Economia

Incerteza na economia faz crescer contratação de temporários

A opção pelos temporários ocorre em razão do cenário incerto da economia, que põe em xeque a sustentabilidade da recuperação registrada nos últimos meses

Contratação temporária com carteira assinada atingiu em outubro a maior marca de contratações desde o início da série do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados em 2008 (Jornal Brasil em Folhas/Flickr)

Contratação temporária com carteira assinada atingiu em outubro a maior marca de contratações desde o início da série do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados em 2008 (Jornal Brasil em Folhas/Flickr)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 7 de dezembro de 2020 às 11h40.

Última atualização em 7 de dezembro de 2020 às 11h42.

A mão de obra temporária com carteira assinada atingiu em outubro a maior marca de contratações desde o início da série do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em 2008. O saldo de admissões desses temporários, que são recrutados por empresas especializadas e que consta num item especial do Caged, foi de 30,7 mil trabalhadores naquele mês. Entre junho e outubro o número de brasileiros empregados como temporários em empresas especializadas nesse tipo de recrutamento cresceu 25%. É uma taxa dez vezes maior do que a registrada no avanço do estoque total de empregados formais no mesmo período, que foi de 2,3%.

"Não podemos dizer que a recuperação do emprego formal está se dando em cima do trabalho temporário, mas está havendo uma quantidade inédita de admissões desses trabalhadores", afirma o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Fabio Bentes. A opção pelos temporários ocorre em razão do cenário incerto da economia, que põe em xeque a sustentabilidade da recuperação da atividade registrada nos últimos meses.

Segundo Bentes, as incertezas sobre a economia em 2021, como os impactos de uma segunda onda de covid-19, a aplicação ou não de uma vacina, o fim do auxílio emergencial e a própria sustentabilidade do aumento da demanda registrado nos últimos meses deixaram as empresas cautelosas.

Essa também é a avaliação de Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). As empresas, diz ele, "tentam não se amarrar" o máximo possível e há um processo relativamente disseminado de contratações temporárias, inclusive em setores intensivos em mão de obra. Ele argumenta que as empresas se preparam para atender a demanda, mas, como há dúvidas, buscam opções, caso precisem se desfazer da mão de obra rapidamente. Por isso, optam por temporários.

Essa estratégia é nítida em grandes companhias. A Whirlpool, por exemplo, que fabrica geladeiras, fogões e lavadoras, hoje trabalha com ocupação máxima das três fábricas. "Estamos bem criteriosos no emprego efetivo", diz o presidente da companhia, João Carlos Brega, fazendo menção às incertezas sobre a economia em 2021.

Com 11,2 mil empregados, a empresa informa que ampliou em apenas um dígito o emprego efetivo este ano. Já a admissão de temporários cresceu 20% sobre 2019. A multinacional pretende manter essa estratégia até que haja alguma mudança significativa na economia ou no comportamento do consumidor.

A Mercedes-Benz é outra grande companhia que está cautelosa. Além de abrir 250 vagas temporárias para início de trabalho em fevereiro, a montadora também vai começar um terceiro turno de trabalho temporário em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, em fevereiro. Isso significa que a fabricante de caminhões e ônibus, que hoje registra aumento de encomendas, pode suspender o novo turno caso o mercado desaqueça novamente.

A Mercedes esclarece que o terceiro turno, inicialmente definido por um período determinado (cuja prazo depende da demanda), não é só uma solução para aumentar a produção, mas também uma alternativa para preservar o distanciamento social de prevenção à covid-19. Nos próximos três meses, a fabricante vai operar com jornadas adicionais de trabalho.

O setor automotivo, que desde o início da pandemia cortou um total de 4,6 mil vagas, registrou 730 contratações em outubro, "a maioria por prazo determinado", informa o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, Luiz Carlos Moraes. "As empresas não sabem se o aumento de demanda atual veio para ficar e, enquanto não tiverem certeza, vão operar com horas extras ou contratos temporários."

Horas extras

Enquanto a demanda não dá sinais claros de sustentabilidade, as horas extras viraram uma saída para várias companhias do setor automobilístico. A fábrica da Nissan em Resende (RJ) opera em um turno de produção para atender o atual volume de demanda. Mas, quando necessário, utiliza horas extras e trabalho aos sábados. A General Motors informa que vai operar pontualmente em algumas fábricas com horas extras e trabalho aos sábados.

