O triunfo secreto do capitalismo na Coreia do Norte
Hoje a produção e distribuição da maioria dos produtos que circula no país está em poder da iniciativa privada
Da Redação
Publicado em 31 de dezembro de 2015 às 06h48.
Seul - Empreendedores ocultos pelo Estado, onipresentes "mercados negros" e um imparável fluxo de dólares, euros, ienes e iuanes movem economicamente a Coreia do Norte de Kim Jong-un, um reduto stalinista onde o capitalismo já existe de forma discreta, mas irreversível.
"Um exemplo muito ilustrativo é o dos sapatos. Todo mundo precisa de sapatos, não é verdade?", disse à Agência Efe em Seul o diretor de estratégia e pesquisa da ONG Liberty in North Korea (LINK), Sokeel Park, para explicar a origem deste fenômeno.
"Antes do desabamento da economia socialista nos anos 90, os sapatos eram feitos nas fábricas estatais. Quando estas deixaram de funcionar, e os trabalhadores de receber, alguns aproveitaram o conhecimento e os materiais abandonados para fazer os sapatos em suas casas e vendê-los", explicou Park.
Da mesma forma que os sapatos, hoje a produção e distribuição da maioria dos produtos que circula no país está em poder da iniciativa privada porque, segundo o especialista, "o povo tomou as rédeas da economia" desde o desastre conhecido como "Árdua Marcha" (1994-98).
Esta crise, que causou entre 500 mil e dois milhões de mortes por fome, representou não só o colapso da distribuição estatal de roupas e alimentos, mas também de todos os setores industriais monopolizados pelo regime.
Desde então, a Coreia do Norte mostrou sinais de revitalização. Kim Jong-un , que assumiu o poder em 2011, construiu bairros inteiros com torres de apartamentos, muitas das fábricas passaram a funcionar de novo e há até engarrafamentos na hora do rush nas outrora vazias ruas de Pyongyang.
Andrei Lankov, professor da universidade Kookmin, em Seul, e um dos maiores especialistas internacionais na Coreia do Norte, atribui estes avanços à mão invisível do capitalismo em um recente artigo para o jornal britânico "The Guardian".
Lankov relatou a história do "Sr. X", um homem que, em troca de generosas doações a altos funcionários do regime, recebeu a autorização para administrar minas de carvão abandonadas durante a "Árdua Marcha".
Este empreendedor contrata, demite, paga salários, extrai minerais, os exporta para a China e obtém lucro, como aconteceria em qualquer país capitalista. A diferença? Que sua empresa não existe e, no papel, é o Estado quem explora as minas.
O exemplo mais visível da penetração do capitalismo na Coreia do Norte é, sem dúvida, a proliferação dos mercados negros - ou "jangmadang" -, que se transformaram na principal fonte de provisões em substituição ao fracassado sistema de distribuição estatal.
"Cada cidade e inclusive cada distrito tem sua própria zona de mercado negro onde as pessoas compram bens de primeira necessidade e produtos comerciais geralmente importados da China", explicou Kang Cheol-hwan, desertor norte-coreano e diretor do Instituto Estratégico sobre Coreia do Norte (NKSC) em Seul.
Além disso, devido à volatilidade da moeda local (o won), a compra e venda nos mercados negros é realizada cada vez mais em moeda estrangeira, principalmente o iuane chinês e o dólar, e em menor medida em euro e iene, segundo especialistas.
O capitalismo incipiente e encoberto no país mais fechado do mundo também chamou a atenção de investidores estrangeiros como o suíço Féliz Abt, autor do livro "Um capitalista na Coreia do Norte" (2014), no qual relata seus sete anos (2002-2009) investidos no país para promover a iniciativa privada.
"Espero na Coreia do Norte o mesmo processo que ocorreu na China e no Vietnã, ou seja, que o setor privado cresça substancialmente e coexista oficialmente com o estatal", afirmou à Efe o cofundador da primeira escola de negócios e a primeira câmara de Comércio Exterior norte-coreanas.
Abt é crítico das sanções internacionais a Pyongyang e partidário da cooperação econômica e comercial do mundo capitalista com o regime de Kim Jong-un, já que "mudaria as coisas para melhor, enquanto isolá-lo só serve para perpetuar o status quo e o sofrimento".
