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Feliz ano velho

Se tudo der certo, 2004 deverá ser um repeteco de 2000, um dos melhores anos do Real

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h31.

Com alguma sorte, que nos livre, por exemplo, de um choque externo, 2004 pode representar para este ano o que 2000 representou para 1999: uma forte recuperação em seguida a um período de crise aguda de confiança, desvalorização do real e inflação. Praticamente ninguém mais duvida que a atividade econômica está se acelerando neste momento e que o Natal deste ano estará no azul, isto é, será melhor que o do triste 2002. Há também amplo consenso sobre como começa a recuperação: pelo consumo, reanimado por fatores como a queda da inflação, a redução dos juros e a ampliação das modalidades de crédito.

É verdade que, por enquanto, os sinais de recuperação são visíveis a olho nu apenas no mercado financeiro. A Bolsa de Valores de São Paulo saltou de um patamar de 13 000 pontos, no início de agosto, para perto de 17 000 na segunda semana de setembro. Depois caiu, em um provável movimento de realização de lucros, mas ainda assim ficou quase 25% acima do mês anterior e nada menos que 85% acima das cotações de um ano atrás (os 8 623 pontos do fechamento de 30 de setembro de 2002, véspera da eleição de Lula).

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O dólar permanece estável, mesmo com o governo comprando no mercado à vista e reduzindo a quantidade de títulos indexados à moeda americana. Juros e risco Brasil vieram em queda, tudo sugerindo que o espetáculo do crescimento já está começando.

Ao se olhar, entretanto, para os números de produção e vendas de varejo, o cenário é desanimador. Tudo está em queda. Assim, por exemplo, o IBGE apurou que as vendas no varejo em julho último caíram 4,36% em relação ao mesmo período do ano passado, sendo o oitavo mês seguido de retração nessa base de recuperação. A Associação Comercial de São Paulo informa que as consultas ao sistema SCPC (indicador das vendas a crédito) diminuíram quase 8% na primeira quinzena de setembro, contra o mesmo período de agosto. As consultas ao Usecheque (termômetro das compras à vista) foram 5,6% mais baixas, na mesma comparação.

Mas com algum malabarismo, garimpando os números aqui e ali, encontram-se alguns sinais positivos. Os analistas da consultoria Tendências notam que na comparação mês contra mês anterior, tudo dessazonalizado, as vendas de duráveis cresceram pelo terceiro mês consecutivo na pesquisa de varejo do IBGE. Do mesmo modo, as quedas nas consultas aos sistemas da Associação Comercial parecem compatíveis com o padrão sazonal. As vendas em razão do Dia dos Pais acontecem na primeira quinzena de agosto. Outro indicador importante: a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) registrou em agosto vendas 5% maiores do que em julho (vendas reais, descontada a inflação). É verdade que agosto teve quase uma semana a mais, porém de todo modo foi o segundo mês seguido de recuperação. Julho teve resultado de 4,11% acima de junho, que registrara queda de mais 8% sobre maio. Já no acumulado do ano até agosto, a queda é de 1,88% sobre o mesmo período de 2002, mas o presidente da Associação, João Carlos de Oliveira, espera terminar este ano no zero a zero.

Ou seja, os números referentes a este ano são piores que o esperado. A economia crescerá menos que 1%. Mas a expectativa daqui em diante é que os próximos indicadores possam ser melhores que o esperado. O consumo é animado pela queda da inflação, o que elimina a principal causa da queda de vendas no varejo. Por causa da inflação, que chegou a bater em 17% em termos anuais, o poder aquisitivo da renda do trabalho caiu 15% de julho do ano passado a junho último, conforme o IBGE. Com inflação comportada, essa sangria é contida.

Depois vêm as reduções de juros, já combinadas a uma queda dos depósitos compulsórios que os bancos devem manter no Banco Central. A taxa básica de juro fixada pelo BC caiu de 26% para 20% em três meses e deve encerrar o ano perto de 17%. No mercado, os juros de um ano já estavam em torno de 18,5% em setembro, abaixo da taxa do BC, indicando o movimento de queda. Os juros reais podem reduzir-se para menos de 10% já no início de 2004. De outro lado, o governo lançou uma série de medidas destinadas a animar o crédito: microcrédito, linha especial do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal para financiamento de eletroeletrônicos a juros menores e, finalmente, os financiamentos com desconto em folha. A primeira medida tem forte efeito social, mas pouco significa em termos econômicos. A segunda é um casuísmo, um quebra-galho. A terceira, sim, pode ter algum efeito duradouro.

Uma das causas dos juros elevados no crédito pessoal é a falta de garantia. Exemplo: taxas no cheque especial acima de 170% ao ano, contra taxas pouco acima de 40% no financiamento de automóveis. A diferença é que o carro, que se pode retomar, é a garantia. Como o desconto em folha é uma poderosa garantia, os juros devem cair, como, aliás, já anunciaram grandes bancos interessados no novo negócio. É certo que o desconto beneficia apenas uma parcela de 40% dos trabalhadores, os que têm carteira assinada, mas já é um bom começo.

Finalmente, o próprio ambiente econômico está mudando. Os índices de confiança do consumidor e do empresário ainda não avançaram -- em parte por causa das más notícias sobre o comportamento da economia até aqui --, mas quem circula pelo país já percebe um sentimento de alívio. É possível resumir a situação assim: a crise de confiança começou a se instalar por volta de abril do ano passado, quando se firmava a convicção de que, primeiro, Luiz Inácio Lula da Silva ganharia a eleição e, segundo, que o governo do PT seria ruim, estatizante, populista, antimercado. A política econômica clássica aplicada por Lula dissolveu essa crise de tal modo que os indicadores financeiros voltaram aos níveis do início do ano passado. O combate à inflação foi eficaz, mas deixou a economia (produção, renda, consumo) no chão.

Foi o preço pago. Agora, começa de novo. E 2004 pode ser parecido com 2000, o ano seguinte à primeira grande desvalorização do real (veja quadro). E ainda há algumas situações melhores. As contas públicas hoje estão melhores do que em 2000, então o primeiro ano em que o governo conseguia superávit primário. Agora, já são quatro anos de austeridade fiscal e de regime de metas de inflação, aplicado por um BC autônomo na prática. A reforma da Previdência é outro avanço importante.

Talvez a situação internacional, marcada pela provável recuperação da economia americana, seja mais amistosa, salvo surpresas. Neste momento, o risco-país e, pois, as taxas de juro internacionais estão em níveis baixos para todos os emergentes. Assim, passado o sufoco, o consumidor pode voltar ao shopping, e os investidores, passada a desconfiança, começam a retirar os projetos da gaveta. Com o que já se tem, dá para crescer pelo menos 3% no ano que vem. Bem melhor do que o que tivemos nos últimos três anos, mas insuficiente. Mais do que isso vai depender da continuidade das reformas e de um elenco de medidas macro e microeconômicas que estimulem o investimento privado. É o novo teste por que passa o governo Lula neste momento.

REPETINDO 2000?
As semelhanças entre os números de 1999
e 2003 indicam um 2004 melhor
Ano 1999 2000 2003* 2004*
PIB (em %)0,794,360,833
Inflação IPCA (em %)95,99,596,1
Juro real (em % ao ano)**14,810,7139,5
Taxa básica/dez (em % ao ano)1915,7517,815
*Cenários do Boletim Focus, do Banco Central
**Taxa básica de juro, média do ano, descontada pelo IPCA
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