Thomas Friedman, escritor: as mortes por desespero serão maiores do que as mortes por coronavírus se não encontrarmos uma forma de solucionar o problema diminuindo os riscos (Sean Zanni / Colaborador/Getty Images)
Natália Flach
Publicado em 7 de abril de 2020 às 20h04.
Última atualização em 7 de abril de 2020 às 23h53.
Ganhador de três prêmios Pulitzer, o jornalista Thomas Friedman escreveu recentemente, em um artigo no jornal The New York Times, que a cura do coronavírus pode ser pior do que a doença. Ele se referia à recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de fazer isolamento social para conter o avanço da pandemia mundo afora. Segundo o escritor, os efeitos econômicos da medida podem ser catastróficos. De fato, dia após dia, casas de análises e bancos revisam para baixo o produto interno bruto dos países. "Estamos vivendo a mãe de todos os testes de estresse", afirma o escritor, em transmissão pela internet à EXAME Academy, mediada pelo controlador do BTG Pactual, André Esteves. O BTG é controlador da EXAME.
"É muito diferente do que vimos nos últimos anos, na crise financeira de 2008, pois não se trata apenas dos bancos. Trata-se de um teste de estresse de todas as sociedades." Isso porque o coronavírus diferencia as pessoas como indivíduos (as que têm melhor e as que têm pior sistema imunológico); os países que são mais ou menos bem governados; os sistemas de saúde, que são eficazes e os que não são, e até as sociedades que conseguem enfrentar a dificuldade como um grupo coeso e as que não conseguem.
Enquanto isso, o mundo é palco de uma competição entre duas forças exponenciais — a inovação e a natureza. A primeira é representada pela lei de Moore (Gordon Moore, fundador da empresa de tecnologia Inter) que dizia que a velocidade dos chips iria dobrar a cada 24 meses. "É uma metáfora da inovação. Estamos desesperados por vacinas e medicamentos, tanto que o mundo inteiro está trabalhando nisso." Já a segunda é a lei da covid-19, que é regida pela "mãe natureza", que faz com que 59.000 pessoas sejam infectadas em poucos dias. "Estamos em uma corrida entre essas duas forças exponenciais."
Pode haver diferentes modelos para o fim do isolamento social completo até que a cura para a doença seja descoberta. Em qualquer um deles, no entanto, o escritor aponta a necessidade para que haja uma unidade nacional, a fim de evitar "minicrises". "Atualmente, está todo mundo ajudando os vizinhos, sendo legal. Mas, nas próximas semanas, as pessoas vão ver a vasta destruição que o isolamento causou a empresas, poupanças e aposentadorias. Nesse momento, vamos ter tensão social", afirma.
Não é por acaso que, nesta terça-feira, o banco francês BNP Paribas estimou uma queda mais drástica na atividade do Brasil. Até então, a instituição previa uma retração de 1% e agora projeta um recuo de 4% em 2020. Ontem, o espanhol Santander já havia anunciado que estima uma contração de 2,2% do PIB, ante 1% de queda previsto anteriormente. "As mortes por desespero serão maiores do que as mortes por coronavírus, se não encontrarmos uma forma de solucionar o problema diminuindo os riscos."
A redução de riscos passa também pela criação de um banco de dados de saúde de toda a população. Com os testes em massa, segundo Friedman, será possível liberar as pessoas do isolamento social que já estão curadas do coronavírus ou que não tiveram a doença. "O problema é que somos uma federação [Estados Unidos], e podemos ter diferentes decisões em Oklahoma e Maryland. Seja como for, a estratégia deve ser baseada em informações."
Para ele, a forma como prefeitos, governadores e até o presidente Donald Trump vem lidando com a pandemia poderá definir as eleições americanas. "As primárias que aconteceram já não terão mais impacto algum sobre a corrida eleitoral." Friedman acha que os Estados Unidos fizeram péssimo trabalho na contenção da doença, diferentemente da Alemanha. "Espero que isso nos faça acordar para conseguirmos sair desse impasse político entre republicanos e democratas", diz. "Podemos desbancar nazistas e comunistas, mas a mãe natureza não tem piedade. Nunca tivemos um inimigo como esse vírus."
Friedman acredita que, no futuro, surgirá um debate sobre os limites da privacidade dos prontuários médicos. "Assim como aconteceu após o 11 de setembro [no ataque às torres gêmeas], as pessoas vão querer saber se ao lado delas no avião está uma pessoa que tem ou teve coronavírus. Pode ser que tenhamos de abrir mão de alguns direitos para garantir a volta da economia."
Até o momento, o país registra 114 mortes por causa da covid-19 e o total de infectados chega a 667. Os números são de registros oficiais, mas projeções matemáticas sugerem que eles representem apenas 10% do total real de infectados. Para calcular o número real de casos de coronavírus no país, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, vai usar uma metodologia similar à de pesquisas eleitorais. Os testes começam em 15 dias, e antes do fim de maio o país já deve ter uma dimensão mais clara da epidemia.