Economia

Monopólio é essencial para finanças dos Correios, diz presidente da estatal

Presidente dos Correios justifica reserva de mercado como único meio para assegurar a universalização dos serviços postais. "Precisamos ter alguma coisa de reserva para manter a estrutura postal funcionando."

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h42.

Em meio ao escândalo envolvendo cobranças de propina por funcionários dos Correios, denúncias de irregularidades em licitações e a crise política que precedeu a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, o presidente da estatal, João Henrique de Almeida Souza, recebeu EXAME para defender o monopólio da estatal sobre a distribuição de correspondências. Para ele, que comanda a empresa desde o início de 2004 graças à indicação do PMDB, trata-se de uma questão essencial para a estatal, pois garante 52% da sua receita anual. "Os Correios precisam ter alguma coisa de reserva para manter a estrutura postal funcionando", explica.

Souza defende ainda as ações judiciais contra as empresas que tentam quebrar o monopólio. "Eu jogo pesado", afirma. Ele avisa que vai tentar impedir a atividade das empresas que fazem leitura de contas (como água e luz) e depois entregam para o cliente. Os Correios, diz, estão entrando nesse mercado. A estatal, que, reconhece seu presidente, tem uma estrutura bem grande, demanda mais recursos para sua administração, o que justifica a busca de novos mercados e mais fontes de receita. "O que vou fazer com Estados no qual temos prejuízo? Fechamos?" A seguir os principais trechos da entrevista a EXAME.

Revista Exame Por que os Correios precisam do monopólio na entrega das cartas?

João Henrique de Almeida Souza Desconheço algum país do mundo onde não haja algum monopólio ou proteção aos correios. Nos Estados Unidos há uma proteção à estrutura dos Correios. O exemplo da Argentina foi a privatização. O que ocorreu lá? Entrou em uma deficiência tão grande que o atual presidente teve que trazê-lo de volta. Quem privatizou não queria entregar carta na Patagônia, só em Buenos Aires e Córdoba. Mas por que o monopólio? Ele é bom ou ruim? Eu não posso dizer porque isso depende da ótica. O que eu quero dizer é que o monopólio dos Correios é absolutamente necessário, principalmente na estrutura do Brasil.

Exame Por quê?

Souza O Correio brasileiro, constitucionalmente, tem que levar a estrutura postal a todos os cantos do País, sem exceção. Então temos que estar nos 5.561 municípios. É visível que a maioria desses municípios brasileiros não tem estrutura econômica para manter funcionando uma infra-estrutura local de correios. Para existir ela precisa ser subsidiada. Nós hoje só temos a exclusividade na carta e no telegrama. Todas as outras questões que o correio participa são de livre iniciativa. É disputa comercial. O Sedex disputa com várias empresas a distribuição de encomendas em todo o Brasil. Isso não é monopólio. A carta e o telegrama significam para nós hoje uma receita correspondente a 52% de nossa receita. Hoje é em torno de 650 milhões de reais por mês e teríamos em torno de 330 milhões de reais de receita por conta do monopólio. Dá uma média de 3,5 bilhões de reais por ano. Será que algumas dessas empresas que buscam a quebra desse monopólio estão dispostas a entregar correspondência em todo o território brasileiro ou vão se restringir aos grandes centros comerciais, onde naturalmente ocorre o lucro? É evidente que nos grandes centros comerciais temos lucro com esses serviços e é com esse lucro que mantemos a estrutura funcionando lá no interior do Amazonas.

Exame As empresas querem ter o direito de distribuir boletos bancários e contas. Não estão querendo entrar no setor de carta.

Souza Mas isso é considerado carta. A legislação explica o que é carta. Um documento pessoal que tenha a obrigatoriedade de confidencialidade é carta. Não importa se é boleto bancário ou conta.

Exame Mas por que não deixar a competição ocorrer nesse segmento como ocorre no Sedex?

