Exame Logo

MP 795: petroleiras devem pagar menos impostos?

Nesta semana, os deputados aprovaram a Medida Provisória que reduz os impostos de empresas petrolíferas no Brasil nos próximos 20 anos

PETRÓLEO: Congresso aprova MP que dá isenção para exploração de combustíveis (Petrobras/Divulgação)
EH

EXAME Hoje

Publicado em 15 de dezembro de 2017 às 17h45.

Última atualização em 15 de dezembro de 2017 às 17h46.

A supercobertura em torno da reforma da Previdência tem feito temas importantes para o futuro do país passarem batido nos últimos dias do ano. Um exemplo foi visto na Câmara, nesta quarta-feira. Os deputados aprovaram a Medida Provisória (MP 795/2017), que reduz os impostos de empresas petrolíferas que atuarem no Brasil nos próximos 20 anos. É um tema pra lá de complexo. De um lado, é um incentivo que pode ser decisivo para o desenvolvimento do pré-sal e para a dinamização do setor. Por outro, vai de encontro às determinações dos principais acordos climáticos firmados recentemente.

A Medida, de autoria do deputado Julio Lopes (PP-RJ), prevê uma série de benefícios para petrolíferas estrangeiras que atuam no país, e para a estatal Petrobras. Entre as medidas, o governo autorizou deduzir da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) os valores que forem utilizados na exploração de petróleo e gás no país. Além disso, a MP suspende o Imposto de Importação (II), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a contribuição para o PIS/Cofins dos bens importados que ficarem no país.

Veja também

A MP tramitava em caráter de urgência, e foi aprovada pelo Senado na terça-feira. Romero Jucá, líder do Senado, porém, fez uma alteração, que limitava a isenção de impostos sobre os equipamentos até 2020, e não 2040, como dizia o texto inicial. Segundo ele, a mudança era necessária porque feria a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que limita a cinco anos a vigência de renúncias fiscais fixadas em lei. O projeto voltou então para a Câmara, que não aceitou a modificação. As mudanças, portanto, ficam válidas até 2040.

Agora, a MP espera sanção do presidente, prevista para a quarta-feira 20, para passar a valer já em janeiro de 2018.

Para Julio Lopes, o prazo extenso é importante porque condiz com os contratos de petróleo normalmente assinados no país. “Os contratos geralmente são firmados em 35 anos, uma vez que uma empresa demora no mínimo cinco anos para conseguir captar o primeiro óleo da jazida”, disse a EXAME.

Segundo ele, a lógica de isentar impostos sobre os equipamentos existe desde a criação do Repetro, um regime de 1999 que permite a importação de equipamentos específicos sem a tributação fiscal. O regime aduaneiro foi criado durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. “Temos a mesma isenção na Zona Franca de Manaus, estipulada para até 2073. Isto é comum, porque garante que as empresas que atuam lá se instalem e produzam contando com a isenção de impostos.”

Para Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura, a medida acerta o alvo: o governo não pode tributar investimento, mas sim a produção. “O governo de Michel Temer escolheu estender o prazo de isenção para garantir que os investimentos não tenham interferência de tributações e não espantem os investidores. Este é um procedimento comum não só aqui no Brasil, mas em diversos países”, explica.

As polêmicas

A oposição criticava a medida porque uma complicada conta previa que o valor das deduções, até 2040, chegaria a uma inflada conta de um trilhão de reais. O Ministério da Fazenda afirmou que o valor será muito menor: 20 bilhões de reais nos próximos três anos.  Além disso, segundo o deputado Julio Lopes, estima-se que somente no primeiro ano de vigência da Medida, o governo federal lucre cerca de 600 milhões de reais.

As críticas mais sensatas miram uma questão de fundo: faz sentido estimular combustíveis fósseis num momento em que fóruns globais pregam o caminho inverso?

