petrobras (Mario Tama/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 27 de junho de 2016 às 12h33.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h18.
Não. Basta imaginar a resposta à seguinte pergunta: os escândalos recentes seriam possíveis se a referida lei estivesse em vigor? Minha conjectura é que mesmo que alguns descalabros pudessem ter sido evitados, o problema central continuaria presente. Exigir práticas de governança razoáveis para empresas públicas tende a ter o mesmo efeito disciplinador de, digamos, constituir comitês de ética no Congresso.
A intenção do legislador é nobre e há aspectos benéficos na lei. A prática de abarrotar as estatais com leigos adquiriu proporções inimagináveis nos últimos anos. Neste sentido, é bem vinda uma iniciativa que, entre outros aspectos, procura trazer um pouco de sensatez ao loteamento – mesmo que, no frigir dos atos, os benefícios sejam pequenos.
Dito isso, tome-se o exemplo do Paulo Roberto Costa. A julgar pelo CV disponível na internet, não deveria haver razão para objetar sua participação em uma diretoria ou conselho da Petrobras. O esquema criminoso que se instalou na empresa prosperou porque contou com o aval de políticos e do governo – quem efetivamente dá as cartas. Diria até que um governante interessado em tocar para frente uma quadrilha tenderia a preferir quadros tecnicamente competentes.
O ‘xis’ do problema não é redigir algo demandando o óbvio. A questão é entender porque não se faz o que é óbvio, e não se desenha remédios que atuem sobre a origem das distorções. No caso das estatais, a boa notícia é que a solução do problema não exige necessariamente uma lei obrigando a gestão a fazer o que se espera dela ou até mesmo uma que coloque na cadeia o administrador incompetente ou desonesto. Há um almoço grátis esperando para ser degustado.
A teoria microeconômica ensina que a eficiência de uma empresa estatal é necessariamente prejudicada por problemas de incentivos que têm origem no fato de que, para efeitos práticos, elas funcionam como a casa da Mãe Joana. Nestas companhias, os administradores são monitorados de forma débil e benevolente, e perseguem objetivos diferentes dos pretendidos por quem cuida de empresas privadas.
Além de objetivos distorcidos, a gestão de uma estatal não é restrita por orçamento rígido simplesmente porque não existe ameaça crível de falência – parte-se da hipótese de que o governo está lá para dar uma forcinha quando as coisas dão errado. Nada impede que um executivo de estatal autorize a compra de um título do governo da Venezuela contrariando princípios evidentes de responsabilidade. Depois do calote, basta dizer que “foi mal” e passar a conta para a viúva. O gestor não é demitido, continua levando uma vida boa esperando a aposentadoria aos 50 anos, e a vida segue.
A evidência empírica corrobora com larga margem as implicações da teoria. Da mesma forma que um escorpião será sempre um escorpião, o modus operandi de estatais não conduz à maximização do bem-estar social – pelo contrário. Isso vale para o Brasil e para o mundo. Em 2007, uma pesquisa para a China a partir de ampla base de dados de boa qualidade mostrou que se o país alocasse recursos mais eficientemente, livrando-se das estatais, seria possível reduzir o estoque de capital em 8% sem mudar o crescimento econômico. Para comparar, isso seria equivalente a dar uma bolsa de 7,6 mil reais para cada brasileiro sem mudar os demais parâmetros macroeconômicos (crescimento, inflação, déficit público, etc.). Mesmo em países desenvolvidos, há um hiato de eficiência relevante entre gestões privadas e a gestão pública.
No caso do Brasil, a destruição recente dos Correios ilustra com perfeição os problemas que ameaçam uma empresa estatal: congelamento de tarifas para segurar a inflação, uso da estrutura para finalidades estranhas, aplicações equivocadas de recursos, cabide de empregos para gente improdutiva e por aí vai. O caso serve também para mostrar que a situação de uma estatal que parece saudável pode mudar radicalmente após uma troca de governo. O prejuízo bilionário amargado pelos Correios em 2015 interrompeu duas décadas no azul. Adivinha de quem é a conta no final do dia?
E fica outra pergunta: por que o governo precisa ser dono dos Correios? A resposta é que não precisa e não deve. A melhor forma para resolver o problema das estatais é cortar o mal pela raiz por meio de privatizações, como mostra a experiência dos países latino-americanos nos anos 80 e 90. Análises desapaixonadas revelam que, de forma geral, os programas foram bem sucedidos.
Os casos descritos no livro “Privatization in Latin America: Myths and Reality” (editado pelo Banco Mundial e pela Universidade de Stanford e disponível na rede para quem tiver interesse), indicam que a transferência de ativos para o setor privado é normalmente acompanhada de mais produção, qualidade e arrecadação de impostos, especialmente quando a alienação é conduzida com transparência em um ambiente regulatório adequado.
Ainda assim, como sói ocorrer abaixo do Rio Grande, prevalece aqui uma visão demagógica segundo a qual a maior lucratividade de empresas privatizadas se dá em detrimento da população, por intermédio da adoção de preços de monopólio, exploração de trabalhadores e uso de benefícios tributários injustificados. A solução está em “empresas do povo”.
Essa percepção decorre do fato de que é relativamente fácil inocular em pessoas com educação deficiente uma impressão negativa sobre coisas que elas desconhecem. A minoria organizada que tira proveito de estatais ineficientes apoia políticos que, com o auxílio de marqueteiros competentes, difundem e enraízam preconceitos e ideias absurdas.
Creio que uma parte relevante das pessoas que são contra a privatização no Brasil não é capaz de indicar o nome de uma empresa que tenha sido privatizada. Que dirá descrever como e quanto ela foi prejudicada pela privatização. Ainda assim, o tema se transformou em tabu absoluto para políticos. Imagine o benefício de ter Correios mais eficientes e não ter que indiretamente cobrir prejuízos bilionários que não precisariam ocorrer?
Em um país em que privatização é palavrão, resta apoiar iniciativas pouco eficientes como a Lei de Responsabilidade das Estatais, torcer para que sejam geridas por escorpiões dóceis e, de vez em quando, contribuir para cobrir rombos.