Economia

Brasil perde R$ 156,2 bi do PIB com trânsito em São Paulo

Segundo pesquisa de economista da USP, o aumento da produtividade pela redução do trânsito faria o PIB brasileiro crescer aproximadamente 2,83%


	Trânsito em São Paulo: maior concentração de veículos, gerando lentidão do tráfego ou congestionamentos, ocorre nos dois horários de pico
 (Daniel Teixeira / Agência Estado)

Trânsito em São Paulo: maior concentração de veículos, gerando lentidão do tráfego ou congestionamentos, ocorre nos dois horários de pico (Daniel Teixeira / Agência Estado)

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Da Redação

Publicado em 5 de outubro de 2015 às 20h08.

São Paulo - Quanto custa ficar parado no trânsito em São Paulo? Esta pergunta foi respondida com precisão.

“Hoje, pessoas que trabalham fora de casa gastam em média 100 minutos do dia na ida e volta entre os locais de moradia e de trabalho. Considerando as características estruturais da Região Metropolitana de São Paulo e os padrões de mobilidade verificados em outras cidades do país, seria possível reduzir esse intervalo de tempo em até meia hora. O aumento de produtividade resultante faria o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que atingiu o patamar de R$ 5,5 trilhões em 2014, crescer aproximadamente 2,83% -- ou seja, R$ 156,2 bilhões. E isso acarretaria um adicional de R$ 97,6 bilhões no consumo da população brasileira.”

O raciocínio é do economista Eduardo Haddad, professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Ele coordenou a pesquisa “Mobilidade, acessibilidade e produtividade: nota sobre a valoração econômica do tempo de viagem na Região Metropolitana de São Paulo”.

A pesquisa contou com o apoio da FAPESP por meio do projeto de auxílio regular “Modelagem integrada de sistemas econômicos metropolitanos” e de uma bolsa de pesquisa no exterior “Sistemas econômicos urbanos”.

“Os maiores obstáculos para que a redução do tempo nas locomoções seja obtida, com todo o benefício econômico que isso acarretaria, é a grande dependência ao uso do automóvel e o tamanho descomunal da frota de veículos em circulação na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Essa frota, que se tornou excessiva para a infraestrutura viária existente, alcançou, em julho de 2015, o montante de 8.357.762 veículos [Fonte: Departamento Nacional de Trânsito – Denatran]”, disse Haddad à Agência FAPESP.

Como a população da RMSP foi estimada em 21.090.791 habitantes em agosto de 2015, a combinação dos dois números fornece a média de 1 veículo para 2,5 habitantes.

No município de São Paulo, que concentra a maior parte da frota, a média é de 1 veículo para menos de 2,2 habitantes.

Apenas para efeito de comparação, a população da cidade de Nova York foi estimada em 8.491.079 habitantes em 2014. Portanto, o número de veículos na Região Metropolitana de São Paulo é quase igual ao número de pessoas na cidade de Nova York.

A frota da Região Metropolitana de São Paulo distribui-se em 5.267.392 veículos no município de São Paulo e 3.090.370 veículos nos demais municípios que compõem a RMSP.

“Na última década, a população do município de São Paulo aumentou 6,6%, enquanto sua frota de automóveis de passeio cresceu 48,2%. No mesmo período, a rede viária (avenidas e ruas) do município praticamente não mudou, o que significa que passou a ser ocupada por um número muito maior de veículos. O número de automóveis de passeio por quilômetro quadrado no município aumentou de 3.765, em 2005, para 5.579, em 2015”, informou o pesquisador.

Horários de pico

A maior concentração de veículos, gerando lentidão do tráfego ou congestionamentos, ocorre nos dois horários de pico, no início da manhã e no final da tarde, que são justamente os horários de deslocamento da grande maioria dos trabalhadores.

De acordo com os dados do último Censo Demográfico do IBGE, de 2010, dos 6,36 milhões de trabalhadores atuantes no município de São Paulo, quase 1 milhão residia fora da capital paulista.

Na mesma data, 170 mil trabalhadores paulistanos precisavam se deslocar em sentido contrário, para alcançar seus locais de trabalho em outros municípios.

“Na maior parte das sub-regiões que compõem a RMSP, a oferta de empregos é menor do que a população em idade ativa. A grande exceção ocorre no chamado ‘centro expandido’, compreendido entre as vias marginais dos rios Tietê e Pinheiros. Com mais de 1 milhão de postos de trabalho excedentes, o ‘centro expandido’ é a principal bacia de empregos da RMSP, tornando-se, assim, o ponto focal dos deslocamentos diários dos trabalhadores, com lentidão ou congestionamentos nas principais vias que o conectam às demais áreas”, afirmou Haddad.

Além disso, o município de São Paulo apresenta um terceiro horário de pico, pois muitos trabalhadores aproveitam a hora do almoço para cuidar de seus interesses pessoais. E, como grande parte utiliza o automóvel para se deslocar, isso provoca um expressivo adensamento do trânsito nesse horário.

