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Goldfajn, do BC: “não somos insensíveis”

André Lahóz e Giuliana Napolitano O encantamento de empresários e de boa parte do mercado financeiro com Ilan Goldfajn, que assumiu a presidência do Banco Central em junho, parece ter terminado na última reunião de política monetária, no final de novembro. O BC cortou os juros em apenas 0,25 ponto percentual e passou a ser […]

ILAN GOLDFAJN: para ele, o problema dos juros altos só vai ser resolvido com reformas / Cristiano Mariz
DR

Da Redação

Publicado em 15 de dezembro de 2016 às 11h05.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h52.

André Lahóz e Giuliana Napolitano

O encantamento de empresáriose de boa parte do mercado financeiro com Ilan Goldfajn, que assumiu a presidência do Banco Central em junho, parece ter terminado na última reunião de política monetária, no final de novembro. O BC cortou os juros em apenas 0,25 ponto percentual e passou a ser acusado quase unanimemente de contribuir para retardar a recuperação da economia. Numa entrevista na sala em que foi tomada a decisão sobre os juros, Goldfajn — que até as-sumir o BC era economista-chefe do banco Itaú — diz que não é insensível à situação da economia. Mas sua missão primeira é “trazer a inflação para baixo”.

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Por que diminuir os juros apenas 0,25 ponto percentual num momento que a economia está tão fraca e a inflação caindo?

O desempenho da economia decepcionou porque houve um choque muito relevante. Estamos num ciclo de redução dos excessos que foram cometidos nos últimos anos. Tanto o setor público quanto o privado têm de se adequar à nova realidade. Não é mais possível gastar além da conta. Mas, à medida que o ajuste começa a funcionar, há um alívio. O importante é ter persistência e tomar as medidas adequadas. Isso é um processo que pode levar tempo. Havia a esperança de que a atividade pudesse ter melhorado no terceiro trimestre. Mas o governo tinha acabado de assumir, é difícil ter um impacto tão imediato. Tivemos por muito tempo um problema de excesso de despesas, e a PEC dos gastos [ proposta que limita o aumento das despesas públicas e foi aprovada pela Câmara ] tem o objetivo de ajudar a corrigir isso. A reforma da Previdência também. O papel do Banco Central é trazer a inflação para baixo. Se essa crise tivesse reduzido a inflação, como vimos nos países ricos, o BC não precisaria fazer nada. Mas temos no Brasil o que parece ser um choque de oferta, que inibiu a atividade e fez a inflação ir para 11%.

Mas, depois disso, a inflação vem baixando…

O Banco Central foi ganhando credibilidade e a expectativa de inflação foi diminuindo: está em torno de 5% para 2017 e em 4,5% para 2018 e 2019. Com as expectativas ancoradas, foi possível flexibilizar a política monetária. Fizemos um corte de 0,25 ponto percentual nos juros, depois mais 0,25 e sinalizamos uma intensificação. Ou seja, sinalizamos e vamos olhar mais dados para tomar uma decisão. Essa é a atuação básica de um banco central. Mas começou uma polêmica sobre a calibragem. É normal: sempre haverá alguém querendo juros maiores ou menores porque tem projeções diferentes para a inflação. Recentemente, muitos passaram a defender um corte maior, de 0,5 ponto. Só é importante lembrar que a inflação acumulada em 12 meses ainda está em 7%. E o problema dos juros altos no Brasil não vai ser resolvido com calibragem, mas com reformas e mudança do ambiente de negócios e da estrutura da economia. E isso está acontecendo.

A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos influenciou a decisão do BC?

Diferentemente de outros choques externos, como o Brexit, a eleição americana aconteceu mais perto de nós e afetou as expectativas. Mas a maioria dos analistas estava esperando um corte de 0,25 ponto, então não entendo por que muitos se mostraram surpresos quando tomamos essa decisão. O problema é que há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo no Brasil, o que gera volatilidade. A política monetária está fazendo seu papel e, com isso, ganha espaço para flexibilizar os juros e ajudar neste momento delicado da economia.

Quando o presidente Michel Temer assumiu, havia uma expectativa de que a volta da confiança ajudaria a economia a se recuperar, o que ainda não aconteceu. Por quê?

