Economia

“Espero que a crise traga mais bom senso”, diz Lemann sobre o coronavírus

Para o empresário Jorge Paulo Lemann, crise também torna obrigatório desafio de reduzir a "desigualdade colossal" no país

Lemann e outros empresários participaram de uma conferência organizada pelo Fórum da Liberdade (Dania Maxwell/Bloomberg)

Lemann e outros empresários participaram de uma conferência organizada pelo Fórum da Liberdade (Dania Maxwell/Bloomberg)

AO

Agência O Globo

Publicado em 16 de abril de 2020 às 17h04.

Última atualização em 16 de abril de 2020 às 19h31.

O empresário Jorge Paulo Lemann, segundo brasileiro mais rico, afirmou nesta quinta-feira que sua trajetória prova que “toda crise é cheia de oportunidades” e que, “francamente, é disso que eu mais gosto”. Em debate virtual, o controlador de gigantes como AB InBev, Kraft Heinz e Burger King - conhecido por aquisições ousadas - disse que é em momentos como esse que "certas coisas que não estavam disponíveis passam a estar disponíveis.”

"O que eu gosto mais, francamente, é que toda crise é cheia de oportunidades. Todas as crises que eu passei foram duras, eu sofri, não sabia muito bem como iria chegar ao fim, mas alguma oportunidade apareceu", contou Lemann, em conferência organizada pelo Fórum da Liberdade, da qual também participaram os empresários Roberto Setubal (Itaú Unibanco), José Galló (Renner) e David Vélez (Nubank).

O sócio da 3G Capital citou a compra das Lojas Americanas, em 1981, em época de inflação elevada, “quando ninguém queria comprar ativos.”

"Foi um bom negócio e nos permitiu comprar a (cervejaria) Brahma num momento oportuno, de eleição com resultado incerto. Compramos a Brahma por um preço muito barato. E, em 2008, tivemos a oportunidade de comprar a Anheuser-Busch, afirmou Lemann, acrescentando: "As oportunidades que aproveitamos em momento de crise foram melhores do que as que aproveitamos em momentos normais e pagamos mais caro".

Mas Lemann observou que não se trata apenas de uma questão de preço, sugerindo que a crise faz com que muitos negócios se transformem em alvos potenciais de aquisição, deixando de lado as reticências de tempos normais.

"Estamos atrasados no digital, mas vamos chegar lá"

Lemann, que já se definiu como "dinossauro apavorado” e "dinossauro se mexendo”, voltou a admitir que seus principais negócios estão atrasados na estratégia digital.

"Estamos um pouco atrasados no mundo digital por causa do nosso tipo de negócio. Estamos correndo atrás em todas as nossas empresas. Começamos um pouco atrasados, mas vamos chegar lá", disse, afirmando que, na crise, o principal objetivo é "sobreviver e sobreviver bem."

Entre o que já foi feito nessa seara, ele citou o braço digital das Lojas Americanas, a B2W (Submarino, ShopTime e Americanas .com), e afirmou que o Burger King está observando a estratégia da Domino`s Pizza, “que é a mais digital no ramo da comida rápida”. Há dois anos, circularam rumores de que a rede de hambúrgueres avaliava adquirir a cadeia de pizzarias, mas o negócio não se concretizou.

"Na parte de cerveja, temos vários produtos digitais, estamos testando a entrega mais rápida para clientes e consumidores. O importante é toda a informação que você começa a gerar a partir disso", ressaltou.

Para os empresários que participaram da conversa, a digitalização será, de fato, um caminho incontornável nesta crise. Vélez, diretor executivo do Nubank, disse que a pandemia está provocando uma aceleração na adoção de bancos digitais como o seu, elevando a penetração em grupos da população como o de idosos. O Nubank é um dos bancos pelos quais os beneficiários do auxílio emergencial de R$ 600 poderão receber o dinheiro.

No Itaú, crise vai acelerar fechamento de agências

Setubal, co-presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, previu que a adoção de alternativas digitais pelos correntistas vai acelerar o fechamento de agências bancárias.

"Essa crise significará, no futuro, menos agências. São os clientes que vão definir o número de agências que teremos. Hoje, certamente muitos clientes vão a agências. Mas o pessoal mais jovem definitivamente não gosta. Temos cortado cerca de 400 agências por ano, e essa tendência deve se acelerar nesse momento", observou.

Ele previu também que o fenômeno do home office tende a ser adotado permanentemente pelas empresas no pós-crise, inclusive pelo Itaú.

"Pelo menos 30% das pessoas poderão trabalhar em casa, tranquilamente. Tudo mais flexível, sem regras, o banco vai funcionar. Isso vai exigir menos espaço comercial. As pessoas vão deixar de ter o seu lugar fixo nas instalações da empresa", acrescentou, ponderando que essa mudança exigirá uma flexibilização na legislação trabalhista.

Setubal: Nova década perdida

Na macroeconomia, Setubal defendeu a continuidade das reformas econômicas. Ele ressaltou que a pandemia fará com que esta seja mais uma década perdida para o Brasil, lembrando que o país cresceu menos que a média do mundo nas últimas três décadas

"Nessa última década, que termina agora em 2020, o PIB do Brasil cresceu zero. Com o impacto da pandemia, aliás, vamos estar levemente negativos em termos de PIB nesse período. Na década de 80, a década perdida, o PIB per capita não cresceu. Agora, será o PIB que não vai crescer, o que significa uma queda do PIB per capita da ordem de 15%. O que é duríssimo", calculou. "Temos realmente que mudar, precisamos de reformas profundas. Precisaríamos estar crescendo mais rápido. Temos um estado extremamente ineficiente, uma desigualdade enorme".

Lemann também acha que a a crise traz a obrigação “de trabalharmos para diminuir essa desigualdade colossal que nós temos”.

"Não acho que nossa perfomance nas últimas décadas foi exemplar. Talvez essa crise seja a oportunidade de trabalharmos mais juntos, com mais solidariedade. Nos últimos anos, um dos problemas foi a polarização, de ricos e pobres, de esquerda e direita. Eu esperaria que essa crise trouxesse mais bom senso, mais pragmatismo", disse o bilionário.

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