Economia

De volta ao passado

A Vila Buarque tenta resgatar sua vocação de centro cultural

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h33.

A rivalidade entre estudantes da USP e do Mackenzie colocou a rua Maria Antônia na história brasileira. Em suas calçadas, alunos das duas instituições defendiam posições ideológicas antagônicas no fim dos anos 60. Quase quatro décadas depois, as duas universidades investem em projetos que devem, novamente, marcar a Vila Buarque. Desta vez, as mudanças -- pacíficas, é bom dizer -- devem destacar a pouco conhecida vocação cultural da região. Espremido entre o valorizado Higienópolis e a popular Santa Cecília, e com suas moradias depreciadas pela construção do Minhocão, o bairro tem muito a oferecer quando o assunto é cultura e educação. Nas suas três dezenas de ruas, há nada menos que cinco teatros e três faculdades, além de diversas livrarias, como a Martins Fontes e a Nobel.

"Falta marketing urbano à Vila Buarque", afirma o arquiteto Fábio Duarte, coordenador da consultoria Urban Systems. "O bairro tem uma imagem negativa para a população, que desconhece suas muitas benfeitorias." Nas últimas décadas, a Vila Buarque ficou mais conhecida por seus bordéis e mendigos, muitos deles residentes à sombra do elevado Costa e Silva, o Minhocão. Projetos recentes, no entanto, revelam que a região vive um momento de ebulição cultural.

"Vamos resgatar a característica cultural do bairro que se perdeu com o tempo", diz Lorenzo Mammi, diretor do Centro Universitário Maria Antônia, da USP. Os eventos promovidos pela instituição extrapolam a famosa rua, com exposições pelo bairro. A sua maior obra é a reforma de dois antigos prédios da universidade. Construídos entre as décadas de 20 e 40 e tombados nos anos 80, os prédios onde estudaram personalidades como os sociólogos Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso estão mal conservados, com estruturas deterioradas e paredes pichadas. A reforma começa pela fachada, que será entregue no início do ano que vem. O projeto prevê também uma praça de 350 metros quadrados aberta para a rua, um auditório para 100 pessoas e um café, além da sede do Instituto de Arte Contemporânea (IAC).

A reforma está orçada em 4 milhões de reais. Metade do valor será bancada pela construtora Gafisa, que decidiu fazer da Vila Buarque um marco em seu investimento institucional. "Pesquisa do Secovi [sindicato das empresas do setor imobiliário] mostra a baixa credibilidade das construtoras", afirma Mário Rocha Neto, diretor de operação da Gafisa. "Apostamos nas artes para descolar a empresa dessa imagem negativa."

No quarteirão em frente à USP, o Mackenzie intensificou, desde 1997, a compra de terrenos no quadrilátero, que começou como um bambuzal da chácara que pertencia a dona Maria Antônia da Silva Ramos. Atualmente, são 75 000 metros quadrados de área construída. O plano é chegar a 160 000 metros quadrados em duas décadas. "A expansão vai priorizar os cursos de nível superior", diz Marcel Mendes, assistente da presidência do Mackenzie.

A efervescência cultural não se limita à rua Maria Antônia. A Aliança Francesa está investindo 2 milhões de reais na reforma de sua sede na rua General Jardim, onde está instalada desde 1959. "Estamos próximos de um núcleo forte de universidades", diz Pierre Rievron, diretor da Aliança Francesa. "Não temos por que sair daqui." Os dois andares de salas de aula, já reformados, recebem 500 alunos por semestre, e as matrículas cresceram 10% no último ano. Financiadas pelo governo francês e pelas leis brasileiras de incentivo à cultura, e com conclusão prevista para meados de 2003, as obras incluem também uma nova biblioteca, um café e um teatro com capacidade para 300 lugares.

Há quatro anos em São Paulo, o francês Rievron é um observador atento das mudanças que vêm ocorrendo no bairro, principalmente nos últimos 18 meses. Ele presenciou a chegada da Secretaria Municipal de Saúde, da Escola da Cidade e do Instituto Polis, além do início das obras de um hotel da rede Accor. "Quando cheguei, o estacionamento em frente à Aliança estava quase fechando. Hoje, vive cheio", afirma Rievron.

Diversão e lixo

A Escola da Cidade, voltada para o ensino de arquitetura e urbanismo, instalou-se no início deste ano num antigo prédio do arquiteto Oswaldo Bratke, que assina várias edificações na região. "Há uma postura ética de resgatar o centro, um ponto equidistante de toda a cidade", diz o arquiteto Claudio Manetti, um dos sócios da Escola da Cidade. Os 40 alunos da primeira turma aprendem a explorar toda a área ao redor. Propositadamente, a escola não tem cantina ou área de exposição, e usa espaços próximos, como o vizinho Instituto dos Arquitetos do Brasil. "Os alunos convivem e se divertem com o exótico, com as casas noturnas", diz Manetti. Por outro lado, eles sentem falta de serviços um pouco mais sofisticados, das máquinas copiadoras que não fechem às 18 horas, de visual mais limpo e de calçadas com menos buracos. "As ruas estão imundas. Falta limpeza e segurança à região", diz o publicitário Geraldo Alonso, que, por três décadas, manteve sua agência central na rua General Jardim.