Nesta semana, por exemplo, durante a Conferência One Planet Summit, em Paris, o Banco Mundial afirmou que não iria mais investir em programas de exploração do petróleo e de gás natural. Segundo o presidente do Banco, Jim Yong Kim, o corte nos investimentos é uma maneira de reduzir a emissão de gases do efeito estufa e evitar, consequentemente, o aquecimento global. O encontro marcava os dois anos do Acordo de Paris, um dos mais importantes na área ambiental. Assinado em dezembro de 2015, o Acordo previa que cada país estipulasse medidas para reduzir a emissão de gases poluentes, e desenvolvesse uma economia mais sustentável.

Além do Banco Mundial, o fundo soberano da Noruega também decidiu parar de investir em petróleo. No mês passado, o maior fundo do mundo afirmou que não iria mais investir em projetos de exploração de petróleo e de gás natural, porque deseja diversificar os investimentos e depender menos de um produto com preços tão vulneráveis. Desta forma, o Banco Norueguês pode deixar de investir mais de 35 bilhões de dólares em empresas como Royal Dutch Shell ou a Exxon Mobil, que atuam no mundo todo, inclusive no Brasil. (O fundo norueguês, é importante citar, foi criado graça à exploração de petróleo e gás pelo governo norueguês ao longo de décadas a fio.)

A decisão da Câmara demonstra que, neste momento, o governo está mais preocupado em explorar as riquezas do pré-sal. Para Carlos Rittl, presidente do Observatório do Clima, a MP 795 é um contrassenso. “Enquanto discutimos o crescimento da produção e geração de energia solar e eólica no mundo todo, por exemplo, o governo tenta beneficiar somente um tipo de matriz energética no país. Penso que é quase que irônico que uma medida como essa seja aprovada neste momento”, diz. “Temos que falar de uma economia que garante a qualidade da venda, e não a quantidade produzida. As oportunidades de produzir com energia limpa são maiores que o risco de investimento, e os governos que demorarem para perceber isso vão pagar um preço muito alto.”

Segundo um relatório do Observatório, as emissões de gases de efeito estufa do Brasil aumentaram 8,9% em 2016. De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia, 69% dos investimentos, entre 2014 e 2023 serão direcionados para a exploração do petróleo e do gás natural, o que equivale a 879 bilhões de reais. No mesmo período, o governo deve investir somente um bilhão de reais em biodiesel, o que representa 0,1% dos investimentos totais.

Para Mariana Cirne, professora de Direito Ambiental do Centro de Ensino Unificado de Brasília (UniCEUB), o Brasil pode ter muitos de seus acordos bilaterais prejudicados, por conta das decisões e das medidas que dizem respeito ao meio ambiente. “A Noruega já diminuiu os investimentos no fundo da Amazônia porque o país não cumpriu com a meta de reduzir o desmatamento”. Ainda segundo ela, o Brasil era referência em propor metas ambientais, mas passou a descumpri-las à medida em que argumentava que países em desenvolvimento deveriam ser menos cobrados do que países desenvolvidos. “Quando o presidente Michel Temer foi à Noruega e afirmou que o país tinha reduzido o desmatamento, ele foi desmentido e duramente criticado pelo governo norueguês.”

Do ponto de vista mais pragmático, Adriano Pires afirma que o pré-sal deve ser explorado o quanto antes, para que o país consiga gerar empregos e inserir os ganhos na economia do país antes que o cerco aos combustíveis fósseis se feche ainda mais. “Temos uma fonte muito grande deste combustível, que não deve ser ignorado. E se continuarmos restringindo a pesquisa e a exploração do petróleo, ele de fato vai ficar no fundo do mar, guardado para sempre”, diz.

Uma coisa é certa: apenas cortar impostos não basta para atrair investimentos e revolucionar a geração de energia no Brasil. É preciso uma agenda mais estratégica, que alie investimentos e pesquisa em óleo e gás com o avanço em outras fontes sustentáveis. O futuro chega antes para quem se antecipa.

Acompanhe tudo sobre:Câmara dos DeputadosExame HojeImpostosIndústria do petróleo

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Economia

Mais na Exame