Por sua vez, Sokeel Park, da "Liberty in North Korea", prevê que "no futuro olharemos para trás e observaremos o capitalismo encoberto como o fator-chave que detonou as mudanças sociais e econômicas na Coreia do Norte e permitiu ao país ter contato com o resto da humanidade no século XXI". EFE
Seul - Empreendedores ocultos pelo Estado, onipresentes "mercados negros" e um imparável fluxo de dólares, euros, ienes e iuanes movem economicamente a Coreia do Norte de Kim Jong-un, um reduto stalinista onde o capitalismo já existe de forma discreta, mas irreversível.
"Um exemplo muito ilustrativo é o dos sapatos. Todo mundo precisa de sapatos, não é verdade?", disse à Agência Efe em Seul o diretor de estratégia e pesquisa da ONG Liberty in North Korea (LINK), Sokeel Park, para explicar a origem deste fenômeno.
"Antes do desabamento da economia socialista nos anos 90, os sapatos eram feitos nas fábricas estatais. Quando estas deixaram de funcionar, e os trabalhadores de receber, alguns aproveitaram o conhecimento e os materiais abandonados para fazer os sapatos em suas casas e vendê-los", explicou Park.
Da mesma forma que os sapatos, hoje a produção e distribuição da maioria dos produtos que circula no país está em poder da iniciativa privada porque, segundo o especialista, "o povo tomou as rédeas da economia" desde o desastre conhecido como "Árdua Marcha" (1994-98).
Esta crise, que causou entre 500 mil e dois milhões de mortes por fome, representou não só o colapso da distribuição estatal de roupas e alimentos, mas também de todos os setores industriais monopolizados pelo regime.
Desde então, a Coreia do Norte mostrou sinais de revitalização. Kim Jong-un , que assumiu o poder em 2011, construiu bairros inteiros com torres de apartamentos, muitas das fábricas passaram a funcionar de novo e há até engarrafamentos na hora do rush nas outrora vazias ruas de Pyongyang.
Andrei Lankov, professor da universidade Kookmin, em Seul, e um dos maiores especialistas internacionais na Coreia do Norte, atribui estes avanços à mão invisível do capitalismo em um recente artigo para o jornal britânico "The Guardian".
Lankov relatou a história do "Sr. X", um homem que, em troca de generosas doações a altos funcionários do regime, recebeu a autorização para administrar minas de carvão abandonadas durante a "Árdua Marcha".
Este empreendedor contrata, demite, paga salários, extrai minerais, os exporta para a China e obtém lucro, como aconteceria em qualquer país capitalista. A diferença? Que sua empresa não existe e, no papel, é o Estado quem explora as minas.
O exemplo mais visível da penetração do capitalismo na Coreia do Norte é, sem dúvida, a proliferação dos mercados negros - ou "jangmadang" -, que se transformaram na principal fonte de provisões em substituição ao fracassado sistema de distribuição estatal.
"Cada cidade e inclusive cada distrito tem sua própria zona de mercado negro onde as pessoas compram bens de primeira necessidade e produtos comerciais geralmente importados da China", explicou Kang Cheol-hwan, desertor norte-coreano e diretor do Instituto Estratégico sobre Coreia do Norte (NKSC) em Seul.
Além disso, devido à volatilidade da moeda local (o won), a compra e venda nos mercados negros é realizada cada vez mais em moeda estrangeira, principalmente o iuane chinês e o dólar, e em menor medida em euro e iene, segundo especialistas.
O capitalismo incipiente e encoberto no país mais fechado do mundo também chamou a atenção de investidores estrangeiros como o suíço Féliz Abt, autor do livro "Um capitalista na Coreia do Norte" (2014), no qual relata seus sete anos (2002-2009) investidos no país para promover a iniciativa privada.
"Espero na Coreia do Norte o mesmo processo que ocorreu na China e no Vietnã, ou seja, que o setor privado cresça substancialmente e coexista oficialmente com o estatal", afirmou à Efe o cofundador da primeira escola de negócios e a primeira câmara de Comércio Exterior norte-coreanas.
Abt é crítico das sanções internacionais a Pyongyang e partidário da cooperação econômica e comercial do mundo capitalista com o regime de Kim Jong-un, já que "mudaria as coisas para melhor, enquanto isolá-lo só serve para perpetuar o status quo e o sofrimento".
Por sua vez, Sokeel Park, da "Liberty in North Korea", prevê que "no futuro olharemos para trás e observaremos o capitalismo encoberto como o fator-chave que detonou as mudanças sociais e econômicas na Coreia do Norte e permitiu ao país ter contato com o resto da humanidade no século XXI". EFE