Bandeiras da China e dos Estados Unidos: apesar de trégua comercial, países disputam protagonismo na tecnologia (Jason Lee/Reuters)
AFP
Publicado em 23 de janeiro de 2020 às 11h30.
Última atualização em 27 de janeiro de 2020 às 12h51.
São Paulo — 5G, chips, Inteligência Artificial... China e Estados Unidos assinaram uma trégua comercial, mas sua rivalidade tecnológica não diminuiu, o que alimenta o espectro de uma "guerra fria" de um novo tipo.
Uma semana após o acordo comercial intermediário entre Pequim e Washington, a batalha tecnológica ocupa o palco esta semana do Fórum Econômico Mundial com especialistas alarmistas e grandes empresários ansiosos por garantias.
Convidado em Davos, Ren Zhengfei, fundador da gigante chinesa de telecomunicações Huawei, esquiva-se do assunto.
"Em profundidade, o mundo está se unindo (tecnologicamente), tudo está interconectado (...) Um mundo dividido? Não acredito", declarou.
Campeão de equipamentos 5G, a Huawei foi banida dos Estados Unidos, que apontam o risco de espionagem por parte de Pequim e incentivam seus aliados europeus a excluírem o grupo chinês. Contrariando as expectativas de Washington, a empresa tem conquistado mercados emergentes, como Brasil e Índia.
"Há uma competição pelo domínio mundial em questões digitais. Huawei é o símbolo, mas vai muito além", alerta à AFP ex-diplomata americano e vice-presidente do IHS Markit, Carlos Pascual.
Para ele, os conflitos cibernéticos e a batalha de influência que é travada em nível mundial abrem caminho para "um grande confronto sino-americano" no domínio digital.
De fato, Pequim adotou em 2015 o ambicioso programa "Made in China 2025" para impulsionar suas tecnologias, juntamente com um enorme plano de investimento em infraestruturas para as "Rotas da Seda" da Ásia para a África.
"Isso pode levar muitos países em desenvolvimento a recorrerem à China para construir suas redes de telecomunicações, estações de retransmissão, data centers e sistemas de TI do governo", observa diretor do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), John Chipman.
Segundo ele, o crescimento das empresas chinesas na Ásia, na África e na América Latina também está expandindo sua coleção de "dados diversificados" adequados para alimentar suas tecnologias de Inteligência Artificial.
Isso reforça a desconfiança do governo americano, que, no ano passado, estabeleceu uma lista negra de várias empresas chinesas de vigilância cibernética e de reconhecimento facial.
Além do 5G, as gigantes chinesas da Internet Baidu, Alibaba e Tencent, impulsionadas por Pequim, estão desenvolvendo plataformas de Inteligência Artificial, carros autônomos e objetos conectados, distintos daqueles desenvolvidos no Vale do Silício pela Google, ou pela Amazon.
"A preocupação é que existam dois tipos de sistema que não seriam compatíveis. A tecnologia é uma questão de poder, a bipolarização está ocorrendo", disse Jacques Moulin, chefe do grupo de reflexão europeu Idate.
"O risco é que as placas tectônicas" dos grandes mercados tecnológicos "estejam se fragmentando, ou se afastando cada vez mais", afirmou o vice-presidente-executivo da Microsoft, Jean-Philippe Courtois.
O especialista vê, porém, uma oportunidade para a gigante americana de computadores: "Nosso papel é cuidar dessa complexidade", oferecendo às empresas ferramentas adaptadas a cada ambiente regulatório.
Microsoft e Apple, outro carro-chefe americano, ainda dependem em grande parte do colossal mercado chinês.
A China controla rigorosamente sua Internet local, e as crescentes sanções e restrições de ambos os lados do Pacífico fazem pensar em uma "Cortina de Ferro" econômica, como evocado em novembro de 2018 pelo ex-secretário americano do Tesouro Henry Paulson.
A China tem os meios para alcançar suas ambições?
Em 2018, a fabricante de equipamentos de telecomunicações ZTE, outra gigante chinesa do 5G, quase desapareceu, incapaz de se abastecer de componentes americanos após a proibição do governo Trump - finalmente suspensa.
O episódio, experimentado como um trauma, destacou a cruel dependência do gigante asiático dos chips americanos. No total, a China importa, em valor, mais semicondutores do que petróleo.
Sob pressão, a Huawei está desenvolvendo seus próprios chips. Seu recente modelo Mate 30 Pro não contém mais nenhum componente americano, de acordo com um escritório japonês que analisou o dispositivo.
A Qualcomm, grande concorrente americana de componentes eletrônicos, ainda sobrecarregada pelas sanções que afetam a Huawei, relativiza a situação.
"No auge das tensões comerciais, nossas colaborações na China aumentaram, graças ao amadurecimento de fabricantes de smartphones como Xiaomi, ou Oppo" que estão se desenvolvendo internacionalmente, garantiu à AFP seu presidente, Cristiano Amon.
Ele lembra, porém, que, "para prosperar fora da China, você precisa trabalhar com padrões internacionais (...) A força das tecnologias móveis sempre foram padrões universalmente compartilhados, é isso que alimenta seu crescimento".