Do Chile à Argentina: o pesado custo dos ajustes na América do Sul
Levante social no país mais estável do continente e provável derrota de Macri na Argentina são marcos do momento de tensão generalizada no continente
Da Redação
Publicado em 21 de outubro de 2019 às 05h56.
Última atualização em 21 de outubro de 2019 às 10h20.
A seis dias do primeiro turno nas eleições presidenciais na Argentina e no Uruguai e a oito semanas de um provável segundo turno das eleições na Bolívia, a América do Sul começa uma semana de especial tensão política e social.
Na Bolívia, o atual presidente Evo Morales provavelmente terá que ir a um inesperado segundo turno na busca por seu quarto mandato. Apesar das declarações de Carlos Mesa, ex-presidente e principal opositor, de que não confia no tribunal eleitoral, o país deve ter uma segunda-feira relativamente pacífica — ao menos em comparação a seus vizinhos do norte e do sul.
No tradicionalmente estável Chile, o fim de semana foi de levante popular contra o governo após o anúncio de aumento nas tarifas de metrô em Santiago. Foi o estopim para uma onda de protestos contra o que a oposição chama de queda na qualidade de vida provocada pelas políticas liberais do governo de Sebastián Piñera.
As manifestações e os confrontos continuaram mesmo depois de o governo revogar o aumento, com o exército nas ruas pela primeira vez desde o fim da ditadura. Sete pessoas já morreram e restaurantes e supermercados estão fechados. O estado de emergência deve durar mais duas semanas. Ajudou a piorar a crise o fato de Piñera ter sido visto jantando numa pizzaria de um bairro nobre de Santiago na noite de sexta-feira, reforçando o discurso da oposição de que ele está distante do chileno comum.
O mesmo discurso levou a manifestações no Equador, no início do mês, após o fim de subsídios aos combustíveis como parte de um pacote de ajuste fiscal acertado com o Fundo Monetário Internacional. Reformas que não ajudaram a impulsionar a economia e que apertaram a renda da classe média também estão entre as causas que devem levar o presidente argentino, Mauricio Macri, a uma derrota no primeiro turno, no domingo.
O ano de 2019 da América do Sul ainda teve troca de presidente no Peru, onde Congresso e Executivo ainda discutem quem manda no país. “No Equador e no Chile há algo claramente em comum, que são as políticas de ajuste e seus impactos. No Peru parece-me algo distinto, mais relacionado à dinâmica do sistema político e da ilegitimidade de setores da classe política”, diz o cientista político Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas. Houve ainda um pedido de impeachment no Paraguai, a Venezuela dispensa comentários, e o Brasil vive mais um ano de instabilidade nas relações entre executivo e o Congresso. A América do Sul vive só mais um ano de instabilidade, ou há algo de novo no ar?
“O Chile vive um período de crescimento baixo desde a reversão das commodities, executou reformas que não melhoraram a vida da população e está com desigualdade em alta e polarização política”, diz a economista Monica de Bolle, diretora de estudos latino-americanos da universidade americana Johns Hopkins. É uma combinação que, segundo ela, pode trazer problemas ao Brasil, com informalidade crescente, alta desigualdade e baixo crescimento econômico.
Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, destaca que nos outros países, salvo o Chile, a crise costuma ter como pano de fundo o passado autoritário, a baixa educação e a insegurança jurídica. “O subdesenvolvimento não se improvisa. É uma longa construção com saídas difíceis”, diz.
“O problema costuma ser parecido pelo continente. Um governo aperta o cinto e é seguido por um que esculhamba, elevando-se o custo no ciclo seguinte”, completa Celso Toledo, economista da consultoria LCA.
Com tantos problemas, o FMI cortou na semana passada a projeção de crescimento da América Latina de 0,6% para 0,2% em 2019. Além de nossos vizinhos, o México também não vive um bom momento. Faltam dez semanas para terminar o longo ano de 2019.