Governo teme “efeito cascata” no funcionalismo se Congresso aprovar PEC do BC
Segundo técnicos da equipe econômica, proposta em debate no Congresso abre espaço para servidores do BC aumentarem salários acima do teto do funcionalismo, objetivo que seria perseguido por outras carreiras
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 3 de agosto de 2024 às 06h00.
Além de não concordar tecnicamente com a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que transforma o Banco Central (BC) em empresa pública, o governo teme que a aprovação do texto desencadeará uma avalanche de projetos para mudar a natureza jurídica de outros órgãos públicos. A avaliação entre técnicos da equipe econômica é a de que os servidores da autoridade monetária encontraram na PEC uma forma de elevar os próprios salários. Caso aprovada, a mesma solução seria seguida por outras categorias do funcionalismo público.
A PEC, relatada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), transforma o BC —hoje, uma autarquia que goza de autonomia operacional — em empresa pública e amplia a autonomia da autoridade monetária para financeira, orçamentária e administrativa.
Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva capturaram um risco nessa mudança. Para eles, o temor é o de que possa haver um impacto fiscal significativo e, ainda, incalculável. Segundo eles, diversas categorias do funcionalismo têm buscado soluções legais para turbinar os próprios salários.
E esse processo de aumento dos salários dos servidores ganhou força após a aprovação das leis que criaram os honorários advocatícios de sucumbência para os advogados públicos que integram as carreiras da Advocacia Geral da União (AGU) e bônus de eficiência para os servidores da Receita Federal.
“Atualmente, como consequência dessas leis, mais de 50% dos advogados da União ganham salários que chegam ao teto constitucional e a outra parte tem vencimentos próximos do limite legal. O mesmo acontece com servidores da Receita. Aprovar a PEC do BC será o precedente para outros pedidos semelhantes ao Congresso, com impacto fiscal significativo e incalculável”, disse um técnico do governo.
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Elite do funcionalismo
Técnicos da equipe econômica e da ala política do governo afirmaram à EXAME que os servidores do BC, da Receita Federal e AGU compõem a elite do funcionalismo e possuem maior poder de organização associativa e de pressão legítima sobre os parlamentares no Congresso. Com isso, as propostas legais patrocinadas por essas categorias costumam caminhar no Legislativo
Além dos pleitos da elite do funcionalismo, a gestão petista tem enfrentado movimentos grevistas das demais categorias. Uma sinalização no caso do BC, avaliam técnicos do governo, poderia trazer mais reações de outras categorias.
O Sinagências, entidade que representa os servidores públicos das agências de regulação, realizou em 31 de julho e 1º de agosto, uma paralisação geral. Os profissionais das 11 agências reguladoras interromperam serviços essenciais para a economia, como fiscalizações em portos, aeroportos, energia elétrica, água e outros serviços regulados, que representam 60% do Produto Interno Bruto (PIB). O sindicato convocou um ato para 13 de agosto, no dia em que se reunirá com técnicos do governo para debater os pleitos salariais.
No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o s servidores estão de greve desde 10 de julho. No Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os servidores que estavam em greve foram obrigados pela Justiça a voltar ao trabalho. Entretanto, a categoria segue em operação padrão, com redução do ritmo de trabalho.
Em outra frente, os servidores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovaram na semana passada o “estado de greve”, o que indica que a qualquer momento a categoria pode cruzar os braços.
Servidores divididos
Além da contrariedade do governo, a proposta sobre o BC em tramitação no Congresso sofre resistência de parte dos servidores da própria autoridade monetária. O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) promoverá um atocontra a PEC no Senado em 14 de agosto.
Segundo a entidade, a transformação do BC em empresa pode resultar em uma independência total do BC, afastando-o do controle do Executivo, o que poderia favorecer "interesses do capital financeiro em detrimento do controle democrático e da transparência".
“Também seguem latentes os possíveis impactos negativos na vida dos cidadãos, com uma maior fragilidade nos controles, a possibilidade de terceirização de serviços típicos de Estado e a precarização de atividades”, informou o presidente do Sinal, Fabio Faiad.
Por outro lado, a Associação Nacional dos Analistas do BC (ANBCB) defende que a proposta em debate no Congresso representa uma evolução institucional relevante e, se aprovada, beneficiará todo o país.