Economia

Desafios econômicos reais do PT na transição

"Vamos tomar todas as medidas necessárias para manter a estabilidade", diz Guido Mantega, principal assessor econômico do partido

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h28.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva afirmou à militância petista em seu primeiro discurso após a vitória, na festa na Avenida Paulista, que "até aqui foi fácil. O difícil ainda está por vir". A frase não foi apenas retórica na comemoração da vitória. Lula tem diante de si, e parece que está bem consciente disso, um grande desafio econômico que, para ser enfrentado a contento, pode desagradar uma boa parcela dos milhares de militantes que foram à avenida comemorar a vitória do PT.

Lula foi eleito pregando a mudança do modelo econômico de Fernando Henrique por outro, que favoreça a produção e não a especulação financeira. Qual é, afinal, o novo modelo, ainda não foi dito; o que será feito pela nova equipe econômica na prática e em detalhes, também não. Na campanha, em linhas gerais, enfatizou que irá combater o déficit externo apontado como o vilão que pressiona o câmbio, eleva a inflação, obriga taxas de juros mais altas e inibe o crescimento econômico. De lá para cá, o déficit externo foi fortemente reduzido e deixou de ser o problema central da economia. Números divulgados recentemente pelo Banco Central comprovam: O déficit em conta corrente em 1998 foi de quase 34 bilhões de dólares. Em janeiro de 2002 ele já havia caído para 22 bilhões de dólares (4,4% do PIB). O último dado, o de setembro, mostrou um déficit de 13 bilhões de dólares (2,8%). Qual será, então, o rumo da mudança?

Passada a campanha, época em que até se tolera discursos simplistas, Lula precisa dar, já nos dois meses de transição, sinais práticos de que irá trabalhar para manter a estabilidade da moeda, respeitar os contratos internacionais assinados pelo governo Fernando Henrique, dar continuidade ao ajuste das contas externas e promover reforma dos sistemas de previdência e fiscal. Sem isso, não há indícios claros de retomada da produção e crescimento econômico superior às taxas do governo FHC. Aí é que entra a nova postura que será exigida de Lula e que provavelmente não agradará à militância da Paulista.

O primeiro passo para desembaraçar a crise econômica começa com a habilidade e negociação política, quesito presente do currículo de Lula, mas não muito digerido por todo o partido e sua militância. O novo governo precisa formar uma coalizão efetiva envolvendo as várias linhas partidárias do Congresso e os novos governos estaduais já no período de transição. A constatação da boa articulação política, assim como a formação de uma equipe econômica forte e com credibilidade no mercado, seria um bom começo para reduzir as pressões de curto prazo, aliviando a cotação cambial, com recuo do preço do dólar, e redução do risco-país. Definir qual será a agenda de votações no Congresso até dezembro e viabilizar a aprovação do Orçamento de 2003 ainda este ano também ajudariam muito.

Cara a cara com o FMI

No mês que vem o governo de transição de Lula terá o primeiro grande desafio internacional: reunir-se com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para discutir o recente acordo de US$ 30 bilhões de dólares de ajuda econômica assinado recentemente pelo governo FHC. O Partido dos Trabalhadores já se comprometeu em cumprir o superávit fiscal acordado, mas, diante da fragilidade externa brasileira, o fundo pode chegar ao Brasil fazendo novas exigências de sacrifícios econômicos. Pergunta: como irão reagir Lula e seus assessores? Aceitarão ou não?

A dúvida é pertinente porque o comprometimento cada vez maior com as políticas de ajuste fiscal sugeridas pelo FMI deixa mais escassos os recursos que o PT terá disponível para realizar desde já todas as promessas sociais, como o combate à fome e ao desemprego. Isto é, rigor das contas com menos atenção ao povo, ou atenção ao povo com as contas públicas podendo fugir do controle.

Em sua primeira entrevista como presidente eleito, Lula falou sobre sua relação com o mercado. "O mercado precisa entender que o povo precisa comer três vezes por dia", disse. "Esperamos que o mercado respeite o governo com o mesmo respeito que o governo respeita o mercado". Nesta segunda-feira, em seu primeiro pronunciamento, o presidente eleito voltou a enfatizar que irá cumprir os contratos e manter uma boa relação com o mercado, mas também anunciou a idéia de criar a Secretaria de Combate à Fome. Outra pergunta: como conciliar as duas ações desde já?

Inflação

A estabilidade da moeda, apontada por 10 entre 10 brasileiros como o principal legado de Fernando Henrique, também está em jogo, preocupa o mercado, gera incertezas e temores, e precisa compor as prioridades do governo de transição.

A inflação em outubro, medida pelo IGP-M (Índice Geral de Preços ao Mercado), deve ficar em 3,6%, o mesmo percentual registrado em todo o primeiro trimestre de 1999. A alta do custo de vida foi puxada pelos preços no atacado que refletem a forte desvalorização do real no período das eleições. Aquela inflação com a qual o brasileiro estava acostumado a conviver antes do Plano Real ainda não voltou. O que há de certo até agora é a pressão por aumentos nos preços, um jogo perigoso que, se persistir, pode exigir indexações da economia, o que, na prática, seria a volta da inflação com presença garantida mês a mês.

A equipe econômica de Luiz Inácio Lula da Silva está ciente do problema. "No passado, derivações da teoria de Keynes viam a inflação como tolerável. Isso acabou. O PT adquiriu responsabilidade de governo. Vamos tomar todas as medidas necessárias para manter a estabilidade", disse o principal assessor econômico do PT, Guido Mantega, em entrevista à EXAME. Em todas as medidas necessárias Guido não descarta o aumento de juros, os depósitos compulsórios de bancos e medidas impopulares para aumentar o superávit fiscal. Ações que já foram tomadas pelo governo Fernando Henrique diante dos índices de inflação do último mês e que foram duramente criticadas pela oposição durante a campanha. E agora? A opção pela estabilidade da moeda poderá colocar em xeque as políticas sociais do governo petista sem que a militância se queixe e o presidente eleito Lula ceda às pressões dos partidos que hoje fazem oposição ao governo FHC? Lula e seus assessores têm dois meses para ensaiar uma resposta convincente e mais quatro anos para colocá-la em prática.

No discurso da vitória, na Avenida Paulista, Lula garantiu que governará com as suas convicções e pediu que a militância confie em suas ações para tirar o Brasil da crise e colocar na rota do crescimento. O que de fato ele quis dizer como este pedido de voto de confiança, só Lula sabe. O que de fato a militância entendeu e como irá cooperar, só Deus sabe.

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