Para a FCA Fiat Chrysler, o mercado se recupera ainda de forma assimétrica e, para administrar a fase de transição para o ritmo normal de produção, também está recorrendo a horas extras ou jornadas adicionais. Outra que estabeleceu horas extras até o fim do ano é a Volvo, fabricante de caminhões em Curitiba (PR). A Scania, também fabricante de caminhões no ABC, adotou jornadas extras aos sábado.

Um em cada três temporários é para o e-commerce

Faz três semanas que a estudante de psicologia Ana Carolina Mamede Porfirio, de 20 anos, foi admitida como temporária em uma empresa especializada em recrutamento. Ela está trabalhando no marketplace de uma varejista, onde faz a revisão de anúncios virtuais.

"É a primeira vez que trabalho como temporária", conta Ana, que assinou um contrato de trabalho por dois meses com a empresa de recrutamento que presta serviço de mão de obra para a empresa de e-commerce.

Ana dá expediente de segunda a sexta-feira, das 9 horas às 18 horas e recebe um salário quase 30% maior do que ganhava no emprego anterior.

Antes de ficar desempregada, a estudante trabalhou durante 11 meses também no varejo, mas numa distribuidora de autopeças. Até cuidava das vendas online da loja, mas a maior parte do serviço era no varejo físico. Com a pandemia, houve corte de funcionários e Ana foi demitida.

Depois de seis meses procurando uma vaga, ela conseguiu se recolocar, mas como temporária e no comércio online. "Fico um pouco preocupada com o fato de ser um emprego temporário", diz Ana, na expectativa de que o contrato, inicialmente de dois meses, seja prorrogado e que a vaga se torne definitiva. Apesar da ansiedade, no momento, ela diz que está focada no trabalho. "Vou fazer tudo certinho para ter essa possibilidade."

Online

O tipo de vaga de trabalho conseguida pela estudante - no comércio online e temporária - retrata um tendência do mercado de trabalho. Uma em cada três vagas temporárias neste fim de ano são para lojas online, segundo a Page Interim, unidade de negócio do PageGroup especializada em recrutamento, seleção e administração de profissionais terceirizados e temporários. "No ano passado, as vagas online representavam menos de 10% do volume total", conta Maira Campos, diretora da empresa.

Segundo a executiva que recruta e faz a gestão da mão de obra de terceiros não só para o varejo, mas para indústria e outros segmentos, há um forte movimento de admissão de temporários este ano.

Em outubro, de acordo com ela, o volume de contratações fechadas pela empresa foi 50% maior do que no mesmo período do ano passado. E não apenas de trabalhadores para as festas de fim de ano.

Maira diz que há empresas com bastante apetite por contratações de trabalhadores temporários e que existe uma preocupação muito grande em termos de custos e justificativas de investimentos. "O temporário é uma forma mais fácil de as empresas viabilizarem as contratações e suprirem as demandas."

Admissão de intermitentes avança 18,4%

Além do avanço dos trabalhadores temporários na pandemia, também houve um crescimento dos contratos intermitentes de trabalho - modalidade que começou a vigorar em 2017 e na qual os trabalhadores não têm horário fixo e ganham pelas horas trabalhadas. Entre junho e outubro, essas contratações cresceram 18,4%. Mas, segundo o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes, que fez, a pedido do Estadão, um recorte especial dos resultados no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para chegar a esses números, os intermitentes ainda representam uma fatia ínfima do mercado de trabalho. Em outubro, respondiam por 0,5% do estoque total de trabalhadores com carteira.

Na verdade, temporários e intermitentes têm uma participação pequena no bolo total. Em outubro, por exemplo, representaram menos de 10% do total de vagas formais criadas. De acordo com os dados do Caged, houve abertura líquida de 394,9 mil vagas formais de trabalho naquele mês - o melhor resultado para o período desde o início da série histórica em 1992 - das quais cerca de 30 mil foram temporárias. De um milhão de postos formais líquidos criados entre junho deste ano - o fundo do poço do mercado de trabalho - e outubro, quase 10% foram vagas temporárias abertas por empresas especializadas e computadas nessa rubrica do Caged.

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