Economia

A política argentina perde com socorro do FMI, diz consultor

Para o diretor da consultoria Isonomía, ainda é cedo para saber os efeitos políticos e eleitorais do pedido de auxílio ao FMI

JUAN GERMANO: “o governo precisa seguir mostrando, por mais que seja a conta-gotas, melhoras pontuais, concretas” /

JUAN GERMANO: “o governo precisa seguir mostrando, por mais que seja a conta-gotas, melhoras pontuais, concretas” /

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Da Redação

Publicado em 12 de maio de 2018 às 08h54.

Última atualização em 12 de maio de 2018 às 09h43.

O anúncio de que o governo argentino recorrerá ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para conter a sangria econômica com a alta do dólar elevou as tensões — políticas e econômicas — no país.

No início da semana, o presidente Mauricio Macri anunciou que pretende obter uma linha de crédito, qualificada pelo governo como “preventiva”, de pelo menos 30 bilhões de dólares, diante da piora no cenário econômico, mesmo com o Banco Central do país tendo recorrido a três aumentos consecutivos da taxa de juros, que chegou a 40%. Nesta semana, o peso se desvalorizou e bateu novo recorde, chegando a 23,40 em relação a moeda americana.

O ministro da Fazenda argentino, Nicolás Dujovne, se reuniu nesta semana em Washington com a diretora do fundo, Christine Lagarde, para discutir detalhes do acordo, já celebrado pelo maior acionista do FMI, os Estados Unidos.

Na quinta-feira, os EUA deram as “boas-vindas” às negociações entre a Argentina e o fundo e reafirmaram o “forte apoio” às reformas pró-mercado implementadas pelo governo de Macri. Já Lagarde afirmou que o FMI está pronto para ajudar a Argentina nesse momento de “significativa volatilidade financeira”.

A relação dos argentinos com o FMI é tensa há décadas, principalmente pelo ocorrido no final dos anos 1990, quando o organismo respaldou o regime de conversibilidade cambial — quando havia uma paridade irreal entre o dólar e o peso — adotado pelo governo de Carlos Menem e que jogou a Argentina em uma de suas piores crises políticas e econômicas, em 2001, quando o país teve três presidentes em menos de uma semana. A dívida argentina com o fundo cresceu, indo parar nas mãos do governo seguinte, de Néstor Kirchner (2003-2007), que quitou a dívida.

Diante da resistência dos argentinos em relação ao fundo, Macri chegou a dizer, em 2016, que seu governo não pediria empréstimos à instituição. Em 2017, foi a vez de Dujovne reforçar a mensagem, também afirmando que a Argentina não teria um programa com o FMI.

EXAME conversou com o diretor da consultoria política argentina Isonomía, Juan Germano, para entender como a imagem de Macri e de seu governo pode ser afetada com o pedido de auxílio. A popularidade de Macri vem caindo nos últimos meses e a reprovação à sua gestão, aumentando.

Qual vai ser o custo político da decisão de Maurício Macri de pedir auxílio ao FMI?

Em termos de custo político, recorrer ao Fundo Monetário Internacional, independente da análise financeira que se possa fazer, tem uma questão simbólica muito relevante. O poder desse símbolo vai ser parte do custo político que o governo decidiu correr. E isso também ficará na mão do governo seguinte. Apesar de não conseguirmos ainda quantificar o custo político, o governo já recebeu este golpe e, na minha opinião, isso também chamou a atenção de toda a classe política dirigente em Argentina. Não é uma questão meramente do governo, porque, se observamos os níveis de imagem pública dos 15 principais dirigentes políticos nos últimos doze meses, todos caíram. Há distintos níveis de perdedores. Em algum sentido, temos que ver como vai ser a reação opositora, porque a situação econômica é delicada e, insisto, não há ganhadores. A classe dirigente inteira tem uma responsabilidade que temos que observar de perto, e, em função disso, ver como vai reagir a população.

As disputas políticas entre o governo e a oposição contribuíram para a atual situação econômica?

Sim. Há distintos fatores a serem considerados. Por um lado, há um fator internacional do câmbio, que afeta o mundo inteiro. E, por outro lado, também é certo que a qualidade da discussão sobre temas fundamentais na Argentina também contribui para que essa mudança internacional golpeasse com mais força a Argentina. Esse ponto afeta a classe dirigente inteira, não só o governo. Todo o arco político nacional precisa ser cuidadoso em como tratar esse tema de tarifas, do auxílio ao Fundo Monetário e vários outros temas que vão definir os próximos meses.

A oposição tem uma oportunidade de ganhar espaço?

É preciso esperar. Até o momento, todos perderam. A política perdeu. Por isso que precisam ser cuidadosos, já que a volta ao Fundo Monetário também significa um fracasso da política, como um todo, porque uma grande parte da Argentina oficialista e opositora, não kirchernista, entendia e entende que a responsabilidade da situação é do passado, é uma herança. Todo esse coletivo político também não está conseguindo se colocar em acordo.

