Maduro: depois de conduzir a economia do país ao precipício, o presidente venezuelano adotou uma certa medida de estabilidade (Carlos Barria/Reuters)
Ligia Tuon
Publicado em 11 de fevereiro de 2020 às 16h04.
Carlos Viloria retornou à Venezuela no mês passado.
O advogado de 35 anos ficou cansado de trabalhar 15 horas por dia e de aguentar chefes abusivos como funcionário de um restaurante na Argentina por um ano e meio. Viloria estava entre os mais de 5 milhões de venezuelanos que deixaram o país nos últimos cinco anos na esperança de escapar de uma das piores catástrofes humanitárias do mundo.
Seu retorno também é emblemático. “Vou encontrar um emprego que me pague em dólares”, disse.
Depois de conduzir a economia do país ao precipício, o presidente Nicolás Maduro adotou uma certa medida de estabilidade. Ao permitir que os dólares fluíssem livremente e que a iniciativa privada florescesse nos últimos meses, Maduro parece ter dado nova vida ao regime. O líder venezuelano continua sendo muito impopular, mas a emigração começa a desacelerar, venezuelanos estão voltando e o governo está promulgando leis para tributar transações em dólares e permitir que empresas emitam dívidas em moedas estrangeiras.
Todos são sinais de que, apesar de uma turnê mundial triunfante, incluindo uma reunião na Casa Branca com o presidente dos EUA, Donald Trump, o líder da oposição Juan Guaidó está mais longe de derrubar Maduro do que há um ano, quando anunciou o plano e ganhou amplo apoio internacional.
Na época, muitos acharam que Maduro já era carta fora do baralho. Afinal, havia assumido o controle de um dos países mais ricos da região para arruiná-lo em meio à corrupção e má administração. Então, há um ano, os EUA atacaram Maduro com sanções contra o petróleo. O país sofreu um grande golpe e muitos acreditavam que não poderia sobreviver. Mas os que duvidavam não sabiam quanta ajuda Maduro obteria dos principais aliados para evitar sanções ou como adotaria uma versão do capitalismo de estado no estilo chinês.
“As economias dos países que nos ajudaram são capitalistas - China, Turquia e Índia”, disse David Paravisini, deputado na Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela aliado a Maduro. “Receber essa ajuda exige condições de liberalismo econômico. Foi o que a China fez para levar o país adiante. É o que temos que fazer.”
A nova abordagem inclui conversas secretas que Maduro teve com detentores de cerca de US$ 60 bilhões em títulos, alguns deles norte-americanos, oferecendo-se para atrelá-los a uma petroleira estrangeira que receberia os direitos sobre os campos de petróleo como forma de recuperar a dívida. A Venezuela possui as maiores reservas de petróleo conhecidas do mundo e, se esse acordo se concretizar, muitos investidores poderão obter lucros enormes.
Várias pessoas que se encontraram com Maduro recentemente e falaram sob condição de anonimato dizem que ele está mais confiante.
Durante o ano passado, o dólar se tornou a moeda não oficial da Venezuela, aparecendo nos cardápios de cafeterias e vitrines de lojas populares nos arredores do palácio presidencial. Em toda a capital, lojas repletas de champanhe francês, salmão selado a vácuo e queijo italiano Grana Padano apareceram onde antes havia comércios falidos. O bolívar, a moeda oficial, tornou-se inútil depois de anos de hiperinflação.
“O que vimos não foi uma liberalização, mas uma permissividade e, em alguns casos, uma estrutura legal que existia, mas não havia sido aplicada”, disse Tamara Herrera, economista-chefe da consultoria Síntesis Financiera, com sede em Caracas. “A necessidade surgiu devido à intensificação progressiva das sanções americanas. Os novos decretos mostram a fome fiscal e a vocação punitiva do governo.”
(Com a colaboração de Fabiola Zerpa, Ben Bartenstein, Nicolle Yapur e Nick Wadhams).