Economia

Financiamento estudantil limita taxa de desemprego

Saga familiar de brasileiros que ganharam acesso a uma educação melhor mostra como financiamento estudantil limita taxa de desemprego


	Sala de aula da Kroton: iniciativas estão tornando as instituições de ensino prósperas
 (Germano Lüders/EXAME/Exame)

Sala de aula da Kroton: iniciativas estão tornando as instituições de ensino prósperas (Germano Lüders/EXAME/Exame)

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Da Redação

Publicado em 27 de agosto de 2014 às 23h14.

Brasília - Francisco Melo começou a trabalhar aos 7 anos para ajudar a alimentar seus 10 irmãos e irmãs em uma fazenda brasileira e foi à escola apenas durante alguns dias. Jefferson, seu filho de 17 anos de idade, nunca trabalhou e cursa uma escola técnica.

A saga dessa família está ligada à história de 11 milhões de brasileiros que ganharam acesso a uma educação melhor por meio de iniciativas financiadas pelo Estado na última década.

O movimento está por trás da mais longa contração na força de trabalho no Brasil em pelo menos 12 anos, o que explica como a taxa de desemprego está em uma baixa recorde sob a gestão da presidente Dilma Rousseff mesmo em um momento de desaceleração da criação de empregos.

Os programas que oferecem capacitação grátis para o trabalho, bolsas de estudo e empréstimos estudantis subsidiados estão impulsionando a campanha de Dilma em sua tentativa de reeleição em outubro após entregar o crescimento mais lento de qualquer presidente brasileiro em mais de duas décadas.

As iniciativas estão tornando as instituições de ensino prósperas e protegendo Dilma dos ataques contra o fracasso de sua administração no setor econômico.

“Tudo mudou, agora você pode criar seus filhos numa situação muito melhor”, disse Francisco Melo, que atualmente trabalha como pedreiro no Maranhão e planeja votar em Dilma, por telefone.

“Todo mundo agora tem condições melhores. Acho que foi o próprio governo que influenciou tudo aqui”.

Desde que Dilma assumiu, em janeiro de 2011, o número de pessoas com idade entre 15 e 24 anos na força de trabalho caiu 9,6 por cento, para 3,6 milhões, em seis das maiores regiões metropolitanas do Brasil, segundo o IBGE.

A oscilação contrasta com um incremento de 16,4 por cento no número de pessoas acima dos 50 anos de idade que estão empregadas ou procurando trabalho.

Encolhimento da força de trabalho

A experiência de Jefferson Melo ressoa por todo o Brasil, onde a força de trabalho encolheu por sete meses seguidos até abril, para 24,1 milhões, ou 55,7 por cento da população total, em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre, as áreas metropolitanas monitoradas pelo IBGE.

Isso ajudou a empurrar o desemprego para uma baixa recorde de 5,2 por cento nos 12 meses até abril, o último relatório disponível, mesmo depois que a criação de empregos caiu para um ritmo anual de 536.565, contra 2,1 milhões em janeiro de 2011.

Há um debate entre os economistas a respeito do benefício econômico dos programas educacionais. Alguns argumentam que em uma economia lenta eles levarão a um desemprego mais elevado à medida que os estudantes se formam e entram no mercado de trabalho.

Outros dizem que os programas irão melhorar a produtividade do trabalhador, um elemento fundamental para ampliar o crescimento.

Paradoxo de Dilma

“Temos uma situação inédita, uma dicotomia: a economia não está indo bem, mas a renda e os empregos, sim”, disse Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central, hoje economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, com sede no Rio de Janeiro.

“As pessoas se sentem bem” em parte devido aos programas sociais de Dilma Rousseff, que vão desde transferências de dinheiro e habitação a baixo custo.

O paradoxo econômico de Dilma se reflete nas pesquisas eleitorais: enquanto seu apoio entre os eleitores que ganham até R$ 1.448 (US$ 640) por mês é de 43 por cento, ele cai para 18 por cento entre o grupo com renda maior, que ganha mais de R$ 7.240 por mês, segundo uma pesquisa do Datafolha realizada em 14 e 15 de agosto.

Em outra pesquisa, publicada ontem pelo Ibope, a atual presidente lidera a corrida com 34 por cento de apoio no primeiro turno, cinco pontos porcentuais a mais que a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e 15 pontos porcentuais a mais que o senador Aécio Neves.

O apoio a Dilma é menor que a soma dos outros candidatos, o que, se confirmado nas urnas, garante a realização do segundo turno no dia 26 de outubro.

A pesquisa foi realizada entre 23 e 25 de agosto e tem uma margem de erro de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. O Ibope não publicou imediatamente a divisão das intenções de voto por grupo de renda.

