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Consumidores e produtores ganharam com a decisão do governo de liberar o plantio de soja transgênica na próxima safra. Falta tornar a medida permanente

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h35.

Alimentos geneticamente modificados geram polêmica no mundo inteiro. Não causa estranheza, portanto, a ruidosa discussão envolvendo vários membros do governo brasileiro que culminou com a liberação do plantio de soja transgênica na próxima safra. Preconceitos e gritarias à parte, a questão que importa é saber, afinal, se o Brasil ganhou ou perdeu com a assinatura da medida provisória pelo vice-presidente, José Alencar (uma viagem ao exterior tirou a responsabilidade da decisão do presidente Lula). Na nossa avaliação, só há uma resposta cabível: os consumidores e os produtores brasileiros ganharam, e muito, com a medida do governo. O que deveria estar em debate agora não é uma possível volta da proibição, mas a extensão, em caráter definitivo, da permissão do plantio.

Para medir o impacto econômico da mudança, é preciso comparar as quantidades vendidas e o preço da soja antes e depois da nova lei. Como ainda não dá para saber ao certo como os produtores vão reagir, construímos um modelo econômico que tenta simular o que poderá ocorrer a partir de agora. O ponto de partida do estudo é a análise do comportamento de agricultores e consumidores nos países em que a produção de ambas as variedades já era permitida. A partir daí, inferimos qual deverá ser o resultado da liberação no Brasil.

Comecemos pelos agricultores. Entre os três maiores produtores mundiais de soja, Estados Unidos, Brasil e Argentina, o Brasil era o único a proibir a produção da transgênica. Nos países em que não há restrição, a imensa maioria dos produtores optou pela variedade geneticamente modificada: cerca de 80% da soja americana e 99% da argentina é transgênica. O motivo dessa opção é claro: o custo de produção da transgênica é cerca de 20% inferior ao da soja tradicional. Isso já nos fornece uma pista de como os produtores brasileiros deverão decidir.

O que se pode dizer dos consumidores? Os números de Argentina e Estados Unidos indicam que eles estão dispostos a pagar 10% de ágio para ter a soja tradicional. Por exemplo, quando a soja transgênica é 11% mais barata do que a tradicional, os consumidores optam pela primeira. É a partir dessa informação que os produtores decidem qual variedade vão plantar.

No caso da Argentina, os produtores não consideram atraente o prêmio de 10% sobre o preço da soja tradicional. Por isso, nada menos que 99% da produção é de soja modificada, a maior parte destinada ao mercado externo. O quadro é distinto nos Estados Unidos, onde a maior parte da produção transgênica é vendida internamente. Os produtores americanos são livres para escolher a variedade de soja e, mesmo assim, 20% da produção é tradicional. Os agricultores que plantam a soja tradicional, mais cara que a transgênica, consideram a decisão lucrativa: além do preço maior pago pelo consumidor, eles levam em conta o risco de que, no futuro, venha a ser comprovado risco à saúde ou ao meio ambiente.

Considerando as experiências de argentinos e americanos, o que se pode dizer sobre a produção brasileira? Os resultados da simulação sugerem que, se o governo brasileiro permitir o plantio da soja transgênica indefinidamente, haverá uma queda significativa no preço da soja. Ou seja, os consumidores de todo o mundo seriam os maiores beneficiados. A queda de preço será mais significativa para a soja transgênica, mas também ocorrerá na tradicional (veja a tabela abaixo).

Outra conseqüência se dará no volume do plantio. A produção de soja brasileira deverá aumentar em 27%, enquanto a produção dos outros países sofrerá redução. O Brasil passará a ocupar um espaço que vinha deixando para os outros competidores. A proibição da plantação da soja transgênica vinha impedindo que os produtores brasileiros faturassem cerca de 7,5 bilhões de reais por ano. Parte desse montante vinha sendo transferida para os outros produtores do mundo a cada ano.

Outra mudança se dará no ágio a ser pago por aqueles que optarem pela soja tradicional. Atualmente em 10%, o prêmio pago para consumir a soja tradicional sobe para 16% após a liberação. A razão é simples: muitos brasileiros deverão passar a plantar a variedade transgênica com a legalização da produção. A menor oferta de soja tradicional fará seu preço cair menos do que proporcionalmente à queda do preço da soja modificada. Com isso, a diferença de preço entre os dois tipos de soja deverá aumentar.

Os resultados são claros: os ganhos da liberalização da soja transgênica são elevados. Os consumidores ganham com preços menores e os produtores têm a chance de obter maior retorno sobre o investimento. Há, portanto, duas decisões importantes a ser tomadas pelo governo brasileiro. Em primeiro lugar, é fundamental criar um sistema de rotulação sério, capaz de tornar confiável a separação entre os dois tipos de produto. Afinal, quem não quiser comprar alimentos geneticamente modificados tem todo o direito de ficar com os tradicionais, sem o risco de levar gato por lebre. Em segundo, é hora de assumir de vez o ônus da correta decisão e estender a legalização não apenas para a próxima safra, mas indefinidamente. Não são exatamente regras claras, racionais e duradouras que faltam para o bom funcionamento da economia brasileira?

NA PONTA DO LÁPIS
A liberação do plantio da soja transgênica deve fazer cair
o preço e aumentar a produção brasileira
 
Antes da liberação
Após a liberação
Variação (%)
Soja transgênica
Preço (em reais por tonelada)
622
586
-5,8
Produção brasileira (em milhões de toneladas)
11
26
137,5
Produção mundial (em milhões de toneladas)
103
109
5,6
Soja tradicional
Preço (em reais por tonelada)
684
680
-0,6
Produção brasileira (em milhões de toneladas)
44
43
-1,2
Produção mundial (em milhões de toneladas)
67
66
-1,2

Os autores são economistas. Mais detalhes sobre o modelo econômico e um quadro com os resultados da simulação podem ser solicitados pelo e-mail soja@grp.com.br

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