Nos EUA, Bolsonaro busca aliança com Trump, conservadores e empresários
Apesar do alinhamento ideológico dos presidentes, Donald Trump já criticou a forma com que as empresas americanas são tratadas no Brasil
Estadão Conteúdo
Publicado em 17 de março de 2019 às 10h00.
Última atualização em 17 de março de 2019 às 12h30.
Washington - O presidente Jair Bolsonaro chega neste domingo, 17, a Washington para a primeira visita oficial de seu governo. O objetivo do Palácio do Planalto é selar a aproximação com os Estados Unidos, iniciada antes mesmo da posse do brasileiro, especialmente com o presidente Donald Trump , com líderes conservadores e com empresários americanos.
Na reunião com Trump, de quem o brasileiro é entusiasta, Brasil e EUA pretendem sacramentar um alinhamento de valores e de políticas entre o americano e Bolsonaro - chamado de "Trump Tropical" pela imprensa internacional.
Apesar da proximidade ideológica e dos elogios trocados pelo Twitter, especialmente na posse do brasileiro, em janeiro, o alinhamento pode não ser automático. Em outubro, o presidente dos EUA criticou a forma com que as empresas americanas são tratadas no Brasil. "É uma beleza, eles cobram de nós o que querem. Se você perguntar a algumas das empresas, elas dizem que o Brasil está entre os países mais difíceis do mundo (para fazer negócios)", disse Trump.
Após o agravamento da crise na Venezuela, porém, os EUA encontraram no Brasil um aliado e a Casa Branca conta com o apoio brasileiro para endurecer contra o regime de Nicolás Maduro.
Os Estados Unidos reconhecem que o momento é propício a uma aproximação com Brasil, em razão de afinidades ideológicas sobre a Venezuela, à perspectiva liberal no campo econômico e ao entusiasmo de parte do governo Bolsonaro com Trump. A expectativa dos americanos é de que o Brasil continue do mesmo lado dos EUA na pressão a Maduro e, no longo prazo, ajude a diminuir a influência da China na região.
Os dois temas esbarram, no entanto, em diferentes alas do governo. Os militares já sinalizaram que há um limite no discurso sobre a Venezuela, quando o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que o Brasil não apoia qualquer ação militar, enquanto os americanos enfatizam que "todas as opções estão sobre a mesa".
Os assessores de Trump também sabem que, a despeito da retórica crítica à China adotada por Bolsonaro na campanha eleitoral, o país é o principal parceiro comercial do Brasil e o time econômico tenta achar o equilíbrio em meio à guerra comercial dos americanos com os chineses.
Os governos brasileiro e americano querem mostrar com o encontro, contudo, que há uma convergência inédita não só entre Trump e Bolsonaro, mas entre os dois países.
Na visita aos EUA, o governo brasileiro tentará também alavancar a relação de Bolsonaro com o movimento conservador dos EUA e o diálogo com empresários e investidores, capitaneado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Caberá a Guedes comandar as conversas com empresários, na segunda-feira, 18, e fazer uma exposição sobre o futuro da economia brasileira na Câmara de Comércio Brasil-EUA. No mesmo dia, Bolsonaro terá um jantar a portas fechadas com executivos de grandes empresas.
Na terça-feira, Bolsonaro e a comitiva brasileira serão recebidos na Casa Branca. O presidente brasileiro terá um encontro privado com Trump no Salão Oval e os dois farão uma declaração conjunta à imprensa no Rose Garden.
O comunicado deve mencionar a crise na Venezuela e como Brasil e EUA pretendem atuar unidos pela democracia na América Latina, fazendo uma crítica especial ao "socialismo" de Maduro.
Trump e Bolsonaro também anunciarão medidas concretas, como o acordo de salvaguardas tecnológicas, que permite o uso comercial da base de Alcântara, no Maranhão, e falarão das perspectivas de futuro da relação bilateral. Neste último eixo se concentra o compromisso de caminhar rumo a um eventual tratado de livre-comércio.
A negociação, no entanto, é considerada difícil em razão de as duas economias serem concorrentes e por esbarrar no Mercosul. Por isso, o governo brasileiro aposta que o caminho é focar em acordos setoriais de facilitação de comércio e convergência regulatória. Mesmo assim, parte da agenda prevista pelo Brasil acabou frustrada. É o caso de um acordo que tenta facilitar o cadastro de exportadores e importadores de larga escala, que ainda precisa de mais tempo para sair do papel.
A boa vontade entre os países também não destravou a pauta agropecuária: o governo americano tenta aumentar suas exportações de etanol e carne de porco, que também são produzidos no País, além do trigo. Do outro lado, o Brasil quer reabrir o mercado americano para a carne crua brasileira. O governo brasileiro já indicou aos americanos que não haverá indicação imediata sobre o etanol, mas poderia acenar com redução de barreiras no caso do trigo se obtiver uma contrapartida dos americanos.
O Brasil também não deve contar com o apoio formal dos EUA para sua candidatura a membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A adesão vem sendo articulada e defendida por Paulo Guedes como um selo de confiança internacional no Brasil.
Em contrapartida, como prêmio de consolação, os EUA designarão o Brasil como um aliado preferencial fora da Otan. O novo status facilitaria a transferência de tecnologia no momento em que a indústria aeroespacial brasileira tenta montar uma nova relação com os americanos, após a associação entre a Embraer e a Boeing. Em termos de prestígio, no entanto, a condição de aliado preferencial fora da Otan não acrescenta muito, já que mais de uma dúzia de países já ganharam o mesmo status, incluindo Argentina, Egito, Tailândia, Jordânia e Tunísia.
Durante a passagem de Bolsonaro pelos EUA, serão assinados ainda memorandos em áreas como biodiversidade e inteligência no combate ao crime organizado - por isso, integram a comitiva os ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Sérgio Moro, da Justiça.
Peter Hakim, presidente do centro de estudos Inter-American Dialogue, em Washington, aponta que há duas questões relevantes para os EUA no encontro. A primeira é a situação na Venezuela. A segunda, a diminuição da influência da China na região. "O que os EUA querem é ter o Brasil a seu lado, como aliado", afirma. "Brasil e EUA têm sido bons amigos, não costumam ter animosidades. Mas não são bons parceiros. E países não têm amigos, eles têm interesses", afirma Hakim. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.