Souza Por que o correio precisa ter alguma coisa de reserva para manter a estrutura postal funcionando. É óbvio que nenhuma empresa tem a estrutura que nós temos. Mas para manter essa estrutura eu preciso ter 110 mil empregados. Ter empregados em todo o lugar. A empresa, nos últimos anos, criou uma série de estruturas com vínculo funcional, que as empresas privadas não têm. As outras não alcançaram esse patamar. Os Correios têm um serviço de atendimento médico que dificilmente uma empresa privada oferece a seus empregados. Isso custa muito. Por isso nosso custo ao longo dos anos pode ser um pouco mais caro. Mas o básico da história é que se não tivermos uma reserva, um pedaço que nos possa garantir uma receita certa e com ela garantir a universalização dos serviços postais, não vai ter serviço postal universal.

Exame Então os Correios temem perder mercado e receita com a abertura do mercado?

Souza Não tenho dúvida. Vamos perder receita e sem receita, como será mantida a estrutura postal? É absolutamente impossível e inviável.

Exame Vocês já fizeram algum estudo sobre os cenários?

Souza É simples. Você tem uma receita de, digamos, 650 milhões de reais e ao final do mês está sobrando muito pouco. Se você faz cair essa receita no que é monopólio seu em 150 milhões a 200 milhões de reais, como é que você sobrevive? Entre receita e despesa, no final do mês, temos mantido uma média de 20 milhões de reais de receita positiva, no global, incluindo receitas não operacionais e tudo. Entre receita operacional e despesa operacional somos negativos todo final de mês. O resultado dos Correios no ano passado foi positivo por causa das receitas não operacionais, como aplicação de recursos. Em números redondos, em 2001 foram 200 milhões de reais negativos, em 2002 foram 250 milhões de reais, em 2003, 330 milhões. Essa receita operacional negativa ia subindo. Em 2004 nós baixamos para 300 milhões, estacionamos a curva que vinha ascendente. Obtivemos lucro pois tivemos mais de 600 milhões de receita não operacional, de ordem financeira e contábil.

Exame Hoje os Correios competem em áreas também rentáveis, como o Sedex. Vocês têm 80% desse mercado. O que mostra que os Correios tem fôlego inigualável para competir com o mercado.

Souza Mas isso ocorre porque é um produto que se utiliza de forma maciça em 165 municípios do país, onde está concentrado 80% do PIB. Nessa movimentação você consegue ter receitas que ajudam a manter a estrutura do correio funcionando no Brasil todo. As empresas que nos contestam querem trabalhar é nesse universo. A receita do Sedex nos permite levar o serviço postal para todas as capitais e cidades do Nordeste, que em geral dão prejuízo. O Piauí tem um déficit operacional de 3 milhões de reais por mês. Eu diria que nosso monopólio hoje assegura o pagamento da folha com suas obrigações sociais.

Exame Os Correios não têm força suficiente para concorrer com empresas de menor porte?

Souza Não vou dizer que não teríamos condições de concorrer, mas aí deixaríamos até de ser essa empresa de objetivos sociais para entrar numa guerra de mercado absolutamente incompreensível. Já como empresa pública temos dificuldades. As pessoas já dizem que colocamos preços que não são da realidade, para derrubar os outros. E aí entraríamos em uma guerra totalmente fratricida em prejuízo do mercado. Acho que o Correio não tem pedido nada mais e nada menos do que aquilo que está na legislação e na Constituição para fazer o Correio universal. As pessoas precisam ter correio.

Exame A Constituição de 1988 só cita dois tipos de monopólio: o do petróleo e da área nuclear. Em relação ao setor postal diz que só é preciso manter o serviço. Como o senhor vê isso?

Souza A lei de 1978 não foi revogada pela Constituição de forma automática. Leis só são revogadas de forma explícita. Uma lei revoga outra lei. As leis não são revogadas por abstração. A própria Constituição, ao dizer que se tem que levar o serviço postal universal, já declarou que é o Correio e que é obrigação do Estado.

Exame Se o Correio perder o monopólio como ele fará para resolver essa questão?