Um quadro comparativo dos tempos médios de deslocamento em várias regiões metropolitanas do mundo foi composto, em 2014, pelo Toronto Region Board of Trade, do Canadá.

E mostrou que o tempo médio de deslocamento em São Paulo é maior do que em Tóquio, Nova York, Londres, Paris e Madri, e ligeiramente menor do que em Xangai, na China.

A Cidade do México é o lugar onde essa variável alcança o maior valor: 142 minutos. Mas é preciso levar em conta que 4 milhões de trabalhadores se deslocam diariamente para a Cidade do México a partir de outros municípios – um número quatro vezes maior do que o registrado em São Paulo.

A pesquisa coordenada por Eduardo Haddad procurou quantificar o impacto econômico da morosidade do trânsito na Região Metropolitana de São Paulo.

“Primeiro estabelecemos as características estruturais da RMSP, considerando dados como área do território, área urbanizada, tamanho da população, níveis de renda da população, preços dos imóveis nas várias sub-regiões, quantidade e densidade dos postos de trabalho, salário médio dos trabalhadores etc. Depois, levando em conta essa estrutura, estimamos um tempo de locomoção que poderíamos classificar como ‘normal’. Esse tempo é da ordem de 70 minutos. Mas o tempo real excede em aproximadamente meia hora o valor esperado, chegando a cerca de 100 minutos. O diferencial é o que se chama no jargão técnico de ‘excesso de fricções de mobilidade’”, explicou o pesquisador.

Fricções de Mobilidade

O passo seguinte foi calcular como esse “excesso de fricções de mobilidade” afeta a produtividade dos trabalhadores [são definidos como “trabalhadores”, no caso, todas as pessoas que trabalham fora de casa].

E como sua eventual eliminação se traduziria em acréscimo de produtividade e correspondente aumento do PIB e do consumo.

“Sabemos que maior tempo de deslocamento acarreta menor produtividade, porque as pessoas tendem a chegar mais tarde e sair mais cedo do trabalho, e já chegam aos locais de trabalho cansadas, devido ao esforço despendido no trânsito”, argumentou Haddad.

Isso é fácil de perceber. Mas existe também outro fator, não tão facilmente perceptível, mas talvez até mais importante.

“É que tempos de deslocamento mais curtos geram um mercado de trabalho mais denso, isto é, com maior número de trabalhadores potenciais a uma dada distância de cada local de trabalho. E isso acarreta um dos efeitos benéficos da chamada ‘economia de aglomeração’, que é o fato de os trabalhadores terem mais opções para encontrar os empregos de sua preferência e de as firmas terem mais opções de contratar os trabalhadores de que necessitam”, prosseguiu o pesquisador.

Tempos de deslocamento mais curtos aumentam as opções de escolha tanto dos trabalhadores quanto das firmas, favorecendo os dois lados da moeda do mercado de trabalho. E isso aumenta a produtividade.

“Nossos cálculos permitiram estabelecer que, se a meia hora a mais no tempo de deslocamento dos trabalhadores fosse eliminada, o ganho médio de produtividade seria de aproximadamente 15,7%. Dependendo da maior ou menor distância entre os locais de residência e os locais de trabalho, o adicional de produtividade variaria de 12,6% a 18,9%. E esse acréscimo de produtividade causaria um aumento de 2,83% no PIB nacional, com o correspondente crescimento no nível de consumo dos trabalhadores”, disse Haddad.

“A cidade de São Paulo absorveria aproximadamente 50% de todo esse benefício, com um aumento de 10,94% do PIB municipal. Considerando a Região Metropolitana de São Paulo em seu conjunto, teríamos um aumento de 12,89% do PIB regional e de 18,53% do consumo dos habitantes”, informou o pesquisador.

Integração de modelos de grande escalas

O que sua pesquisa fez foi aquilo que, na linguagem técnica, é chamada de “integração de modelos de grande escala”.

No caso, foram integrados três modelos: o modelo de demandas de viagens, que combina informações sobre os deslocamentos das pessoas com o levantamento da infraestrutura física da rede (rotas de ônibus, de metrô, de automóveis etc.); o modelo de produtividade, estabelecendo relações quantitativas entre estrutura da cidade, características dos trabalhadores e produtividade; e o modelo macroespacial de equilíbrio geral computável, que transforma produtividade em impactos de ordem superior, como PIB e consumo.

“Para fazer esse levantamento, cruzamos dois grandes conjuntos de dados: os dados do último Censo Demográfico do IBGE, de 2010; e os dados da Pesquisa de Origem e Destino, realizada pelo Metrô de São Paulo em 2007, compatibilizados com os valores de 2010”, detalhou Haddad.

A pedido da Agência FAPESP, o pesquisador extrapolou posteriormente os resultados com base em estimativas numéricas de 2014, produzindo um quadro bem próximo da situação atual.

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