"Eu privatizaria todas as estatais", diz André Lara Resende
Um dos pais do Real e colaborador da campanha de Marina Silva (Rede), economista vê "uma espécie de cupim" comendo Estado brasileiro por dentro
João Pedro Caleiro
Publicado em 3 de agosto de 2018 às 06h00.
Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 09h06.
São Paulo - Privatização das estatais, idade mínima para aposentadoria, abertura comercial e uma reforma tributária com Imposto de Valor Agregado (IVA).
Esta é a visão defendida para o país por André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real e atual sócio da gestora de recursos Lanx Capital.
O economista é colaborador de longa data da presidenciável Marina Silva (Rede), mas destaca que não fala em nome da campanha, que não tem um coordenador econômico único.
Resende também foi diretor do Banco Central em 1985, negociador da dívida externa em 1993 e presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em 1998.
Mais recentemente, causou polêmica ao defender que juros altos pode alimentar ao invés de conter a inflação, na contramão da ortodoxia econômica.
Veja a entrevista realizada nesta terça-feira (31) no escritório da Lanx em São Paulo:
EXAME – Quem assumir em 2019 terá duas amarras, a regra de ouro e o teto de gastos, e um déficit primário na casa dos R$ 140 bilhões. Qual deve ser o plano imediato?
André Lara Resende – Não tem plano imediato. Todo mundo tem consciência que o déficit, entre 1,5% e 2% do PIB, deve ser no mínimo zerado em 2 anos, e idealmente revertido em superávit da mesma magnitude.
Isso estabiliza a relação entre dívida bruta e PIB, hoje por volta dos 75%. O número não é insustentável, mas a trajetória de crescimento é.
Regra de ouro e teto não serão uma restrição efetiva nos próximos 2 anos, uma análise compartilhada pela Fazenda, Tesouro, BC e outros, o que não significa que possa se descuidar.
A Previdência responde por metade dos gastos primários, e a reforma apresentada pelo governo Temer não passou. Qual deve ser o modelo?
Primeiro, uma Previdência equilibrada, sem déficits crescentes. Há duas distorções: uma é que a Previdência é desigual, com categorias privilegiadas que se aposentam com salário integral, algo que não existe em nenhum lugar do mundo. Há um consenso de que estes excessos devem ser revistos.
Mas não seria suficiente, porque o problema de fundo é nosso sistema de repartição simples. Ele é muito superavitário quando a população está jovem e crescente, porque tem mais gente contribuindo do que aposentada, mas se torna um problema com a mudança demográfica - que aconteceu em todos os países desenvolvidos, mas aqui de forma mais rápida.
Idealmente, deveríamos transitar para um sistema misto, mantendo repartição para uma renda básica e acima disso um sistema de capitalização.
Mas essa transição agrava o problema no curto prazo, e se puder ser feita terá que ser muito longa.
Idade mínima é uma necessidade?
Sem dúvida, pois também há um aumento da expectativa de vida. Vários parâmetros podem ser mexidos, mas esse é muito relevante.
Na campanha de 2014, Marina foi atacada por defender a autonomia formal do Banco Central, algo que saiu da plataforma neste ano. Qual é a sua posição?
Nunca fui a favor de independência formal do BC; acho que deve ter independência operacional, como tem hoje e teve nos últimos anos.
A obsessão com a independência institucional é uma obsessão formalista, parte da mentalidade brasileira de que um problema se resolve com uma lei, mas isso não resolve e cria outras restrições.
A reforma trabalhista foi talvez a mudança mais polêmica dos últimos anos. O que ela teve de positivo e negativo, na sua visão?
A lei trabalhista brasileira, copiada pelo governo Vargas do corporativismo fascista de Mussolini, em dado momento assegurou direitos aos trabalhadores. Em um mercado de trabalho desorganizado como aquele do início do século XX, foi um avanço, mas envelheceu e criou um problema gravíssimo.
A contribuição sindical obrigatória era algo cartorial, para um uso do dinheiro que não tinha nada a ver com a defesa do trabalhador. Virou um custo altíssimo de restrição ao emprego e contraproducente para aqueles desempregados e na informalidade, que não tem nenhuma proteção.
Tem que desmontar essa máquina anacrônica, que além de dar margem para o Brasil ter virado campeão mundial de disputa trabalhista, é um custo para as empresas e um desestímulo à contratação.
Nesse sentido, a reforma é muito positiva, mas foi apresentada de forma confusa, e o jeito que foi aprovada criou incertezas. Como muita coisa no governo Temer, foi feita de forma atabalhoada, ainda que na direção correta.
A Marina bate muito na tecla da legitimidade, e grandes reformas costumam passar no início de governo. Uma reforma tributária deve ser prioridade?
É fundamental. Tributação no Brasil é um caos, com custo altíssimo de cumprimento. O sistema de PIS/Cofins de alíquotas diferenciadas, que a própria empresa não sabe qual pagar, torna o sistema complexo e desigual. Simplificação e equidade devem ser as linhas básicas.
O Brasil tem hoje um sistema com exceções de todos os lados e benesses dadas para grupos que conseguem capturar o Estado e fazer pressão para reduzir a sua tributação. Idealmente, caminharíamos para um Imposto de Valor Agregado (IVA) com alíquota única e revisão de todas as exceções.