De olho nas oportunidades que o bairro oferece, o empresário Aldryn Suusmann Pere e mais três amigos abriram no fim de julho o The Joy, um misto de bar e restaurante na rua Maria Antônia. A casa de 106 lugares quer atrair os estudantes prestes a se formar (e que não vêem mais tanta graça nos botecos), o público dos teatros e as pessoas que trabalham na região. "Já tive uma franquia do Pão de Queijo na rua Maria Antônia e sei que o potencial da região é enorme", afirma Pere. A pizzaria Dona Veridiana, aberta em novembro de 2000 num casarão reformado na esquina da rua de mesmo nome, tem filas de clientes durante as noites e nos fins de semana. "Temos 240 lugares, mas recebemos 600 pessoas nos jantares de sexta-feira", afirma o gerente, Marciliano Teixeira.

Os dois restaurantes exemplificam os nichos de negócios que podem crescer na Vila Buarque. "A área de serviços deve mudar na região", afirma Duarte, da Urban Systems. É só fazer as contas. Nos planos do Mackenzie, 50 000 alunos devem estudar no local até 2020 -- hoje, são 1 200 professores e 30 000 alunos. Na Santa Casa de Misericórdia, que ocupa uma antiga chácara recebida em doação há mais de 115 anos, passam de 10 000 a 12 000 pessoas por dia, das quais 6 000 pacientes. Há ainda o Senac e a Escola de Sociologia e Política, além dos escritórios que apostam na região. Foi esse o cálculo que os sócios da construtora Pekelman fizeram antes de erguer um edifício residencial com apartamentos pequenos, de 36 metros quadrados, com vários serviços básicos e opcionais. "A região atrai pessoas que não têm tempo para cuidar de casa, como o médico que trabalha na Santa Casa ou o professor visitante do Mackenzie", diz Marcelo Russo, diretor da Pekelman.

Na rua Araújo, a Accor terá um hotel para hóspedes de negócios com 260 apartamentos. O imóvel preserva a fachada de uma antiga estação de bonde. "Há um movimento de recuperação do centro e imediações, o que deve atrair novos públicos", diz Orlando de Souza, diretor de operações da Accor do Brasil. Segundo ele, 45% das empresas financeiras estão no centro, o que justifica a instalação na Vila Buarque.

O argumento que faltava é o preço. Com calçadas pouco conservadas e sistema antigo de ar-condicionado, porém com boa infra-estrutura básica e rede de transportes, o metro quadrado dos edifícios da Vila Buarque varia de 25 a 32 reais, segundo a consultoria Jones Lang LaSalle. Na vizinha Angélica, o valor sobe para 35 a 37 reais. "Empresas que precisam reduzir custos procuram a região, mas perdem em imagem corporativa, principalmente à noite", afirma Douglas Alexandre Silva, consultor da Jones Lang LaSalle. Ele cita a PricewaterhouseCoopers, que trocou sua sede na rua General Jardim pela Barra Funda. A julgar pelos investimentos recentes, a preocupação com a perda de prestígio pode estar com os dias contados. A cultura agradece.

Retrato
do bairro
Teatros

* Hilton

* Teatro de Arena Eugênio Kusnet

* Sesc Anchieta

* Tusp

* Aliança Francesa

5 agências
de banco
3 redes
de estacionamento
Faculdades

* Escola de Sociologia e Política

* Instituto Presbiteriano Mackenzie

* Escola da Cidade

7 433
habitantes
População

A 10,7%

B 23,2%

C 53,8%

D 6,8%

E 5,6%

*clique
aqui para ver o mapa
Fonte:
Urban Systems Brasil

Das chácaras ao Minhocão

As chácaras deram origem ao bairro da Vila Buarque no fim do século 19. Os herdeiros de Antônio Pinto de Rego Freitas venderam seus terrenos em 1893 para a Empresa de Obras Brasil, que loteou a região. O nome Vila Buarque veio do engenheiro Manuel Buarque, sócio do então senador Rodolfo Miranda na empresa imobiliária. Um pouco antes, em 1878, o próprio Rego Freitas e seu vizinho Raphael de Aguiar Paes de Barros doaram o terreno para a construção da Santa Casa. Parte da propriedade tinha sido, anteriormente, uma plantação de chá do general José Arouche de Toledo Rendon.

Com o fim das chácaras, a Vila Buarque tornou-se uma região tipicamente de classe média, vizinha ao aristocrático Higienópolis, dos barões do café. Nos anos 60, vieram as boates, que deram um novo (mas nem sempre agradável) perfil à área. Na década seguinte, o Minhocão provocou a desvalorização dos imóveis da redondeza -- e aumentou o barulho e a poluição.

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