Economia

Controle da dívida é o maior desafio de Lula, diz BBV

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem um desafio específico antes de retomar o crescimento econômico: desativar a percepção de que temos uma bomba de default da dívida para explodir a qualquer momento. "Eu pessoalmente acredito que ele conseguirá e poderá construir uma agenda de crescimento", afirmou o economista-chefe do BBV banco, Octavio […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h27.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem um desafio específico antes de retomar o crescimento econômico: desativar a percepção de que temos uma bomba de default da dívida para explodir a qualquer momento. "Eu pessoalmente acredito que ele conseguirá e poderá construir uma agenda de crescimento", afirmou o economista-chefe do BBV banco, Octavio de Barros, durante bate-papo com internautas promovido pelo Portal EXAME na noite desta terçca-feira. "O primeiro ano do mandato do presidente Lula deverá ser duro no plano fiscal para que possa ter um segundo, terceiro e quarto anos mais favoráveis. As reformas da previdência, tributária, trabalhista são também decisivas".

Para ele, o presidente Fernando Henrique, oito anos no comando da economia brasileira, deixa o poder após acertar mais do que errar. "Talvez a história venha a reconhecer a contribuição do período FHC. Acho que ele pavimentou o caminho para que os próximos governos possam construir agendas mais factíveis", disse. Barros arriscou até um palpite sobre futebol: "O Palmeiras volta para a primeira divisão".

Leia a seguir a íntegra do bate-papo com o economista-chefe do BBV, Octavio de Barros, convidado de EXAME para avaliar a política econômica dos oito anos de governo FHC:

(18:16:32) Selecionador EXAME: O Portal EXAME recebe nesta terça-feira o economista-chefe do banco BBV, Octavio de Barros, para debater os oito anos do presidente Fernando Henrique Cardoso à frente da economia brasileira.

(18:22:06) Selecionador EXAME: Octavio, é um prazer recebê-lo aqui. Boa noite.

(18:22:36) Octavio de Barros: Boa noite a todos

(18:23:04) Selecionador EXAME: Para começar nosso bate-papo, gostaria de saber o que, na sua opinião, o governo Fernando Henrique fez de melhor para a economia brasileira nesses dois mandatos?

(18:25:10) Octavio de Barros: A principal contribuição da era FHC na minha opinião localiza-se no plano institucional. Houve grandes avanços no amadurecimento democrático e na maior transparência na gestão das finanças públicas. Outra importantíssima contribuição foi o processo de estabilização de preços com o Plano Real.

(18:26:15) Selecionador EXAME: E o que ele fez de pior?

(18:28:26) Octavio de Barros: Acredito que o primeiro mandato de FHC foi bastante inferior qualitativamente em relação ao segundo. A despeito da estabilização inflacionária bem-sucedida, a gestão fiscal do primeiro mandato foi bastante precária e o país não foi capaz de gerar superávits primários necessários para estabilizar a relação dívida/PIB. Outro ponto criticável foi a longa duração do regime de câmbio quase-fixo.

(18:28:56) Selecionador EXAME: O que o governo Fernando Henrique deixou de fazer para a economia brasileira e que, na sua opinião, era imprescindível?

(18:31:00) Octavio de Barros: As principais reformas, em particular a tributária, parecem-me que poderiam ter sido iniciadas no primeiro mandato. Até compreendo que no segundo mandato tenha sido mais complicado fazer a reforma tributária devido ao requerimento de um superávit primário que não poderia correr riscos de não cumprimento. A reforma da previdência poderia também ter sido encaminhada desde o primeiro mandato.

(18:31:05) AgoraéLula fala para Octavio de Barros: O Real não foi um embuste eleitoral para enganar o povo e encher o bolso dos banqueiros?

(18:32:37) Octavio de Barros: Evidentemente que não. A inflação é de longe o principal fator concentrador de renda no Brasil. O primeiro passo para se pensar em qualquer agenda era a estabilidade da moeda. Vamos lembrar que nos 12 meses anteriores ao Plano Real a inflação atingiu 5000%.

(18:32:47) Cláudio fala para Octavio de Barros: Olá, boa noite! A inflação vai disparar em 2002 e 2003?

(18:35:11) Octavio de Barros: Há uma grande preocupação com o tema. Entretanto temos que considerar que a inflação atual é uma conseqüência do forte ajuste externo que está em curso. É importante que se compreenda que o ajuste do balanço de pagamentos é inflacionário. Se todos estiverem de acordo que no ano que vem o ajuste externo se completa, não há razões para pânico com a inflação. Estamos prevendo algo superior a 10% para este ano e 9,5% para 2003.