Essa questão do corporativismo tem sido muito citada, mas de forma genérica. Que corporações são essas?
Tantas que não dá para enumerar. O Estado brasileiro foi capturado por dois tipos de força: uma é patrimonialista, que estão dentro do Estado e o usam para próprio benefício, como o funcionalismo público.
E outras forças são os grupos de interesses específicos que usam o Estado e entram dentro dele, forçando a apropriação de renda através de pressão politica.
O desafio é reduzir essa capacidade dos grupos captadores de renda, que são uma espécie de cupim: não apenas captam a renda, mas dificultam para aqueles que outros a criem em uma economia de mercado.
O fechamento da economia brasileira ao comércio internacional também é consequência disso?
Não há evidência de país que escapou da armadilha da renda média, essa estagnação após o primeiro impulso de industrialização como é o nosso caso, sem se integrar com as cadeias de comércio.
É um dado: o Brasil é a economia mais fechada do mundo, considerando a soma de importações e exportações como proporção do PIB.
Isso é resultado de interesses corporativos? Sim, também. A estratégia de industrialização com substituição de importações fez sentido no início da segunda metade do século XX. Pode se criticar, mas a defesa da indústria nascente tem uma racionalidade, e levou o país a se industrializar.
Mas a partir de certo ponto se torna disfuncional. O país já se industrializou e continua protegido e fechado, impedindo que a competição internacional aumente a produtividade e crescimento e garantindo renda monopolista. Mais uma vez, é a captura de renda por setores.
Como seria um plano de integração, em termos de prazos e focos?
A estratégia precisa ser programada e organizada. Existe grande risco de sair pela culatra se for de supetão, como no governo anterior de Enrique Peña Nieto no México e de certa forma na Argentina com o Mauricio Macri. Os governos fizeram a coisa correta mas a transição foi radical, gerando problemas que obrigam as forças politicas a se mobilizarem contra.
Tem que ter um prazo anunciado, não longo demais, para permitir que a economia local se adapte e os investimentos sejam feitos com essa visão. E tem que ser feito conjuntamente com acordos comerciais, multilaterais e bilaterais, inserindo a economia brasileira nas cadeias produtivas mundias.
A Marina sempre foi identificada com o ambientalismo e com uma ênfase menor no consumismo. Foi isso que aproximou vocês dois?
Toda a história de vida da Marina é de preocupação ambiental. Para mim sempre foi claro que os limites físicos do planeta devem ser incorporados à economia, e agora a restrição se aproxima perigosamente - especialmente com o aquecimento global.
É inviável generalizar para a população atual do planeta os padrões de consumo que os Estados Unidos e outros países avançados tiveram na segunda metade do século XX. A qualidade de vida está associada com um nível mínimo de consumo, mas a partir de certo nível, mais consumo não gera qualidade de vida nem felicidade; é uma obsessão que causa frustração.
Ter carro era expressão de liberdade, mas você hoje fica horas em um trânsito infernal, recebendo multas de um Estado que coloca armadilhas para todos os lados.
Os elementos do bem-estar são: não se sentir ameaçado, e por isso a questão da criminalidade é fundamental, ter escola para os filhos e principalmente, saneamento e saúde. Não é poder comprar celular, carro, três televisões e quatro geladeiras.
A Marina fala que não é contra privatizar, mas tira Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras da lista. Você concorda?
Eu não acredito no laissez-faire radical, mas não acho que o Estado deva ser empresário. Pode até ser transitoriamente em momentos excepcionais; isso provavelmente se justificou na historia – com certeza no BB, provavelmente na Petrobras e talvez na Caixa. Mas eu privatizaria todas as estatais.
Não privatizar, como Marina já falou, para cobrir déficit de caixa; como ela disse "vender as pratas da família para pagar gastos do mês". São coisas separadas. Mas o Estado empresário é fonte de corrupção, ineficiência e baixa produtividade.
Petrobras, BB e menos a Caixa, na minha opinião, têm um efeito simbólico que deve ser respeitado, mas não significa que não se possa flexibilizar, e muito, a distribuição e refino de petróleo, por exemplo.
A geração de energia tem implicações ambientais, como no óleo e gás, que exigem um marco regulatório repensado e inteligente antes de ser privatizado, mas as distribuidoras da Eletrobras são altamente deficitárias e faz sentido privatizar.
O mercado financeiro parece confortável com a vantagem de Bolsonaro nas pesquisas, talvez pela associação com Paulo Guedes, apesar do seu histórico estatizante. Estão precificando o risco da sua vitória?
É difícil dizer, estamos um pouco longe da eleição. Bolsonaro lidera as pesquisas e avalia-se que estaria no segundo turno, apesar de perder para quase todos nele.
Não é exatamente que estejam precificando sua vitória, e a experiência mostra que o que os candidatos dizem não é necessariamente o que vão fazer. Não estou defendendo ele, mas a prática costuma ser mais moderada do que a retórica.
Ao escolher um economista de liberalismo radical, Bolsonaro fez um aceno entendido como positivo, mas não acho que signifique nada. A eleição está muito em aberto e os sinais dos preços não são de uma enorme inquietação - muito diferente de 2002, por exemplo. Eu acho que vamos chegar até o final do ano sem grandes perturbações financeiras.