Brasil perde década e bomba fiscal espera próximo presidente
Quem vencer as eleições de outubro herdará um 5º ano consecutivo de déficits primários e despesas crescentes, das quais mais de 90% são obrigatórias por lei
João Pedro Caleiro
Publicado em 30 de abril de 2018 às 12h02.
Última atualização em 30 de abril de 2018 às 12h12.
Ao assumir o governo, em maio de 2016, o então recém-empossado ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que a situação das contas públicas do Brasil estavam piores do que ele esperava e prometeu um ajuste fiscal duro.
Quase dois anos depois, ele e seu sucessor, Eduardo Guardia, deixarão para o próximo presidente da República um árduo trabalho para trazer as contas públicas de volta do abismo.
Na semana passada, os formuladores de políticas receberam um lembrete de quão terrível é a situação do orçamento do país quando o governo central registrou seu maior déficit registrado no mês de março.
O banco central publicará números fiscais consolidados para todo o governo, incluindo empresas estatais e estados e municípios, na segunda-feira.
Com sucessivos déficits fiscais desde 2014, e com perspectiva de voltar ao azul apenas em 2022 ou 2023, segundo dados da atual equipe econômica, a população brasileira terá sofrido com uma década no vermelho, além da queda dos investimentos.
O presidente atual, Michel Temer, viu sua promessa de melhorar as contas públicas prejudicada pela falta de medidas de ajuste fiscal aprovadas pelo Congresso e pela persistente rigidez orçamentária.
De fato, quem vencer as eleições de outubro herdará um 5º ano consecutivo de déficits primários de vários bilhões de dólares e despesas crescentes, das quais mais de 90% são obrigatórias devido às leis.
“O próximo governo não terá tempo para pensar. Terá que agir", disse Raul Velloso, consultor econômico e especialista em finanças públicas, em entrevista. "A situação fiscal ficou tão ruim por causa da quantidade de gastos obrigatórios, e medidas para conter isso são urgentemente necessárias."
A política fiscal do antigo governo e o fraco desempenho da economia da sob a ex-presidente Dilma Rousseff fizeram com que o Brasil perdesse o grau de investimento.
Ao assumir, Temer conseguiu uma grande vitória com a aprovação de um projeto de lei que congelava os gastos públicos em termos ajustados à inflação.
Os cofres do governo foram ajudados pelos leilões de usinas de energia e por cortes discricionários nos gastos, e os formuladores de políticas foram elogiados por sua transparência, mesmo quando anunciaram estimativas impressionantes, como a meta de déficit primário de R$ 159 bilhões para 2018.
O otimismo diminuiu este ano depois que o Congresso arquivou a reforma da Previdência e o governo interveio na segurança pública do Rio de Janeiro, situação que impede a votação de mudanças na Constituição.
Agora, tanto a eficácia do teto de gastos, quanto a adesão a uma lei fiscal conhecida como “regra de ouro” podem estar em risco, segundo um membro da equipe econômica que pediu anonimato.
A regra de ouro estipula que o governo só pode pedir emprestado para investir, não para financiar despesas correntes.
“Esse governo fez tudo o que pôde, e até mais do que imaginávamos”, disse o ex-secretário do Tesouro e atual economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, em uma entrevista. “O Brasil tem que implementar a reforma previdenciária, ou todos os esforços serão perdidos”.
Procurado pela Bloomberg, o Ministério da Fazenda não respondeu aos pedidos de comentários para estra reportagem
Já neste ano, a nota de crédito soberano do Brasil foi reduzida ainda mais pelas agências Fitch e S&P Global Ratings, e Velloso alertou que a falta de confiança dos investidores está em ascensão. “Os mercados financeiros estão à espreita agora mais do que nunca”, disse ele.