Economia

Em economia, uma escolha cruel pode ser justa?

Fabio Giambiagi, do BNDES, defende num novo livro um ajuste na previdência agora que o país atravessa uma fase boa de crescimento

Giambiagi: seria egoísta não pensar nos jovens da próxima geração (.)

Giambiagi: seria egoísta não pensar nos jovens da próxima geração (.)

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Da Redação

Publicado em 19 de maio de 2010 às 14h48.

São Paulo - O título do novo livro dos economistas Fabio Giambiagi e Paulo Tafner já entrega tudo: Demografia, A Ameaça Invisível - O Dilema Previdenciário que o Brasil se Recusa a Encarar. Em entrevista a EXAME, Giambiagi, que é funcionário do BNDES, afirma que o país pode perder uma oportunidade de ouro se não mudar o sistema previdenciário agora, justamente num período de crescimento. Segundo ele, é possível fazer mudanças perfeitamente defensáveis e justas, e que qualquer Presidente da República poderia - e deveria - encampar, sem medo de olhar nos olhos do eleitor.

EXAME
- Há muitos anos o senhor bate na tecla da necessidade de mudanças no sistema de Previdência Social do país. Por que o senhor acha que mexer na Previdência é tão imprescindível?

Giambiagi - Não usaria o termo "imprescindível". A palavra certa é "recomendável". E é recomendável porque se fizermos alguns ajustes, o Brasil que legaremos para nossos filhos será um país melhor. Adiar ou não fazer esses ajustes tornará, pelo contrário, mais onerosa a vida no futuro. Não chega a ser correto dizer que a reforma é imprescindível porque sem reforma o país vai sobreviver, mas será um Brasil com uma carga tributária maior e investimento menor do que poderia ter, caso os ajustes sejam feitos.

EXAME - Duas das candidatas à presidência da República, a Dilma Rousseff e a Marina Silva, declararam recentemente a EXAME que o déficit da Previdência é contornável e que o crescimento econômico, com a conseqüente expansão do número de trabalhadores contribuintes, resolveria o problema. O senhor concorda com isso?

Giambiagi
- Considero que essa não é a forma adequada de encarar o problema. Cito sempre um dado: se eu, em vez de me chamar Fabio, me chamasse Fabiana e meus pais tivessem começado a pagar o carnê do INSS quando eu tinha 18 anos, hoje, aos 48 anos, poderia estar aposentado. Chega a ser quase grotesco que a nossa legislação permita isso. É claro que o crescimento equaciona muitas coisas, mas com o país crescendo a 3%, a 4% ou a 5%, ter essa legislação benevolente me parece simplesmente jogar recursos públicos pela janela.

EXAME
-  O crescimento econômico dos últimos anos e a criação recorde de postos de trabalho formais, que vêm sendo batidos recentemente, podem ajudar a postergar as mudanças, certo? Isso não seria um desperdício de oportunidade?

