Como fica a economia da Europa diante da turbulência política?
O complicado cenário político vivido pelo bloco europeu não deve dar folga no ano que vem
Ana Laura Prado
Publicado em 16 de dezembro de 2016 às 06h00.
Última atualização em 16 de dezembro de 2016 às 10h32.
São Paulo – Entre junho e novembro, a previsão de crescimento da União Europeia para 2017 caiu de 1,9% para 1,6%, segundo o próprio bloco. Na zona do euro, a projeção caiu de 1,8% para 1,5%.
Estimativas da consultoria Euromonitor vão na mesma direção. No caso da zona do euro , a previsão é de queda do crescimento de 1,7% em 2016 para 1,1% em 2017.
O bloco vive um complicado cenário político que não deve dar folga no ano que vem. O último episódio foi a derrota de um referendo para reformar o Senado na Itália, que causou a queda do governo e pode fortalecer partidos mais extremos no país.
“A soma de questões estruturais e conjunturais gera um medo para a indústria e para a economia”, diz Fernando Botelho, economista e professor da FEA-USP.
Contexto interno
A decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, o Brexit , tem sido uma das grandes questões. A incerteza deve dominar até que as negociações terminem, o que está previsto para 2018.
"Uma ruptura no andamento do processo poderia prejudicar a confiança das empresas e de investimentos na Europa", destaca Ugne Saltenyte, gerente de macro-análises da Euromonitor.
Segundo ele, uma quebra nas negociações poderia encorajar ainda mais o sentimento anti-UE nos demais países do bloco.
Partidos de extrema-direita antieuropeus já têm ganhado força para as eleições do ano que vem na França e na Alemanha.
“A economia europeia é muito integrada. A vitória de um líder com postura antieuropeia pode desestabilizar os mercados e dificultar o crescimento”, completa Botelho.
A postura antimigração, característica desses movimentos, é outra preocupação apontada pelo economista.
“A imigração compensa o problema de baixo crescimento populacional da Europa. Se ela adotar uma postura isolacionista, os problemas podem se agravar”.
Essa avaliação é questionada por Jolanda Battisti, professora de Economia da Escola de Administração da FGV, para quem a sensação de instabilidade não é uma novidade no bloco.
“A questão é mais política e relacionada à soberania dos países. Não vejo muito impacto em termos de produção de bens e serviços”.
Fator Trump
A eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos com uma plataforma protecionista tem enfraquecido as expectativas de comércio do país com a Europa.
Além disso, uma política fiscal expansionista nos EUA, com corte de impostos e maiores benefícios para empresas, por exemplo, poderia causar uma temida desvalorização do dólar.
“O euro ficaria mais forte e isso poderia ter um impacto real nas contas dos países europeus que trabalham com ele”, diz Battisti.
O cenário oposto seria muito bem-vindo para o bloco. De acordo com Botelho, o fortalecimento do dólar poderia ser positivo ao aumentar a competitividade das empresas europeias.
O que esperar
Para a Euromonitor, fatores como Brexit e Trump podem fazer com que o setor externo seja negativo para a economia europeia. Os choques políticos poderiam, inclusive, provocar uma estagnação de investimento.
Em geral, a expectativa é que o crescimento europeu em 2017 tenha como principal componente a demanda interna, sustentada por baixos custos de financiamento externo.
Os juros estão em uma baixa histórica e em alguns países chegam a ser negativos, o que deveria em tese estimular o consumo. Mas outros fatores também pesam, como a baixa inflação na Europa e a crise bancária da Itália.
“Com essa incerteza, é duvidoso que haja uma recuperação via mercado”, diz Botelho.
Battisti, por outro lado, acredita que os números relacionados ao crescimento não são necessariamente fonte de preocupação.
“O importante é o avanço da renda per capita e a manutenção da qualidade de vida e do poder de compra”, explica.
Segundo ela, o baixo crescimento populacional ajuda nisso – ao mesmo tempo, o envelhecimento da população é justamente uma das questões estruturais europeias que tendem a impedir que ela tenha grandes taxas de crescimento.
Altos gastos com fundos previdenciários e mercados de trabalho muito regulamentados também entram na conta.
“Se a Europa quiser crescer, precisa de uma legislação trabalhista mais flexível e favorável aos negócios. Precisa manter esse marco da Europa do mercado comum”, diz Botelho.