"Não querem privatizar para manter toma lá, dá cá", critica Salim
De saída do governo depois de um ano e meio à frente do programa de vendas das estatais, secretário diz que o establishment não quer as privatizações
Estadão Conteúdo
Publicado em 13 de agosto de 2020 às 10h00.
Última atualização em 13 de agosto de 2020 às 10h04.
De saída do governo depois de um ano e meio à frente do programa de vendas das estatais, o empresário Salim Mattar diz que o establishment não quer as privatizações para não acabar com o "toma lá, dá cá" e o "rio da corrupção".
Em entrevista ao Estadão, o secretário demissionário de Desestatização e Privatização diz que continua apoiando Jair Bolsonaro, mas deixa claro o descontentamento com as resistências nas privatizações, principalmente da Casa da Moeda e dos Correios. Na visão dele, os "liberais puro-sangue" do governo cabem num "micro-ônibus". "O que mais vi na Esplanada é que o Estado deseja se proteger contra o cidadão. Não há interesse do Estado servir ao cidadão. Temos um Leviatã bem maduro aqui no Brasil", diz. Ele afirma que seu tempo no setor público é página virada. Agora, vai trabalhar em projetos dos institutos liberais que financia.
Segundo o ministro Paulo Guedes, o sr. falou que o establishment não deixa privatizar. O sr. Cansou?
Por mim, eu venderia todas as empresas, sem exceções. O governo tem de cuidar da qualidade de vida do cidadão, da saúde, educação, segurança. Temos 470 mil funcionários nas estatais. Isso tira energia, enquanto deveria estar cuidando do social. Essas estatais acabam servido para toma lá, dá cá e corrupção. Existe uma resistência do establishment em vender as empresas.
O governo de Jair Bolsonaro não vendeu até agora nenhuma estatal. A pauta não fica enfraquecida?
Essa pauta não é apenas minha. Essa pauta é do Guedes e vai continuar existindo. Vendemos 84 empresas, como subsidiárias e desinvestimento, mas nenhuma estatal. Não diminuiu o feito.
O que levou o sr. a ir até o presidente da República para pedir demissão?
Eu não pedi demissão ao presidente Bolsonaro. Se verificar a pauta do presidente, vai ver que ele me recebeu este ano 12 vezes. Ele sempre me apoiou.
O sr. não pediu demissão diretamente ao presidente?
Não pedi lá, não. Eu pedi ao Guedes. Umas quatro horas depois (do encontro com o presidente). Não é de supetão: 'eu vou sair do governo agora'. Há uma amadurecimento de uma ideia. Na verdade, eu e o Uebel (Paulo Uebel, secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, que pediu demissão no mesmo dia que Salim) entramos juntos no governo. Apesar do convite do Guedes, foi o Uebel que me deu a motivação de vir para o governo. Fizemos um pacto naquela época: entrarmos juntos e sairmos juntos.
A Casa da Moeda foi uma frustração? Qual a empresa que o sr. gostaria de ter vendido e não conseguiu?
A Casa da Moeda, para mim, foi um aprendizado. Estamos num regime democrático. As pessoas que foram eleitas disseram não. Cabe a mim, aceitar. Foi uma lição. Temos de reconhecer que quem foi eleito pelo voto, tem poder. Eu era um servidor com DAS (Direção e Assessoramento Superior, cargos que podem ser ocupados por qualquer servidor ou pessoa externa ao serviço público), cargo comissionado, que a qualquer momento poderia ser demitido. Deputado, não. O Congresso não quis a privatização da Casa da Moeda. Eu entendi, esse é pensamento médio do Congresso. Ok. Não é o Rodrigo Maia (presidente da Câmara), porque ele é favorável às privatizações, à redução de Estado.
Qual empresa o sr. queria ter vendido primeiro?
Os Correios. É uma empresa grande deficitária, que tem prestação de serviço muito ruim. Os Correios seria a primeira empresa que eu privatizaria. Tivemos muita resistência desde o início do próprio ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia). Ele teve muita resistência. E colocaram no PPI (Programa de Parceria de Investimentos). No PPI, é para estudar. No PND, é para poder vender. Então, atrasou. Vai demorar 28 meses para ser vendido. Caso seja vendido. Não tenho certeza. Uma empresa como essa na iniciativa privada estaria vendida em 60, 90 dias.
Por que o sr. e o Uebel fizeram um pacto de sair juntos?
Nós já estávamos conversando. Não pretenderíamos ficar tanto tempo no governo. Ok, podíamos ficar, mas dependendo da velocidade com que as coisas acontecessem. As coisas são difíceis. O establishment não quer a transformação do Estado. Não deseja a reforma administrativa. O establishment não deseja privatização. Se tiver privatização, acaba o toma lá, dá cá. Acaba o rio de corrupção. O establishment deseja segurança que as coisas vão continuar do jeito que estão. O establishment é o Judiciário, o Executivo, o Congresso, são os servidores públicos os funcionários das estatais. Não querem mudanças. Elas vão acontecendo vagarosamente. Olha a Eletrobras!
A saída do sr. e do Uebel tem alguma relação com o documento do Instituto Millenium e a campanha "Destrava", para pressionar pela reforma administrativa?
É uma coisa mais do Uebel. Ele deixou claro que ele estava chateado de a reforma administrativa ter sido engavetada e não ter saído este ano. E o próprio ministro disse isso. Não foi um motivo.
Os críticos dizem que a agenda liberal foi confundida no governo. Muitos no governo se dizem liberais e não são. Não prejudicou o espírito liberal?
Os liberais puro-sangue cabem em um micro-ônibus. Agora, tem muita gente que é liberal e não sabe. Descobri isso no governo. Mas tem também muitas pessoas que se passam por liberais para poderem se aproximar, ficar perto do governo. Não são liberais. O discurso é diferente da prática. O que mais vi na Esplanada é que o Estado deseja se proteger contra o cidadão. Não há interesse do Estado em servir ao cidadão. Raramente vemos coisas que são a favor do cidadão. Isso me deixou muito preocupado. Temos um Leviatã (metáfora do Estado como soberano absoluto e com poder sobre seus súditos que assim o autorizam através do pacto social) bem maduro aqui no Brasil.