Houve uma mudança importante na direção da política econômica — e temos de perseverar nisso. Não podemos voltar aos erros do passado, de intervenção e políticas de curto prazo. Ao mesmo tempo, é preciso entender que esse processo de limpar excessos tem sua incerteza e seu prazo, que é difícil de estimar. A ciência econômica não é capaz de apontar um timing perfeito. Mas a recuperação virá. As previsões para 2017 são melhores do que as de 2016, e as para 2018 são melhores do que as para 2017.

Mas essas previsões são de crescimento baixo. O Brasil perdeu a capacidade de crescer?

Os países da América Latina crescem hoje cerca de metade do que cresciam no período de boom de preços de commodities. Não é o nosso caso: estamos em recessão. Nosso crescimento depende de fazer o dever de casa: resolver a parte fiscal, investir em infraestrutura, fazer reformas, privatizar, melhorar o ambiente de negócios. Tudo isso está andando, mas o front fiscal está recebendo mais atenção.

Essas reformas que o senhor citou não estão andando muito lentamente?

Existe uma angústia compreensível da sociedade, e essa ansiedade bate no Banco Central. Mas precisamos manter a serenidade. As angústias não podem levar a decisões erradas. Já cometemos esse erro uma vez.

Ainda que o governo consiga aprovar as reformas, elas vão surtir efeito
no longo prazo. Há espaço para alguma ação mais imediata?

As reformas estão fazendo seu papel. O mais importante, hoje, é entender quando as contas públicas vão ficar em ordem. Quando isso acontecer, a confiança aumentará. O Banco Central vai se concentrar em olhar as expectativas de inflação: se elas caírem mais rapidamente, haverá espaço para reduzir ainda mais osjuros. Mas não somos insensíveis à atividade. Levamos em conta o custo da desinflação e também o impacto que a queda na atividade tem sobre os preços.

Afora a polêmica da última redução, é consenso que o Brasil tem uma
taxa alta em qualquer comparação internacional. O que impede que
os juros caiam de forma estrutural?

Uma explicação é o crescimento dos gastos nos últimos anos, que gerou inflação e exigiu juros mais altos. Além disso, metade do sis-tema financeiro opera com empréstimos com juros subsidiados, o que faz com que os demais empréstimos tenham taxas maiores. É como o pagamento de meia-entrada no cinema: alguém vai ter de pagar mais caro para compensar isso. Finalmente, existe a inércia da inflação. Temos uma atividade mais fraca hoje, mas a inflação resiste, impedindo a queda consistente dos juros.

Como resolver esses problemas?

As reformas ajudam a conter os gastos. Do -lado do sistema financeiro, estamos estudando o custo de crédito de uma forma fundamentada, analisando o que dificulta a redução dos juros e tentando resolver. Devemos anunciar algo sobre isso em breve. Já a inércia inflacionária pode ser quebrada com o trabalho que estamos fazendo, de perseguir a meta de inflação com afinco. Entendo as críticas, porque a política anti-inflacionária tem um custo. Mas não deixa de ser curioso ser criticado por levar a inflação para a meta, que é, afinal, o objetivo do BC.

Muitas empresas reclamam da escassez de crédito. O Banco Central avalia diminuir o volume de depósitos compulsórios para melhorar isso?

O sistema financeiro hoje tem liquidez. A demanda por crédito diminuiu e alguns bancos estão emprestando menos porque o risco é muito grande. Diminuir o compulsório, portanto, seria uma medida inócua. Temos de nos concentrar no que pode fazer diferença: reduzir a inflação e o risco. Isso vai permitir baixar os juros de forma sustentável.

Outra crítica é que o Brasil tem reservas demais e custa muito mantê-las. É verdade?

Estamos num período de transição para sair da crise e, nesse momento, essa discussão não se coloca. As reservas são um seguro caro, mas, quando você usa o seguro, ele não parece mais tão caro assim. Fiz o cálculo do custo de ter as reservas e a conclusão é que ele foi quase zero, porque o dólar valorizou bastante. Ainda assim, as reservas representam 20% do PIB e foram acumuladas com o país se endividando. Elas não são fruto de superávit em conta-corrente. Então, se decidirmos gastar as reservas — em infraestrutura, por exemplo —, teremos mais dívida. O correto, do ponto de vista da teoria econômica, seria usar as reservas para abater a dívida. Como fazer isso, porém, é uma questão mais complicada, a ser discutida no futuro

 

 

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