Votos do Nordeste

“Tem que ser para ela porque ela é a única que melhorou as condições para a gente”, disse Francisco Melo, que ganha, juntamente com sua esposa, R$ 1.000 por mês para sustentar sua família. “Não tem jeito, tem que ser para ela. Todos aqui no Nordeste pensam igual”.

Aécio não interromperá a expansão dos programas educacionais, disse Samuel Pessoa, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, que está ajudando o candidato de oposição a elaborar seu programa.

“A primeira coisa que a gente tem que melhorar nesses programas é a transparência. A gente não sabe direito quanto eles custam”, disse Pessoa, por telefone.

O escritório de campanha de Marina Silva não respondeu aos telefonemas em busca de comentário sobre se ela prosseguiria com os programas educacionais do governo se fosse eleita.

Poucos dias

A plataforma eleitoral do Partido Socialista Brasileiro, o PSB, representado por Marina Silva após a morte de Eduardo Campos em uma queda de avião, diz que a desigualdade precisa ser reduzida com a ampliação do acesso ao Ensino Superior.

Francisco Melo, 48, diz que foi à escola por alguns dias e que logo teve que largar os estudos para ajudar a família a plantar milho, mandioca e arroz debaixo do sol equatorial de Alto Alegre, uma comunidade rural do Maranhão, o segundo estado mais pobre do Brasil.

Quando completou 18 anos, ele se mudou para o Centro-Oeste para procurar ouro em uma mina a céu aberto no Mato Grosso, na fronteira com o Paraguai.

Seu filho Jefferson está completando um curso de farmácia de 18 meses em Brasília, que começou neste ano por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, conhecido como Pronatec.

Dilma investiu R$ 14 bilhões para financiar o ensino técnico pós-Ensino Médio para famílias que se beneficiam de programas assistenciais.

Oito milhões de estudantes se matricularam nesses cursos, como esse em que Jefferson estuda, desde que a iniciativa do Pronatec foi criada, em 2011.

Dilma e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, também forneceram R$ 20 bilhões em empréstimos subsidiados para cerca de 1,6 milhão de estudantes e bolsas de estudo para 1,4 milhão de brasileiros.

Subida das ações

As empresas que oferecem cursos pelo Pronatec e que aceitam estudantes com bolsas do governo experimentaram uma ascensão juntamente com o programa de Ensino Superior de Dilma.

A Kroton Educacional se tornou a maior empresa educacional com fins lucrativos do mundo após comprar a concorrente Anhanguera Educacional Participações SA por US$ 3 bilhões em julho.

Suas ações subiram 67 por cento neste ano e têm o segundo melhor desempenho do Ibovespa.

A concorrente Estácio Participações SA avançou 39 por cento. A Ser Educacional, de propriedade do bilionário brasileiro Janguiê Diniz, saltou 47 por cento desde sua oferta pública inicial, em outubro do ano passado.

O Pronatec oferece aulas em áreas como construção civil, petroquímica e construção de embarcações para trabalhadores, estudantes do Ensino Médio e participantes de baixa renda dos programas sociais federais.

“Em termos de perspectiva, acho que com esse programa de governo ela é bastante positiva”, disse Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil, por telefone, de São Paulo.

“Acho que é uma medida que contribui para um aumento na produtividade do trabalhador no país, que é um dos fatores chave para voltar a crescer”.

A grande quantidade de formados pode ter problemas para encontrar emprego porque os períodos extensos de crescimento lento e a inflação rápida tendem a fazer com que as empresas deixem de contratar, disse Pedro Tuesta, economista sênior para a América Latina da 4Cast, por telefone.

Nos primeiros três anos de Dilma na presidência, o Brasil cresceu uma média de 2,1 por cento ao ano, a expansão mais lenta de um presidente desde que Fernando Collor deixou o cargo, em 1992, em meio a um escândalo de corrupção.

O crescimento cairá para 1 por cento neste ano, ficando atrás da média latino-americana e global, segundo analistas consultados pela Bloomberg.

Demanda mais baixa

“A economia está fraca e a procura por trabalho está caindo”, disse Tuesta, da 4Cast, por telefone, de Washington. “Essa contração da força de trabalho não pode durar. Mais trabalhadores com demanda mais baixa definitivamente é algo que aumenta o desemprego”.

Jefferson disse que ainda está pensando se procura um emprego em uma farmácia ou se estuda biomedicina com uma bolsa de estudos do governo.

“Meu futuro será muito melhor porque o conhecimento abre portas”, disse Jefferson. “A situação dos meus pais não é tão precária quanto no passado, mas eles ainda trabalham muito, e eu espero ter muito mais”.

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