Economia

Cobrem pela água e pelo ar

Richard Sandor, o financista que fundou a Bolsa do Clima de Chicago, diz que a "precificação" é a solução para preservar os recursos naturais

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h56.

Em 1º de outubro, entra em operação a Bolsa do Clima de Chicago (Chicago Climate Exchange, ou CCX), associação de 18 empresas americanas -- privadas e públicas -- que negociará "créditos de carbono", o gás responsável pelo efeito estufa que está aumentando a temperatura do planeta. Companhias como Ford, DuPont, Motorola, American Electric Power, Stora Enso, STMicroelectronics, Bayer, Amtrak e a prefeitura de Chicago se comprometeram a reduzir suas emissões de carbono em 4% nos próximos quatro anos. Se conseguirem ir além disso, receberão "créditos" por tonelada adicional de gás "não emitido". Esses créditos poderão ser vendidos a outras empresas, pela internet. A iniciativa tenta fortalecer o mercado de carbono antecipando-se à entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, que deverá converter a redução do gás em lei em 120 países. A CCX incentivará projetos de seqüestro de carbono também no Brasil.

O financista Richard Sandor, diretor da CCX, ajudou o governo americano a criar um sistema pioneiro de comércio de emissões de dióxido de sulfúreo em 1990. Atualmente, esse setor movimenta 2 bilhões de dólares por ano e é responsável pela redução de 40% nas emissões do gás. Sandor também inventou o mercado de derivativos de seguros metereológicos (que vale 16 bilhões de dólares nos Estados Unidos) e o mercado de derivativos de taxas de juro (que movimentou 213 milhões de dólares em 2002). Aos 62 anos, ex-vice-presidente da Bolsa de Valores de Chicago e ex-professor das universidades de Berkeley, Stanford e Colúmbia, Sandor acredita que a "precificação" é o caminho mais curto para garantir a sustentabilidade das gerações futuras. De Chicago, ele concedeu a seguinte entrevista a EXAME.

Nascemos num mundo onde a água e o ar eram recursos naturais, não mercadorias. A escassez e a poluição vão converter os recursos em commodities?

Acho que essa geração o vento levou. Se você vai a um bufê do tipo "coma o que quiser", como numa churrascaria brasileira, tende a comer demais. Se vai a uma festa com bar aberto, tende a beber demais. A mesma coisa vale para o uso do ar e da água. Nós os tratamos como bens gratuitos. Isso tem de acabar, para o bem de nossos filhos e netos.

Todos os recursos naturais devem ser "precificados"? Não há exceções?

Colocar preço no que um dia foi gratuito é o melhor jeito de alocar recursos escassos. O preço é um sinal eloqüente que funciona há milhares de anos. As pessoas entendem e mudam o comportamento. Estamos testemunhando a convergência da ecologia com o mercado. Esse elo só vai se fortalecer no futuro.

As empresas que aderiram à CCX acham que a política americana contra a regulação das emissões de carbono vai mudar?

Muitos membros da CCX operam em países onde terão de se adaptar às regulamentações do Protocolo de Kyoto. Vários possuem subsidiárias na Europa que também serão submetidas a regimes de comércio de gases, como o que entrará em operação em 2005. Eles querem aprender fazendo. Os investidores e o público também pressionam por transparência ambiental. A responsabilidade por mudanças climáticas pode se tornar um contencioso muito maior do que o do tabaco nos Estados Unidos. Os analistas sabem disso. As empresas estão percebendo que a participação num mercado organizado vai ajudá-las a ser mais transparentes.

O Conselho do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL),

do Protocolo de Kyoto, vem discutindo critérios para projetos de seqüestro de carbono. Quais serão os critérios da CCX?


Nossa preocupação é que os projetos possuam alto grau de integridade ambiental e social, sem custos administrativos pesados. A elegibilidade está definida no Regulamento da Bolsa. Certamente haverá adições e modificações à medida que progredirmos. Mas vamos aceitar projetos do tipo MDL, sujeitos à verificação de terceiros e auditagem pela National Association of Securities Dealers (Nasd). Espero que o mercado reconheça a qualidade dos nossos projetos.

A bolsa poderá conceder créditos a projetos de seqüestro de carbono no Brasil. O senhor já fez contatos com os estados do Paraná, do Amapá e do Amazonas. Que projetos serão contemplados?

Como a CCX é um projeto piloto, gostaríamos de começar com modéstia. Mas queremos envolver um país representativo para provar o conceito global do mercado. O Brasil é um candidato natural por causa de sua importância, suas instituições estáveis e seu potencial florestal e de energias renováveis. A CCX poderia oferecer padrões e transparência para atrair investidores e projetos brasileiros.

Mercados podem criar uma economia sustentável sem um empurrão do Estado?

Na história da evolução do mercado, o setor privado quase sempre lidera e depois é seguido pelo governo. Os primeiros critérios sobre o comércio de grãos, por exemplo, foram desenvolvidos pela Bolsa de Valores de Chicago em 1848, por um grupo de comerciantes que inspecionava sacos. Foram necessárias mais cinco décadas para o governo americano ratificar esses critérios. O trabalho da inovação depende dos empreendedores do setor privado. Os governos podem ajudar providenciando instituições eficientes e estáveis para que o espírito empreendedor e a inventividade humana floresçam.

Que novos mercados o senhor contempla?

Acho que o próximo será a água -- um recurso disputado em várias partes do mundo. Há muita ineficiência na entrega e no uso da água que pode ser corrigida por forças de mercado. Creio que também é possível usar instrumentos financeiros para proteger a biodiversidade.

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