   <hr>  <p class="pagina"><strong>Giambiagi</strong> - Exatamente. A expressão é essa: "perda  de oportunidade". Há dois ou três anos venho dizendo que o país terá  que se mostrar extraordinariamente incompetente para não ter uma boa  década nos anos de 2010 em diante. Porém, temos que pensar não só no que  vai acontecer entre 2010 e 2020, mas também no que ocorrerá entre 2020 e  2030. E o fato é que se nossa geração for egoísta o suficiente para não  fazer nada na época das "vacas gordas", o que diremos a nossos filhos  daqui a 20 anos, quando os bons tempos passarem?<br> <br> <strong>EXAME</strong> - O senhor já  chegou a afirmar que o Brasil vem fazendo a escolha errada, ao  privilegiar os mais velhos, em vez de as crianças e jovens, numa  afirmação que pode ser interpretada como cruel.<br> <br> <strong>Giambiagi</strong> - A  afirmação original não é minha, mas de um economista estrangeiro que  ficou impressionado ao ser apresentado aos números do Brasil num  seminário internacional. Os números que o impressionaram mostravam que  dois a cada três aposentados tinham aumentos reais todos os anos,  enquanto os indicadores de miséria eram muito maiores entre as crianças  que entre os idosos. Ao final, ele disse o seguinte: "é como se o país  estivesse fazendo uma opção pelo passado em detrimento do futuro". É por  essas questões que a economia pode ser definida, de certa forma, como  uma "ciência cruel", por lidar com escolhas que são difíceis.<br> <br> <strong>EXAME</strong> -  O senhor está querendo dizer que algumas decisões aparentemente  cruéis podem ser mais justas?<br> <strong><br> Giambiagi</strong> - Vamos colocar a questão nos  seguintes termos. Imaginemos uma família em que o pai dá o duro todos os  dias. Acorda antes das seis da manhã, trabalha até as sete da noite e  sustenta dois filhos, além de ajudar todos os meses o pai aposentado. Se  ele tiver um aumento salarial, onde ele deveria aplicar esses recursos?  Mudando os filhos de escola, para que tenham uma educação melhor, ou  passando mais dinheiro para seu próprio pai? São escolhas difíceis. De  qualquer forma, deve ficar claro o seguinte: o que seria de fato cruel  seria reduzir o salário dos aposentados, absurdo que obviamente eu não  proponho. A questão que tenho colocado é: onde a sociedade deve colocar  mais recursos? Na ampliação dos investimentos em educação e  infraestrutura ou no aumento das aposentadorias? A resposta natural é  "em tudo". O problema é que o resultado disso acaba sendo uma carga  tributária que, aos poucos, vai se aproximando de 40% do PIB.</p>       <hr>  <p class="pagina"><strong>EXAME</strong> - Por que o Brasil tem tanta dificuldade para tocar nos assuntos  Previdência e legislação trabalhista? Isso tema algo a ver com nosso  passado de escravidão?<br> <br> <strong>Giambiagi</strong> - Honestamente, acho que o  passado de escravidão não tem qualquer relação com o assunto. Estou  nessa arena há 18 anos, desde meu primeiro artigo sobre Previdência, em  1992. Participei de inúmeros debates sobre o tema, indo desde sindicatos  até o sistema financeiro, passando por universidades, eventos de todo  tipo e câmaras empresariais. Em quase todos os casos (a não ser quando o  auditório é claramente simpatizante das teses que eu defendo) quando eu  começo a defender certas ideias, noto sempre um certo desconforto  inicial. Porém, à medida que o debate vai se desenvolvendo, a cada dia  me convenço mais dos efeitos positivos de uma abordagem honesta, educada  e baseada em bons argumentos. Ninguém gosta de se aposentar mais tarde,  mas minha experiência indica que nunca se deve subestimar a  inteligência alheia. Quando você mostra para o cidadão comum o que está  acontecendo com os números fiscais, como são as regras de aposentadoria  no resto do mundo e quais as tendências demográficas para o Brasil,  quase sempre a pessoa presta atenção e sai convencida de que "algo deve  ser feito". Boa educação, respeito e bons argumentos são fatores  poderosos de persuasão.<br> <br> <strong>EXAME</strong> -  O que seria uma reforma  possível, considerando as dificuldades políticas que qualquer presidente  teria?<br> <strong><br> Giambiagi</strong> - Ninguém depende de uma reforma ideal. O que  propomos no livro é uma reforma possível. Considerando todas as  restrições que existem, ela seria baseada em três pilares. Primeiro  teria regras bastante duras para quem ainda vai ingressar no mercado de  trabalho. Essas pessoas vão se aposentar no Brasil de 2050, um país  muito diferente do atual e em que as pessoas viverão muito mais, sendo  natural, portanto, que trabalhem por mais tempo. O segundo pilar é o da  ausência de mudanças para quem já está aposentado, já que os direitos  adquiridos são sagrados. O terceiro pilar seria uma regra de transição  para aquelas pessoas que já estiverem na ativa. Essa transição seria  baseada na transferência da proporcionalidade da parcela dos direitos  adquiridos aos quais a pessoa fez jus pelo tempo de trabalho já  incorrido. Assim, se uma pessoa do sexo masculino tiver trabalhado 30  anos quando da aprovação da reforma, ela teria de trabalhar muito pouco  tempo além dos cinco anos que lhe faltariam pela regra atual. Pela mesma  regra, um trabalhador que tenha trabalhado apenas cinco anos teria que  trabalhar por um tempo de contribuição muito próximo ao da nova regra.  Creio que é uma proposta defensável e perfeitamente justa, que pode ser  defendida por qualquer Presidente da República, olhando nos olhos do  eleitor.<br><br> Leia as últimas notícias sobre <a href="http://portalexame.com/tags/previdencia1.shtml"><strong>previdência</strong></a></p>       <hr>
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