Montezano: A ideia é “trazer toda a infra-estrutura financeira que temos para implementar esse plano”, disse ele. (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Ligia Tuon
Publicado em 21 de novembro de 2019 às 14h15.
Gustavo Montezano tem uma nova missão para o inchado banco de desenvolvimento do governo brasileiro: pare de inundar a economia com crédito subsidiado e comece a parecer mais um banco de investimento tradicional.
Montezano, que se tornou presidente do BNDES em julho, após 17 anos de carreira no mercado financeiro, diz que seus novos clientes são o governo federal, Estados e cidades.
“Estamos construindo uma equipe de banco de investimento para cobrir ministérios, todo o Estado, as 100 principais cidades”, disse Montezano, 39 anos, em entrevista na sede da Bloomberg em Nova York. “Faremos um trabalho tradicional de banco de investimento -- batendo nas portas dos clientes, propondo a venda de ativos, concessões e otimização de portfólios”.
A ideia é “trazer toda a infra-estrutura financeira que temos para implementar esse plano”, disse ele.
A estratégia é bem diferente da adotada por administrações anteriores, que usaram o banco de desenvolvimento para construir “campeões nacionais” -- gigantes corporativos, como a JBS SA, que usaram bilhões do BNDES em empréstimos e compra de participações para se tornarem competidoras globais em seus negócios. A política levou a carteira de empréstimos do BNDES para R$ 695 bilhões no fim de 2015.
Como parte dos esforços do presidente Jair Bolsonaro em diminuir o tamanho do Estado, o BNDES está agora tentando vender sua participação nessas empresas e em outras, e ajudando o governo a privatizar ativos como a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos SA e a empresa de energia Centrais Elétricas Brasileiras SA.
“Ainda estaremos lá emprestando -- não haverá falta de crédito para empresas brasileiras --, mas com a quantidade de capital procurando investimentos em todo o mundo, não precisamos ser o único credor”, disse Montezano, que foi um executivo do Banco BTG Pactual SA, incluindo uma passagem como sócio-gerente para a área de empréstimos corporativos. “Nossas capacidades de empréstimo serão usadas como um catalisador para trazer mais capital de outras fontes.”
Nascido em Brasília e criado no Rio de Janeiro, Montezano ingressou no governo após passagem pela Engelhart CTP, trading de commodities, onde era diretor de operações. Antes de se mudar para o BNDES, foi secretário de privatização do Ministério da Economia. Montezano obteve seu diploma de mestrado na Ibmec, uma escola de negócios do Rio, e é bacharel em engenharia mecânica pelo Instituto Militar de Engenharia da cidade, de acordo com seu perfil do LinkedIn.
Os antecessores de Montezano já tinham começado a cortar a carteira de empréstimos do banco, que caiu para R$ 463 bilhões em setembro. Eles também tentaram vender parte dos R$ 120 bilhões em participações societárias, que incluem fatias na estatal Petroleo Brasileiro SA e na produtora de papel Suzano SA, embora sem muito sucesso.
O novo presidente está fazendo mudanças para ajudar o BNDES a vender algumas dessas participações, que ele chamou de “portfólio especulativo de ações”. Elas incluem novas regras para definir melhor o que seria considerado um “preço justo” para uma venda e alterar os regulamentos internos para exigir a aprovação do conselho para qualquer venda com valor superior a R$ 1 bilhão.
Em um dos primeiros passos nessa direção, a JBS disse na terça-feira que o BNDES contratou bancos para vender uma participação na empresa. O BNDES tem cerca de 21% das ações da JBS, o maior acionista após a família Batista.
“Estamos em um momento positivo para os mercados acionários brasileiros agora”, disse Montezano na quarta-feira em um fórum em Nova York patrocinado pelo Banco Bradesco SA, acrescentando que vendas poderão ser realizadas este ano. O objetivo é alienar todo o portfólio em três anos, disse ele.
O executivo disse que, no entanto, prefere esperar a conclusão do IPO da Saudi Aramco antes de pensar em vender participação na Petrobras.
Montezano disse que o BNDES tende a ser mais conservador do que um investidor privado, portanto o processo de vendas pode demorar mais. O objetivo é evitar afetar os preços de mercado.
Outro legado das administrações anteriores que Montezano está tentando desfazer é a dependência do Estado dos lucros do banco de desenvolvimento para ajudar a equilibrar o orçamento.
“Nos últimos 15 anos, o BNDES foi usado como uma máquina de receita primária” para o governo, disse. Isso “deixou o banco muito ávido por lucros e participação de mercado” e foi uma distração do que deveria ter sido o principal objetivo da instituição, disse ele.
“Não estamos aqui para obter lucros, mas para melhorar a vida do povo brasileiro, melhorar a produtividade da economia, melhorar as condições sociais e ambientais”, disse Montezano.
Mesmo assim, o BNDES está pagando R$ 132 bilhões este ano ao governo, incluindo R$ 9,5 bilhões em dividendos. O objetivo é devolver mais de R$ 200 bilhões até o final de 2022.
O dinheiro será usado para reduzir a dívida total do governo, mas esse não deve ser o objetivo principal, de acordo com Montezano. A prioridade deve ser “diminuir o tamanho do Estado”, porque um governo que atua como “empreendedor ou investidor traz baixa produtividade para nossas empresas”, afirmou.
Os investimentos futuros em ações do BNDES em empresas brasileiras “devem ser algo vinculado a uma privatização -- investir em uma empresa que pretende ser privatizada, que é o primeiro passo para a privatização -- ou que tenha uma clara perspectiva de desenvolvimento, de construir algo, criar alguma coisa ”, ele disse.
O BNDES disse que o governo concluiu privatizações no total de US$ 28 bilhões em 2019, em comparação com a meta de US$ 20 bilhões anunciada no início do ano. Números maiores devem ser esperados em 2020 e 2021, disse ele. Entre as vendas futuras estão a Eletrobras, estatal de eletricidade, e a empresa de correios, que “também já está no caminho certo”, disse Montezano.
As novas prioridades para privatizações e empréstimos serão os setores de gás, saneamento e água, além de rodovias, ferrovias, aeroportos e concessões portuárias.
“Queremos ter certeza de que não haverá falta de financiamento para o saneamento”, disse Montezano no evento do Bradesco.