansão econômica, os gastos públicos podem diminuir; quando está em crise, não há problema em aumentar os gastos e enfrentar um período de déficits fiscais.

A solução adequada, segundo ele (e para espanto de muitos), seria adotar uma política anticíclica e acomodar os déficits, adotando algumas medidas de alívio tributário no curto prazo. Entenda o ponto de vista de Rezende, na entrevista concedida a EXAME.com:

Com base no seu diagnóstico, o que o governo está fazendo de errado nesta proposta de ajuste fiscal?

Em todos os países que adotaram medidas contracíclicas, aumento de gastos em momento de crise, a recessão passou e os indicadores melhoraram. Nos Estados Unidos, no Japão, no Reino Unido, na França, o déficit diminuiu.

Um déficit deste tamanho acaba estabilizando a atividade econômica e dá as bases para o crescimento. Os déficits do Brasil não vão ficar nesses níveis nem nos próximos cinco anos, quem dirá nos próximos 20. Adotar estas medidas é ir na contramão do mundo.

O que acontece é que grande parte dos economistas do Brasil ignoraram completamente o crescimento do endividamento privado. O endividamento privado mais que dobrou, de 35% do PIB em 2005 para quase 80% do PIB em 2015. Ao comprar ativos, a empresa espera que ele vá gerar retorno e que este retorno seja suficiente para bancar as obrigações financeiras.

Entre 2010 a 2016, você tem forte elevação do endividamento com uma queda brutal na valorização de ativos. O ROE (retorno sobre patrimônio) caiu 86% entre 2010 e 2016. A empresa se endividou muito, o retorno sobre ativos caiu brutalmente e o fluxo de caixa é insuficiente.

Tem alguma coisa que o governo poderia estar fazendo e não está?

Quais são as políticas apropriadas? Se eu estou com problema de honrar os compromissos, o governo tem que tentar garantir que volte a aparecer fluxo de caixa. No curto prazo, é fundamental aliviar o fluxo de caixa.

O impacto deste endividamento se dá sobretudo sobre o sistema bancário. 

Uma possibilidade é o corte temporário de impostos que incidem sobre produção, para que você possa ter aquela renda e pagar suas dívidas, honrar seus compromissos.

O Brasil tem que entender que esse é um momento emergencial, mas ainda não percebeu que está tentando trocar o pneu do carro sem ver que o motor está fundido.

Uma desoneração de impostos não causaria conflitos com representantes do setor produtivo quando fosse a hora de subi-los novamente?

Eu defendo uma desoneração diferente da que foi feita no governo Dilma, sem conversa. Ela deu desoneração para setores que tinham lobby maior no Congresso, de forma totalmente desordenada. Se você fizer de forma acordada, gradual, é a melhor saída.

Também defendo uma revisão da tabela de imposto de renda, principalmente para as classes mais baixas. Os EUA adotaram um programa de transferência de renda, e foi até interessante, porque o dinheiro do governo foi usado para pagamento de dívida, e o impacto na inflação foi praticamente zero.

A questão é que o governo mais que cumpriu a PEC em 2015, mas a confiança e os investimentos não voltaram. O efeito foi agravar a recessão. Esta política não é nem cíclica nem anticíclica, é acíclica, porque o crescimento dos gastos será o mesmo independente da fase econômica do país. Fora que o governo não controla a receita. Não há nenhuma garantia de que essa medida vá controlar a trajetória da dívida.

 Atrelar os gastos públicos à inflação não pode levar essa inflação a se “retroalimentar” e continuar crescendo?

Sim, esse mecanismo pode piorar o processo inflacionário do Brasil. O plano real fez um esforço monumental para quebrar os mecanismos formais e informais de indexação da economia brasileira. Embora a indexação ainda tenha permanecido por algum tempo, o plano tinha conseguido quebrar a espinha dorsal. E o governo, de uma forma muito assustadora, reintroduz esse mecanismo constitucional de reajuste de gastos com base na inflação, imagina o que você vai espalhar pela economia como um todo. Eu considero isso muito perigoso.

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