Souza Aí é uma questão governamental. Vai ter que usar recursos do tesouro. E isso eu não acho justo. Ou se cria um fundo de universalização, que o mercado postal não contempla. O mesmo artigo da Constituição diz que cabe à União emitir moeda, administrar reservas cambiais, assegurar a defesa nacional e manter o serviço postal. Não se deve procurar os Correios no artigo que trata do monopólio, mas no que trata das competências da União. Onde está dizendo que cabe declarar a guerra e celebrar a paz, diz que tem que manter o serviço postal.

Exame Os Correios estão com uma postura muito agressiva em relação às empresas que fazem a distribuição de correspondência. Qual é a razão?

Souza Essa é uma questão gerencial. Quando cheguei nos Correios, senti que estávamos de piloto automático ligado, deixando as coisas acontecerem. E estávamos perdendo mercado, e com isso vinham aumentando as empresas que entendiam que podiam distribuir cartas. Tem uma em Sergipe formada por ex-funcionários dos Correios. É como se eles só tivessem mudado de prédio. Daqui há pouco todo mundo vai estar fazendo, e não precisa ter mais monopólio. Aí eu parti para a política fortemente agressiva, para mostrar que a lei tinha que ser respeitada e que as pessoas tinham que entender que correio é correio. Aonde tem, eu jogo pesado. Mas, eu sempre faço isso da forma jurídica, correta e legal.

Exame O que eles argumentam é que trata-se de um setor que gira em torno de 5 bilhões de reais, 15 mil empresas e 1 milhão de empregos.

Souza Você não pode imaginar que alguém faça determinado ato, empresarial ou não, ferindo uma legislação, e queira que isso seja considerado correto. Assim, várias atividades que existem consideradas ilegais deveriam ser consideradas legais porque estão empregando pessoas. Não há cabimento em relação a isso. Não nos sentimos incomodando a vida de ninguém. Nós nos sentimos incomodados sobre aquilo que o Correio faz há centenas de anos, no que é absolutamente correto e está dentro de nossa legislação.

Exame Um dos argumentos a favor do setor privado é que o valor cobrado pelos Correios é maior.

Souza É bem provável. Posso até admitir que seja mais caro, porque a estrutura que o Correio coloca para atender o serviço é extremamente mais sofisticada do que qualquer outra empresa. Nosso empregado passa por treinamento. Nós temos que ter carro novo e equipamento de última geração para poder distribuir. Onde esse empregado tem todos os direitos e obrigações e custa talvez mais caro que uma outra empresa? É evidente que a composição desse custo poderá ser um pouco mais cara. Não sei a quanto chega, mas posso admitir que há um diferencial de preço.

Exame Por isso é natural que ocorra uma perda de mercado, no caso do fim do monopólio.

Souza Não tenha dúvida. Eu perco receita.

Exame Se houvesse o Fundo de Universalização de Serviços Postais (FUSP), seria uma solução?

Souza Se tiver de algum lugar receita suficiente para manter a universalização, tudo bem, mas não existe.

Exame As empresas de distribuição conseguiram uma brecha, que é a leitura e entrega de contas. Como vocês encaram isso?

Souza Estamos contestando. E estamos em vários estados lendo e entregando também. Em cerca de 6 Estados. Esse é um trabalho que, dentro da estrutura jurídica nossa, é possível fazer. Eu faço luz e água. Nós estamos questionando as próprias concessionárias públicas, quando uma concessionária faz esse serviço com outra empresa que não os Correios. E dizemos para elas que por lei o serviço é dos Correios. Nós temos que buscar mercado, para ter receita e cobrir nossas despesas. E mesmo assim não equilibramos.

Exame Por qual razão? A tarifa está baixa?

Souza Alguma coisa nesse sentido. Nós não reajustamos as tarifas por aquilo que entendemos que o mercado precisa ser reajustado. Mas reajustamos por aquilo que o governo entende que tenha que ser reajustado. Pedimos uma coisa e o ministério da Fazenda dá o que ele entende. E tem muito funcionários? Eu reconheço até que tem, mas tem muito serviço também. E mais. Não há um canto desse país que não peça uma nova agência dos Correios. O que temos mesmo é falta de receita. O que vou fazer com Estados no qual temos prejuízo? Fechamos?

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