Economia

Megacidades, e não países, viram novos núcleos da economia

As megacidades globais forjaram um circuito conduzido por capital, talento e serviços - e é nele que a economia está acontecendo, diz artigo de Parag Khanna

São Paulo: a economia acontece nas metrópoles (filipefrazao/Thinkstock)

São Paulo: a economia acontece nas metrópoles (filipefrazao/Thinkstock)

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Da Redação

Publicado em 15 de maio de 2016 às 09h00.

Última atualização em 23 de janeiro de 2017 às 16h41.

Artigo do indiano Parag Khanna, autor de uma trilogia de livros sobre a nova ordem global e pesquisador sênior do Centro de Ásia e Globalização na Escola Lee Kuan Yew de Política Pública da Universidade Nacional de Singapura, traduzido com permissão

As cidades são o modo de organização social mais estável e duradouro da humanidade e sobreviveram aos impérios e nações que os presidiram. Atualmente, elas se tornaram os núcleos demográficos e econômicos dominantes.

Como o sociólogo Christopher Chase-Dunn apontou, não é a população ou o tamanho do território que garante o status de cidade global, mas seu peso econômico, sua proximidade de zonas de crescimento, estabilidade política e atratividade para o capital estrangeiro.

Em outras palavras, conectividade importa mais do que tamanho. As cidades portanto merecem um tratamento mais nuançado em nossos mapas do que simplesmente como pontos pretos homogêneos.

Esse mapa do meu novo livro, Connectography, mostra a distribuição da população mundial inteira, com as partes amarelas representando as áreas mais densas.

Não surpreende que seja nestas zonas que você acha os pontilhados ovais que representam as megacidades em expansão, cada uma representando uma alta porcentagem do PIB nacional (indicado pelos círculos maiores), além do seu papel como centro global.

Dentro de vários mercados emergentes como Brasil, Turquia, Rússia e Indonésia, o principal centro comercial e financeiro responde por pelo menos um terço ou mais do PIB nacional.

No Reino Unido, Londres responde por quase metade do PIB britânico. Nos Estados Unidos, o corredor Boston-Nova York-Washington e a grande Los Angeles, combinados, tem cerca de um terço do PIB do país.

Até 2025, haverá pelo menos 40 megacidades assim. A população da Grande Cidade do México é maior do que a da Austrália, assim como a de Chongqing, uma série de enclaves urbanos conectados na China que se expandem por uma área do tamanho da Áustria.

Cidades que já foram separadas por centenas de quilômetros hoje estão efetivamente fundidas em enormes arquipélagos urbanos, o maior dos quais é o Cinto de Taiheiyo no Japão, que reúne dois terços da população japonesa na megalópole Tokyo-Nagoya-Osaka.

O delta do Rio das Pérolas na China, a Grande São Paulo e Mumbai-Pune também estão ficando mais integrados através da infraestrutura.

Já surgiram pelo menos uma dúzia de corredores de megacidades do tipo. A China está no processo de se reorganizar em torno de duas dúzias de agrupamentos com até 100 milhões de habitantes cada.

No entanto, espera-se que até 2030 a segunda maior cidade do mundo depois de Tóquio não será chinesa e sim Manila, nas Filipinas.

Os aglomerados de múltiplas cidades que emergem nos EUA são tão importantes quanto qualquer um desses, ainda que suas populações sejam menores. Três em particular se destacam.

Primeiro, o corredor da Costa Leste de Boston através de Nova York até Washington DC contém o cérebro acadêmico da América, seu centro financeiro e sua capital política (a única coisa que falta é a rede ferroviária de alta velocidade para sevir como espinha regional).

De São Francisco a San Jose, o Vale do Silício se tornou uma faixa contínua de edifícios baixos entre a I-280 e a US-101 que abrigam mais de 6 mil empresas de tecnologia que por sua vez geram mais de US$ 200 bilhões em PIB (com uma rede ferroviária de alta velocidade San Francisco–Los Angeles–San Diego, a Costa Pacífico da California se tornaria de fato o equivalente do Oeste ao corredor noroeste. A Tesla de Elon Musk propôs um sistema de túnel "Hyperloop" de ultra-alta-velocidade para esta rota).

Finalmente, o metroplex [metrópole contínua com mais de um pólo de igual importância] Dallas–Fort Worth, o maior aglomerado urbano do Sul americano, abriga gigantes da indústria como a Exxon, AT&T e American Airlines em uma economia maior que a da África do Sul e está pronto para ganhar um trem de alta velocidade para a capital do petróleo, Houston, segundo planos divulgados em 2014 pelos desenvolvedores privados Texas Central.

Cidades importantes e conectadas, argumenta Saskia Sassen, pertencem tanto a redes globais quanto aos países da sua geografia política.

Hoje as 20 cidades mais ricas do mundo forjaram um super-circuito conduzido por capital, talento e serviços: elas abrigam mais de 75% das maiores companhias, que por sua vez investem em expandir nestas mesmas cidades e adicionar outras para aumentar sua rede entre cidades.

Na verdade, as cidades globais forjaram uma liga própria, que de muitas maneiras é tão desnacionalizada quanto os times de corrida da Fórmula 01, atraindo talentos ao redor do mundo e acumulando capital para gastar em si mesmas enquanto competem no mesmo circuito.

A ascendência das megacidades dos mercados emergentes como imãs para o talento e a riqueza regionais tem sido o maior contribuidor para mudar o ponto focal de atividade econômica mundial.

Pesquisas do Instituto Global da McKinsey sugerem que de agora até 2025, um terço do crescimento mundial virá de capitais ocidentais chave e de megacidades nos mercados emergentes, um terço virá de cidades de peso médio e grande população também nos emergentes e um terço vira de cidades pequenas e áreas rurais de países em desenvolvimento.

Há muito mais cidades funcionais no mundo hoje do que estados viáveis. Na verdade, as cidades são frequentemente ilhas de governança e ordem em estados bem mais fracos, de onde elas extraem a renda que conseguirem mantendo ao mesmo tempo sua indiferença a eles.

É assim que Lagos vê a Nigéria, que Karachi vê o Paquistão e que Mumbai vê a Índia: quanto menos interferência da capital, melhor.

Claro que é muito difícil, senão impossível, desembaraçar precisamente as interdependências entre cidade e estado – territorial, demográfica, econômica, ecológica e socialmente. O ponto não é esse.

Ao redor do mundo, líderes municipais e seus negócios centrais estabelecem Zonas Econômicas Especiais e recrutam diretamente investidores para sua órbita de forma a garantir que seus trabalhadores sejam contratados e os benefícios cheguem local ao invés de nacionalmente. Essa é toda a soberania que querem.

Para este fim, novos distritos inteiros (às vezes chamados de aerotropolis em inglês) floresceram ao redor de aeroportos para evitar o congesstionamento urbano e conectar de forma mais eficiente os mercados globais e as cadeias de abastecimento.

Do O’Hare em Chicago ao Dulles em Washington e o Aeroporto Incheon de Seul, locais como esses tornaram-se as geografias econômicas que mais crescem, pontuando o valor intrínseco da conectividade.

Para empresas que movem suas sedes para uma aerotropolis, o aeroporto é o portão para os mercados globais enquanto a cidade próxima, não importa o quão grande seja, é apenas mais um destino de vendas.

Recriar o mapa múndi de acordo com três dúzias de megacidades, portanto, nos diz muito mais sobre onde as pessoas e o dinheiro estão do que mapas convencionais com 200 países separados.

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