Por isso, todos perdem. Me dá a impressão que mesmo se as oposições conseguissem encontrar temas concretos, como o tarifário, por exemplo, ainda assim isso não significaria que teriam uma união geral.

O aumento do dólar e da taxa de juros, o auxílio ao FMI são coisas que costumam acontecer na Argentina e têm muito impacto na opinião pública. Esses fatores vão afetar o debate eleitoral do ano que vem?

Para mim a grande pergunta para a qual ainda não temos resposta, mas que temos que seguir observando é: quais são os fundamentos, as bases que explicam esse governo em termos de opinião pública? Um fator é que esse governo veio para ganhar de Cristina [Kirchner], porque boa parte do eleitorado, mais de 50%, entende que muito da situação presente tem a ver com o passado, uma herança.

Então a pergunta é: essas mudanças econômicas, como você colocou, fazem com que esse fundamento se quebre ou mude? Há uma mudança na opinião pública sobre se parte do presente é responsabilidade do passado? Se não mudar, esse vínculo do governo com a opinião pública se mantém. É preciso ver como o eleitorado vai reconfigurar tudo isso.

O segundo fundamento de como se explica o governo de Macri é via uma perspectiva de futuro, uma ideia de que no futuro a situação vai melhorar, o país vai melhorar, a inflação vai abaixar. Nesse caso, a pergunta é: esse empréstimo do FMI, essa situação econômica, rompem essa ideia de promessa de futuro que explica o governo? Se um desses fundamentos mudar, então veremos claramente ganhadores e perdedores e como se reconfigura tudo isso.

Quando anunciou que ia pedir ajuda ao FMI, Macri inclusive falou que a situação era fruto de um enorme gasto público herdado, pondo a culpa totalmente no passado, o atual governo costuma fazer isso e a população compartilha dessa visão…

O governo na Argentina, e quase qualquer governo democrático, muitas vezes procura um tema ou uma pessoa ou uma situação do passado para colocar a culpa. Assim como o kirchnerismo encontrou nos anos 1990 e na crise de 2001, o Cambiemos [o partido de Macri] escolheu o kirchnerismo, assim como talvez o governo de 2019 possa escolher colocar a culpa no Cambiemos.

Esse é um dos fundamentos que dá sentido a este governo: a culpa está no passado. Até esse momento, a maioria dos argentinos realmente entende que sim, que há boa parte da culpa no passado. É preciso esperar para ver se isso muda, caso mude, isso vai transformar o eixo que governou a política nos últimos anos, que é kirchnerismo contra não-kirchnerismo.

Deixaria de haver esse embate?

Neste mundo bipolar argentino, a polarização convém ao governo, mas também convém ao kirchnerismo. As duas principais forças políticas que existem hoje na Argentina se fortalecem quando estão uma contra a outra, porque ganham sentido.

O kirchnerismo tem sentido estando contra Macri. Macri tem sentido estando contra o kirchnerismo, e o resto das forças tentam ordenar-se nesse mundo bipolar. Esse mundo bipolar é o que vem explicando a Argentina faz anos. E a culpa no passado segue sendo o motor explicativo.

O governo passado sempre buscou rivais para poder se polarizar contra, como os militares, a parte mais retrógrada da igreja, como foi em outros momentos. E isso acontece em vários países do mundo. Na Argentina, a particularidade é que a polarização é útil, convém, aos dois polos. O governo se explica pelo kirchnerismo. O kirchnerismo se explica contra este governo.

Há uma oportunidade para Unidad Ciudadana [partido de Cristina Kirchner] de ganhar mais apoio agora?

O kirchnerismo tem uma base de apoio muito sólida, muito dura e clara. O problema do kirchnerismo não é esse. O problema do kirchnerismo é como crescer para além dessa base. Para o núcleo duro do kirchnerismo, o auxílio ao FMI apenas reconfirma tudo que vêm dizendo, não muda absolutamente nada.

Agora a questão é como reaproximar setores que vem se afastando há anos, lembrando que o kirchnerismo perdeu as eleições de 2013, 2015, 2017 na província de Buenos Aires, que é sua base eleitoral. Para o kirchnerismo o desafio segue sendo o mesmo: como convencer os eleitores que perdeu? É o mesmo desafio que tinha há três dias, há dois anos ou mesmo há quatro anos: como crescer a base eleitoral.

Quais os passos que o governo teria que tomar agora para evitar danos à sua imagem diante da opinião pública?

Controlar a agenda é uma parte muito importante de governar. Faz quinze dias que falamos da subida do dólar, agora vamos ficar mais quinze dias falando do FMI e também das tarifas. Ou seja, quinze, vinte dias para trás ou quinze, vinte dias para frente de temas muito complexos e muito pouco cômodos para o governo.

O desafio é retomar o controle da agenda. Outra coisa é que é preciso seguir mostrando, por mais que seja a conta-gotas, melhoras pontuais, concretas. O governo estava conseguindo três trimestres consecutivos de crescimento, isso não é pouca coisa.

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