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João Pedro Caleiro
Publicado em 22 de janeiro de 2015 às 10h44.
São Paulo - "A Europa está no caminho para se tornar um novo Japão a não ser que haja uma mudança substancial".
O diagnóstico matador foi dado ontem na Bloomberg TV por Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano, às vésperas do anúncio de um novo programa do Banco Central Europeu (BCE).
Com oposição da Alemanha e apoio de países como Itália, o BCE deve comprar títulos soberanos da divida totalizando algum valor entre 500 bilhões e 1 trilhão de euros. A expectativa puxou a moeda europeia para seu nível mais baixo em 11 anos.
O programa é uma reação ao alerta da "japanização" da Europa: há mais de dois anos, analistas falam sobre o risco de que a zona do euro caia em uma armadilha deflacionária com perda de competitividade, crescimento estagnado, instituições financeiras em frangalhos e previsões otimistas que nunca se confirmam - algo parecido com o que ocorreu no país asiático no começo dos anos 90 após o estouro da bolha.
O sinal ficou vermelho na Europa quando as estatísticas confirmaram que os preços na zona do euro estão mesmo caindo. Há quem diga que os rios de dinheiro despejados na economia pelo BCE vão apenas fluir para portos seguros e inflar alguns ativos - e não muito além disso.
Summers apóia a decisão do BCE, no grau que ela vier - "maior é melhor que menor e mais longo é melhor que mais curto". Em outras palavras: a injeção maciça é necessária, mas talvez insuficiente.
"Derrotar a deflação exige políticas de choque e temor. E o BCE é, por temperamento e constituição, incapaz disso. Políticas incrementais não são suficientes", diz Barry Eichengreen, da Universidade de Berkeley, em email para EXAME.com.
Ele acredita que a Europa "já está no meio do caminho para se tornar um novo Japão", já que praticamente não cresce há 7 anos e a "década perdida" do Japão durou 15.
E não é só por causa da deflação: os perfis demográficos também são muito parecidos, e uma população envelhecida (ou até em queda, como na Alemanha) consome menos e coloca pressão sobre o sistema de pensão.
A situação é até mais difícil do que a japonesa em alguns aspectos. Em uma nota recente, o economista Nouriel Roubini afirma que "algumas pessoas dizem que a Europa vai se "japanizar", mas a verdade é que os riscos lá são ainda piores. Apesar do Japão ter estagnado, ele nunca sofreu o tipo de crise da dívida que afetou a zona do euro".
E a dívida do Japão não é pequena: em termos per capita, é a maior do mundo. Uma crise do tipo não ocorre porque o Japão pode agir de forma decisiva, sem o constrangimento das situações políticas e dos diferentes cenários econômicos em dezenas de países diferentes.
"Não há uma política monetária de tamanho único que se encaixe com todos os países da zona do euro e salve o dia", diz Roubini.
Outra vantagem do Japão é que mesmo com a economia parada, sua taxa de desemprego nunca passou dos 6%, quatro vezes menos do que em alguns países da Europa.
Há alguns fenômenos negativos por trás dessa tendência - como a queda da participação da força de trabalho e a baixa inclusão feminina - mas é também uma das explicações pelas quais a situação social japonesa nunca chegou ao nível de tensão experimentado hoje pela Europa.