Economia

No mundo da destruição criativa

Por que é um erro comparar o último leilão de concessões rodoviárias com o modelo anterior

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h42.

Na década de 1940, o economista Joseph Schumpeter apresentou o conceito de destruição criativa, que se caracteriza pela substituição do velho pelo novo por meio de processos inovadores. Apesar de a teoria estar voltada para o mundo empresarial, ela definitivamente se aplica à dimensão pública. Apresentar à sociedade novos modelos, mesmo que confrontando com modelos anteriores e aparentemente já consolidados, é considerado um risco político, pois a inovação leva a novas interpretações, nem sempre aceitas de forma unânime pela sociedade. Daí, destruir de forma criativa não faz parte dos paradigmas de tomadas de decisão no poder público.

No entanto, quando algum evento dessa natureza acontece, e a destruição criativa se mostra em toda a sua plenitude, questiona-se por que isso não foi feito antes. Não foi feito devido ao receio de contrariar posições ideológicas, ao medo da perda do apoio da base, às necessidades de se seguir a cartilha do partido, entre vários outros motivos. Mas, mesmo que eventuais, as ações estão em nossa volta para nos mostrar que arriscar na inovação é possível. Esse fato ocorreu no segundo leilão de concessões rodoviárias no Brasil. Sete lotes foram colocados à disposição de consórcios privados, e cinco foram arrematados por um só consórcio.

No momento que foram divulgados os vencedores, inúmeros questionamentos aconteceram, do tipo: Por que tal consórcio que já opera no Brasil não concorreu em todos os lotes? Por que os valores de pedágios foram tão díspares entre os concorrentes? Por que os vencedores apresentaram um valor de pedágio bem abaixo em relação aos pedágios do primeiro lote? Será que um consórcio sozinho conseguirá investir o que é devido em cinco lotes? Enfim, várias perguntas, mas todas comparando o modelo atual com o modelo anterior. Esse tem sido o grande erro! Simplesmente porque a comparação é o primeiro passo para o aumento dos vácuos de compreensão. E quando existe vácuo, por vezes, a incoerência e a impropriedade analítica o ocupa. O modelo atual não pode ser comparado com o anterior. E vamos às razões.

Quando o primeiro lote de concessões ocorreu, na década de 1990, o Brasil vivia necessidades diferentes em relação ao seu equilíbrio de contas públicas, os riscos eram enormes dadas as crises de países emergentes como o México, Rússia e Coréia do Sul, os modelos de privatização estavam sendo testados, enfim, as condições eram outras. Hoje em dia, vivemos um ciclo econômico de crescimento, o Brasil tem seu superávit primário em equilíbrio, investimentos externos mais planejados, uma demanda consolidada, entre outras condições favoráveis.

Ao compararmos as duas situações, estaremos correndo o risco de erros crassos. Em primeiro lugar, existe a questão do valor da outorga. No primeiro lote de concessões, havia uma necessidade de desembolso imediato, inclusive para contribuir com o caixa do governo. No segundo lote, tal desembolso não ocorreu. Em segundo lugar, a gestão do risco na arquitetura financeira do retorno do investimento era diferente na década de 1990 para a atual. E, finalmente, as apostas no crescimento sustentado de longo prazo com reflexos no aumento do volume de tráfego eram menores.

Logo, análises comparativas não são apropriadas. O mais pertinente é a investigação do movimento de destruição criativa. O governo atual simplesmente optou por um modelo mais inovador. E esse modelo apresenta-se, em tese, ou na prática, se considerado somente o valor do pedágio, melhor do que o anterior, justamente porque parâmetros consolidados foram destruídos com criatividade. O valor da outorga era visto como condição sine qua non para se fazer concessões rodoviárias. Agora não é mais. O risco era totalmente inserido no valor do pedágio. Agora não e mais, pois a aposta no crescimento do valor minimiza o risco. As concessões eram fruto de estratégias neoliberais. Agora não, pois foram realizadas em cenário político diferente.

Em resumo, as ações de destruição criativa nas recentes concessões rodoviárias mostram que é possível realizar a gestão pública com inovação, desde que afastada dos casulos ideológicos, onde o papel do poder público se consolida como de regulamentação, orientação, planejamento e fiscalização, deixando as operações para empresas privadas que têm vigor financeiro para investir permanentemente; pois daí virão seus lucros. Espera-se, agora, uma aceleração nos processos de concessões rodoviárias no Brasil, já que o medo de destruir com criatividade já passou e nos resta aumentar o poder de destruição criativa da sociedade brasileira.

* Paulo Resende é coordenador do núcleo de logística da Fundação Dom Cabral (FDC).

 

 

 

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