Carteira de trabalho: MP 881/19 propõe, entre outras coisas, mais de 30 mudanças às leis trabalhistas (Ilustração de Paulo Garcia sobre foto de Raul Junior/EXAME.com/Site Exame)
Ligia Tuon
Publicado em 14 de julho de 2019 às 08h00.
Última atualização em 16 de julho de 2019 às 09h43.
São Paulo — Minirreforma trabalhista, MP Jumbo e MP de Liberdade Econômica. Esses são alguns dos nomes recebidos pela Medida Provisória 881/19, enviada em 30 de abril pelo governo Bolsonaro e aprovada em comissão mista do Congresso na quinta-feira (11).
A medida propõe alterações em onze leis e, da mesma forma que é elogiada por economistas e integrantes do mercado financeiro, é criticada por associações e advogados trabalhistas. Até agora, a MP tem merecido todos os seus apelidos.
O nome oficial da MP vai na linha da promessa de campanha do presidente de fazer um governo liberal e melhorar o ambiente de empreendedorismo no Brasil.
A meta é fazer o país pular da 109ª posição para o top 50 do ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial até o final do mandato.
Um dos esforços nesse sentido é permitir a abertura de escritórios sem a necessidade de alvará, desde que a atividade da empresa seja de baixo risco.
Ficam acordados também a redução de burocracias a empresários e startups e o fim das multas a empresas por descumprimento da tabela do frete.
Após ajustes no relatório do deputado Jeronimo Goergen (PP-RS), aprovado na última quinta-feira, a MP propõe mais de 30 mudanças às leis trabalhistas. Entre outras coisas:
"Vejo a MP como uma espécie de continuação da reforma trabalhista feita pela gestão Temer", diz Luiz Antonio dos Santos Junior, sócio da área Trabalhista do Veirano Advogados.
Para o advogado, um dos pontos que chamaram a atenção foi a "medida anticrise" proposta no projeto, que acabou caindo após críticas. A ideia do relator da MP era estabelecer um regime de contratação específico para momentos em que o desemprego não estiver abaixo de cinco milhões de indivíduos por pelo menos doze meses consecutivos.
Pela regra, ficariam suspensos temporariamente regimes especiais de trabalho de algumas categorias, como a carga horária de 6 horas para bancários e músicos, e a proibição de contrato de trabalho por prazo maior de dois anos.
Esse tipo de medida também é bem vista por Flavia Filhorini, do Filhorini Advogados Associados, pelo potencial de geração de empregos.
"Não dá para ampliarmos o espaço da livre iniciativa econômica sem mexer um pouco na legislação trabalhista".
Para ela, alguns pontos facilitam a interpretação da lei, como a permissão de trabalho aos domingos, apesar de não descartar possibilidade de haver controvérsias jurídicas pela frente.
"Esse assunto sempre foi uma confusão. Você estuda, estuda e o assunto segue confuso, porque há a possibilidade de o município legislar, a regra muda de acordo com a atividade. Com a MP, a regra vale para todos", diz Flávia.
Outra questão destacava pela advogada é a retirada da obrigatoriedade das Cipas. As Comissões Internas de Prevenção de Acidentes são formadas por funcionários da empresa, eleitos para fiscalizar as normas de segurança do local de trabalho.
A lei impede que os integrantes da comissão sejam demitidos, como forma de proteger o profissional de eventuais "represálias" do empregador, em caso de denúncias relacionadas às condições de trabalho.
"Na prática, as regras em torno da Cipa são um entrave para a liberdade econômica, porque o funcionário pode até ter estabilidade eterna. A partir do momento que o funcionário manifesta o interesse em participar da eleição, já não pode mais ser demitido", aponta Flávia Filhorini.
A MP engordou bastante depois que chegou ao Congresso. O texto assinado por Bolsonaro tinha 19 artigos - terminou com 53. No meio desse processo, 300 emendas foram apresentadas por parlamentares.
O relator foi criticado por tornar o projeto muito abrangente e por ter permitido a inclusão de artigos considerados polêmicos.
Um deles, que acabou não entrando no texto aprovado na quinta, foi um item que, na prática, alteraria os artigos 39 e 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que tratam de práticas e das cláusulas abusivas, respectivamente.
"Uma mudança nesse sentido poderia tornar lícita a venda casada", ressalta Fernando Martins, que atua há 29 anos como promotor de justiça na área de defesa do consumidor.
"O artigo 51 protege o consumidor, por exemplo, contra abusos por parte das operadoras de saúde em relação à carência do plano,", diz.
Apesar de terem retirado o destaque do texto, Martins segue preocupado com a tramitação da MP. "Pelo o que eu estou percebendo, ainda há movimentos dentro do Congresso para mexer no CDC", diz.
Outro tema previa a possibilidade de venda de medicamentos em supermercados. Após acordo entre líderes, no entanto, foi retirado do texto. Segundo o relator, haverá a criação de um grupo de trabalho para propor um anteprojeto de lei sobre o tema.
Mesmo quem defende a MP releva que ainda há insegurança jurídica nas regras propostas. Segundo Flávia, isso pode causar conflitos na Justiça por falta de clareza, e precisará ser melhorado com o tempo. "Vejo muita discussão rolando no futuro em torno da medida. Precisa de regulamentação ainda", diz Flávia.
Para exemplificar, a advogada cita a previsão na MP de que a legislação trabalhista só vai abranger empregados que recebam até 30 salários mínimos. "A partir do momento que esse indivíduo vai para a esfera civil, ele pode reger as próprias regras. Mas como será feito o recolhimento de impostos desse trabalhador?"
A insegurança pode se refletir também, diz Fernando Rodrigues Martins, na relação desigual entre pequenas e grandes empresas. "A medida presume que há uma simetria entre eles que não existe no campo real. Numa demanda judicial, por exemplo, o juiz terá de presumir, a partir da MP, que uma companhia familiar tem o mesmo conhecimento jurídico ou econômico que um grande banco."
Pela estimativa do governo, a MP tem o potencial de aumentar de 0,4% a 0,7% ao ano no PIB per capita do brasileiro, e gerar 3,7 milhões de empregos num prazo entre dez e quinze anos.
O cálculo, feito pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, deve ser encarado com ceticismo.
"Essa medida tem efeitos difusos e de longo prazo na economia. São positivos ao simplificar a vida das empresas e devem ajudar especialmente as pequenas e micro empresas e startups. Mas é difícil estimar um impacto em crescimento", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Uma razão para isso é que fica complicado isolar o efeito de uma medida em meio ao avanço de outras reformas relevantes como a da Previdência, aprovada em primeiro turno nessa semana, e a tributária, que deve avançar a partir de agora.
"Não existe uma bala de prata. Não vai ser do dia para noite que o PIB vai crescer. Mas essa medida vai na direção da agenda do governo de melhorar a agenda de negócios no Brasil e o investimento, que chegou ao nível mais baixo dos últimos 50 anos", acrescenta Marcel Balassiano, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV).
Por ser uma MP, a medida precisa ser aprovada em até 90 dias para virar lei. Isso significa que ela caduca em 10 de setembro, e neste meio tempo ainda há o recesso parlamentar que começa semana que vem e só acaba no dia 01 de agosto.