(18:35:22) Refletir fala para Octavio de Barros: A política de altas taxas de juros teve papel importante na estabilização. Em compensação fez com que nossa dívida pública pulasse para patamares antes tidos como inimagináveis. Existem outras alternativas ou o país caminha para ser matematicamente inviável?

(18:37:33) Octavio de Barros: A dívida pública me parece administrável e não requer nenhuma solução heróica. O crescimento da dívida é fundamentalmente explicado pela forte depreciação cambial. se considerarmos uma taxa de câmbio real estável nos últimos 4 anos provavelmente a dívida pública teria se reduzido. Temos que lembrar que os esqueletos que foram reconhecidos pelo governo FHC explicam uma grande parte do incremento na dívida pública.

(18:38:48) Selecionador EXAME: Como o senhor avalia a política cambial do governo FHC nesses dois mandatos? Que avaliação faz do episódio da desvalorização do real em janeiro de 99?

(18:42:37) Octavio de Barros: O Brasil em 1999 teve a coragem de colocar a moeda para competir com as demais no plano internacional. O regime cambial do primeiro mandato possivelmente teria de ser flexibilizado logo após a crise asiática em 1997. Mas ao mesmo tempo é de se compreender que naquele momento não havia um consenso a respeito. Por maiores que tenham sido os impactos da desvalorização temos que reconhecer que a relação custo/benefício foi baixa. O novo regime cambial tem sido um elemento-chave para o balanço de pagamentos.

(18:42:52) Cláudio fala para Octavio de Barros: O senhor teme uma volta da indexação automática dos salários?

(18:44:46) Octavio de Barros: Esta é uma preocupação grande. Não acredito em institucionalização da indexação de contratos. Há uma cultura de livre negociação de salários já estabelecida. Entretanto é bastante provável que se a inflação superar os 10% as demandas por indexação serão grandes. Cabe ao novo governo administrar estas pressões e evitar a volta da indexação.

(18:44:52) AgoraéLula fala para Octavio de Barros: E a vergonha que foi o Proer? Não representou um assalto aos cofres públicos em nome de meia de dúzia de bancos falidos?

(18:47:03) Octavio de Barros: Todos os países do mundo passaram por ajustes no sistema bancário que precisava se adaptar à redução forte da inflação. O PROER teve um custo no Brasil bem inferior ao observado em outras experiências. Um sistema bancário sólido é uma pré-condição para qualquer política de desenvolvimento que se pretenda. Não acredito que intertemporalmente os bancos tenham que ter rentabilidades sempre superiores às do setor industrial.

(18:47:14) nelson fala para Octavio de Barros: O Brasil escancarou a economia nos últimos anos? E a Alca, não é uma política de anexação americana?

(18:49:55) Octavio de Barros: O mercado americano representa cerca de US$ 1,5 trilhão de importações anuais. Acho que o Brasil pode tirar proveito da Alca se souber negociar com competência. Aumentar o market share nos EUA é uma coisa que me parece muito importante. O Brasil tem mais a ganhar do que a perder. A agricultura brasileira, a siderurgia e muitos outros setores são tão competitivos que caso consigamos reduzir as barreiras que existem nos EUA contra nossos produtos o envolvimento do Brasil será muito positivo.

(18:50:03) Selecionador EXAME: Durante a campanha eleitoral os candidatos da oposição, entre eles o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, acusaram o governo FHC de "governar para o mercado". Qual sua opinião como representante do mercado? O governo protegeu o mercado nesses oito anos?

(18:52:26) Octavio de Barros: Sinceramente, acho que a visão estigmatizada que se tem do termo mercado é um equívoco. Muita gente não se dá conta que o mercado é muito menos reacionário do que se supõe. É bem verdade que o mercado por vezes é preconceituoso, mas aceitará bem mudanças programáticas que o novo governo venha implementar desde que se respeite a racionalidade econômica. Acho que seria ingênuo imaginar que seja possível satanizar o mercado.

(18:52:45) alfredo fala para Octavio de Barros: O Brasil corre os mesmos riscos de uma Argentina?

(18:55:24) Octavio de Barros: O Brasil não tem os elementos que a Argentina tinha: dívida dolarizada, câmbio fixo e sistema financeiro frágil. Além disso, o Brasil contou com um apoio do FMI conquistado graças ao cumprimento por 16 trimestres consecutivos das metas fiscais acordadas. Não podemos esquecer que o Brasil tem um parque industrial bastante sólido e mais diversificado. Isto lhe confere maior resistência a choques.

