Economia

Como um esquema de pirâmide destruiu a economia de um país

"Esquema Ponzi gigante" foi criado no Zimbábue ainda no governo de Robert Mugabe e agora está entrando em colapso

Homem segura nota de título que vale dois dólares em Harare no Zimbábue (Waldo Swiegers/Bloomberg)

Homem segura nota de título que vale dois dólares em Harare no Zimbábue (Waldo Swiegers/Bloomberg)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 5 de março de 2019 às 08h00.

Última atualização em 5 de março de 2019 às 08h00.

As quase duas décadas de política monetária perdulária destruíram a economia do Zimbábue e geraram uma inflação desenfreada, dizimando as poupanças da população duas vezes.

A hiperinflação de 500 bilhões por cento em 2008 eliminou o valor das poupanças e levou à abolição da moeda local e à adoção do dólar no ano seguinte.

Em 2016, o governo do ex-presidente Robert Mugabe, sem dinheiro, lançou títulos, conhecidos como cédulas de títulos, e insistiu em negociá-los no mesmo patamar que o dólar.

Em 2018, separou o dinheiro dos depósitos eletrônicos em bancos sem reservas para respaldá-los, fazendo a taxa do mercado paralelo despencar.

Na semana passada, o governo jogou a toalha e permitiu que as cédulas fossem negociadas em um nível determinado pelo mercado, mais uma vez eliminando o valor das poupanças.

A decisão foi tomada depois que o país do sul da África enfrentou escassez de pão e combustível e foi atingido por greves e protestos, e também após o fracasso dos esforços do presidente Emmerson Mnangagwa para atrair novos investimentos.

“Na raiz disso está a crise cambial”, disse Derek Matyszak, consultor de pesquisa no Zimbábue do Instituto para Estudos de Segurança da África do Sul.

“Foi algo análogo à criação de um esquema Ponzi gigante, que teve origem no governo de Mugabe. O que estamos vendo agora é o colapso desse esquema Ponzi.”

’1 para 1’

A última medida, embora elogiada pelo que resta do setor empresarial do país, provavelmente não resolverá os problemas do Zimbábue porque tudo o que faz é refletir as taxas de câmbio do mercado paralelo, segundo Steve H. Hanke, professor de Economia Aplicada da Universidade Johns Hopkins em Baltimore.

“O 1 para 1 é uma ficção”, disse Hanke. “Eles dizem oficialmente que, de qualquer maneira, nós vamos tolerar o que está acontecendo. Eles estão dizendo oficialmente: ’Nós roubamos vocês’”.

A taxa interbancária para a nova moeda é de cerca de 2,5 por dólar, segundo dados publicados no website do banco central. Esse número não tem sentido porque as autoridades não estão divulgando o volume de negócios, segundo o marketwatch.co.zw, um website mantido por analistas financeiros. O website estima que a taxa do mercado paralelo para os títulos é de 3,31 por dólar.

As origens da crise cambial do Zimbábue remontam a um violento programa de reforma agrária iniciado por Mugabe em 2000, que reduziu as receitas com exportações e devastou as finanças do governo.

Em resposta, o então presidente do Reserve Bank of Zimbabwe, Gideon Gono, conhecido como “banqueiro de Deus” por seus laços com Mugabe, ampliou a impressão de dólares do Zimbábue exponencialmente para pagar funcionários do governo, estimulando a inflação e, no fim das contas, tornando a moeda sem valor.

“Houve um esquema Ponzi no passado”, disse Ashok Chakravarti, economista e professor da Universidade do Zimbábue. "Especialmente na era de Gono, quando esse sujeito só continuou imprimindo dinheiro.”

Gono não respondeu a um telefonema para um número de celular que usou no passado.

O colapso cambial levou à situação em que o Zimbábue se encontra agora -- de escassez crônica de dinheiro e inflação desenfreada.

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