Economia

O enigma dos juros

A redução de 2,5 pontos da taxa Selic injetou um novo ânimo na economia. Mas permanece a questão: por que o dinheiro é mais caro no Brasil do que no resto do mundo?

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h54.

Se tudo der muito certo, o país poderá chegar ao final deste ano com a taxa básica de juro, fixada pelo Banco Central, em torno de 15% ao ano. É a expectativa mais otimista que se encontra na praça hoje. Também no final do ano é bem possível que a projeção de inflação para 2004, medida pelo IPCA, esteja nos 5,5%, que são o centro da meta do BC. Nesse cenário de quase sonho, a taxa de juro real, descontada a inflação, será de 9% ao ano, bem menor do que a vigente hoje, mas muito superior à praticada em países emergentes que concorrem com o Brasil. Nesses, a taxa real fica abaixo dos 5% mesmo em momentos difíceis.

Claro, portanto, que só por esse aspecto o Brasil já sai perdendo quando se avaliam as condições de crescimento sustentado. Vem daí a justa gritaria: é preciso derrubar os juros reais brasileiros. Trata-se de demanda permanente e unânime: à esquerda e à direita, entre economistas das diversas tendências e lideranças de todos os partidos, no governo e na oposição, todos repetem que os juros precisam cair. Mesmo no Banco Central, sempre acusado de excessivamente conservador, a conversa é a mesma: os juros estão altos e devem cair para que o país volte a crescer.

Por que não caem?

Aqui cessa a unanimidade. E começam os desentendimentos, alguma confusão e certa perplexidade. Alguns, como o vice-presidente José Alencar, acreditam que os juros não caem porque o assunto está nas mãos de técnicos ignorantes e insensíveis. Bastaria passar o controle para os políticos -- no caso, para o presidente Lula -- que tudo se resolveria. Mas, por esse raciocínio, o verdadeiro ignorante e insensível seria o próprio Lula, pois é ele quem, em última instância, deixa a taxa de juro sob comando do BC. A atual autonomia do BC não está na lei, é outorgada pelo presidente, que pode retirá-la. Se os atuais diretores não concordassem, o presidente poderia demitir todos. E não seria difícil encontrar quem assumisse o BC e determinasse uma taxa de juro bem baixinha.

O resultado disso, por paradoxal que pareça, seria uma elevação dos juros no mercado financeiro. Os investidores entenderiam essa manobra como a desistência do governo em relação às metas e, pois, ao controle da inflação e passariam a exigir juros maiores para adquirir os títulos públicos. Os juros reais até cairiam, mas por causa da inflação mais elevada. Essa é a desgraça brasileira: os juros reais só se aproximam dos níveis internacionais quando a inflação fica muito acima dos mesmos níveis internacionais.

Quando o governo Lula assumiu, a taxa de juro nominal fixada pelo BC (a taxa Selic) era de 25% ao ano. O país passava então por um surto inflacionário. As projeções do IPCA para os 12 meses seguintes chegaram a 13,5%, de modo que, naquele momento, os juros reais eram pouco superiores a 10%. Hoje, a mesma taxa Selic é de 22%, mas o surto inflacionário foi debelado, e a projeção do IPCA para os próximos 12 meses é de 6,3%. Nessa conta, temos juros reais altíssimos, de 14,7%. Ou seja, a taxa nominal caiu, todo mundo bateu palmas, mas a taxa real subiu -- e subiu porque a inflação despencou.

Ora, não adianta nada ficar nessa perversa alternativa juros/inflação. O país não cresce ou porque os juros são muito altos, ou porque a inflação dispara e desorganiza a economia. Nem é uma fatalidade, pois os países concorrentes fazem juros civilizados com inflação no chão. Segundo observou recentemente o economista Pérsio Arida, ex-presidente do BC, em discurso de aceitação do prêmio Economista do Ano, concedido pela Ordem dos Economistas de São Paulo, os juros reais no Brasil, considerando a "taxa natural" ou "estrutural", têm ficado entre 8% e 10%, enquanto nos países, digamos, normais, vai de 1% a 3%. (Taxa natural ou estrutural é, na formulação exata dos economistas, a taxa real de juros de equilíbrio, isto é, a que estabiliza a inflação.)

De modo que a questão correta é outra: por que o nível de juros reais no Brasil, com inflação controlada, superávit primário nas contas públicas e bom ambiente macroeconômico, é pelo menos o dobro do que se verifica nos demais países? Ainda não sabemos, tal é a resposta de Pérsio Arida, formulador de inéditas teorias sobre a inflação brasileira, especialmente a descoberta da importância crucial da indexação legal dos contratos. Para ele, essa é a tarefa que se coloca diante dos economistas brasileiros: descobrir as causas estruturais da elevada taxa de juro e, mais do que isso, os instrumentos para derrubá-la.

Ao começar o trabalho, Arida relacionou uma longa lista de possíveis culpados, a saber: o predomínio de formas compulsórias de poupança em vez de formas voluntárias; um mal-estar em relação à estabilidade do padrão monetário e ao cumprimento de regras e obrigações contratuais; a arbitragem com taxas externas de juro num regime de conversibilidade restrita e discricionária; as distorções no mercado de trabalho; uma história de taxas de juro extremamente altas; uma miríade de distorções microeconômicas que elevam a taxa de preferência intertemporal e reduzem a produtividade dos investimentos.

Não são temas estranhos ao debate econômico. O Ministério da Fazenda, por exemplo, defende uma agenda microeconômica de reformas, acreditando que isso levará a uma queda dos juros estruturais. Outros dois economistas, José Márcio Camargo e Edward Amadeo, ambos da PUC-Rio, escreveram sobre o tema em boletins recentes da consultoria Tendências. Ambos concordam com Arida que há algum problema estrutural nessa história dos juros, de modo que a política monetária do BC, mesmo correta, sofre de uma grave limitação.

Para Amadeo, o problema maior está no déficit das contas públicas, isto é, na despoupança do setor público. Por isso, considera que a reforma mais importante seria desvincular as receitas do governo, dando liberdade de aplicação para até mais de 50% do arrecadado. Em seguida, se estabeleceria em lei que o governo não poderia elevar as despesas correntes, de modo que toda a economia obtida fosse destinada a investimentos e/ou à elevação do superávit primário. Feito isso, ele aposta que os juros reais cairiam de forma sustentada.

Camargo examina outra hipótese. Para ele, a taxa de juro real é alta no Brasil, entre outros fatores estruturais, por causa do "elevado prêmio de risco decorrente das freqüentes intervenções nos contratos financeiros no passado recente". Em especial, o economista destaca certa ideologia presente no Judiciário brasileiro -- a convicção de que o juiz deve decidir de olho na justiça social, mesmo que para isso seja necessário ignorar a letra dos contratos. A pretexto de defender os mais fracos, o Judiciário cria, na verdade, uma insegurança jurídica, cujo resultado final carrega mais alguns pontos para a taxa de juro.

Esses são o problema e algumas hipóteses. Mas o que falta, como nota Arida, é uma teoria abrangente, com a conseqüente alternativa concreta de política econômica. É difícil, mas também era difícil abater a hiper e crônica inflação brasileira. E descobriram a URV e a Reforma Monetária como formas de superar a indexação legal dos contratos, que perenizava a inflação.

Qual seria a URV da taxa estrutural de juro? Economistas, imaginação criadora!

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