(18:55:35) AgoraéLula fala para Octavio de Barros: Qual a sua previsão pra cotação do dólar, crescimento, inflação, taxa de juros e times da primeira divisão no ano que vem?

(18:58:08) Octavio de Barros: Prever variáveis nominais é um exercício complexo. Mas ainda assim, nossos modelos sugerem um câmbio de R$ 3,60 no final do ano que vem, um crescimento do PIB de 1,4% e taxa de juros 18% no final de 2003. Quanto aos times da primeira divisão que serão definidos no final do ano que vem, imagino que o Palmeiras estará na lista.

(18:58:53) Selecionador EXAME: Por que o Brasil cresceu pouco durante o governo Fernando Henrique?

(19:04:08) Octavio de Barros: Foram muitas crises simultâneas. É importante lembrar que até o final do primeiro trimestre de 2001 o Brasil crescia a taxas superiores a 4%. Tudo que ocorreu em 2001 e as reações antecipatórias do mercado de 2002 minaram as expectativas e prejudicaram o horizonte temporal dos agentes econômicos. Acredito que se o Brasil conseguir reduzir a percepção de risco-país, terá condições de crescer bem mais.

(19:04:19) Selecionador EXAME: E o que pode mudar agora, como promete o novo governo, para crescer bem mais? Você acredita nessa retomada de crescimento para os próximos 4 anos?

(19:07:45) Octavio de Barros: Tudo vai depender da capacidade do novo governo em desativar a percepção de que temos uma bomba do default para explodir. se o novo governo conseguir desativar esta percepção de bomba, e eu pessoalmente acredito que conseguirá, tornar-se-á possível construir uma agenda de crescimento. O primeiro ano do mandato do presidente Lula deverá ser duro no plano fiscal para que possa ter um segundo, terceiro e quarto anos mais favoráveis. As reformas da previdência, tributária, trabalhista são também decisivas.

(19:08:01) Walmir fala para Octavio de Barros: A moeda norte-americana está de acordo com a realidade brasileira?

(19:10:06) Octavio de Barros: Imagino que esteja se referindo à taxa de câmbio. A moeda brasileira está sobre-depreciada sob qualquer parâmetro que consideremos. Ainda assim, mesmo num contexto de maior otimismo e de maiores fluxos para o Brasil, não acredito que o novo governo deixe a taxa de câmbio se apreciar muito. Vejo claramente um piso de R$ 3,00 que não deverá ser quebrado.

(19:10:16) Walmir fala para Octavio de Barros: O senhor poderia explicar melhor o que acabou de afirmar em questão de reduzir a percepção de risco-país?

(19:12:58) Octavio de Barros: O risco-Brasil é a tradução da cotação dos títulos brasileiros no exterior. Se eles valem a metade de seu valor de face é sinal que o Brasil não tem crédito. Acredito que o governo Lula tem amplas possibilidades de reduzir a percepção de risco elevado se os sinais adequados forem dados desde as primeiras iniciativas do novo governo. Acho que não faz sentido o risco Brasil ficar tão acima da média dos demais países emergentes. A credibilidade da política econômica é chave para redução do risco.

(19:13:03) Selecionador EXAME: Para encerrar, pergunto se, do ponto de vista econômico, podemos afirmar que Fernando Henrique Cardoso foi o melhor presidente que o Brasil já teve?

(19:15:04) Octavio de Barros: Acredito que ele acertou mais do que errou. Talvez a história venha a reconhecer a contribuição do período FHC. Acho que ele pavimentou o caminho para que os próximos governos possam construir agendas mais factíveis. Como disse no início a maior contribuição de FHC é institucional.

(19:15:30) Selecionador EXAME: Agradeço a participação do economista-chefe do banco BBV, Octavio de Barros, que esteve conosco nessa última hora fazendo um balanço da economia brasileira nos anos FHC e aproveitando a oportunidade para falar um pouco sobre as perspectivas para o governo Lula. Octavio, foi um prazer.

(19:17:04) Octavio de Barros: Para mim também. Agradeço aos que participaram. Eu e minha equipe do BBV Banco colocamo-nos à disposição de todos para mais esclarecimentos no futuro. Nosso e-mail para novas conversas é o seguinte: tadeus@bbvbrasil.com.br Obrigado e boa noite.

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