Confusão jurídica ocorre porque quatro "sistemas" tributários coexistem no País e acabam se sobrepondo (Marcos Oliveira/Agência Senado)
Estadão Conteúdo
Publicado em 20 de novembro de 2017 às 15h47.
São Paulo - A babel tributária brasileira vai além dos múltiplos impostos que, por vezes, incidem sobre uma mesma atividade (como o PIS e o Cofins) e que estão no centro do debate da reforma tributária. A existência de um imbróglio na área jurídica torna o sistema brasileiro ainda mais complexo, segundo advogados ouvidos pelo Estado.
Para o advogado Rafael Pandolfo, professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), a confusão jurídica ocorre porque quatro "sistemas" tributários coexistem no País e acabam se sobrepondo - o sistema criado pelo Congresso (através das leis), o definido pela Receita Federal (que na teoria deveria apenas regulamentar as leis), o fixado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (o Carf, que atua como o Tribunal da Receita Federal) e o determinado pelo Judiciário (via decisões).
"Comparo essa existência de vários sistemas com um filho que tivesse quatro pais. A qual deles ele iria obedecer se recebesse ordens distintas? Como iria se sentir seguro?", questiona Pandolfo.
O advogado cita como exemplo dessa complexidade a clássica discussão de especialistas da área sobre a definição de "insumo" para cobrança de PIS/Cofins. O cálculo para pagamento dos dois impostos é feito com base no total da receita bruta da empresa contribuinte subtraindo os insumos - sobre essa diferença, incide a alíquota de 1,65% do PIS e de 7,6% do Cofins.
O problema é que a lei não define o que é insumo e o ato normativo da Receita Federal que regulamente a lei não inclui no conceito serviços como o de marketing, deixando uma lacuna para que as companhias reclamem no Carf e na Justiça.
"Nesse caso, a Receita legislou através da instrução normativa ao definir o que é insumo", diz o economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). De acordo com dados da instituição, hoje, o montante do contencioso tributário no País, considerando todos os valores em litígio, fica entre R$ 2 trilhões e R$ 2,5 trilhões (de 33% a 42% do Produto Interno Bruto).
A advogada Vanessa Canado, também do CCiF, afirma que, na teoria, a divisão de tarefas entre Receita, Carf, Legislativo e Judiciário funciona bem, mas que, em decorrência de as leis serem mal redigidas no País, acabam aparecendo problemas, como o do conceito de insumo. "Há essa questão da redação da lei, que muitas vezes são mal feitas porque, por exemplo, uma emenda é colocada de última hora para a lei ser aprovada (no Congresso) mais facilmente."
Vanessa destaca ainda que, algumas vezes, são feitas interpretações das leis que deturpam seus significados. "Como o sistema tributário é capturado por vários sistemas, acaba virando um monstro. Isso acontece muito na área tributária devido à quantidade de interesses que ela envolve", acrescenta.
A professora de direito tributário da Fundação Getúlio Vargas Tathiane Piscitelli destaca que questões como a definição de insumo deveriam ser corrigidas por uma lei, não por um ato normativo da Receita. Ela, porém, não vê a coexistência de quatro sistemas tributários, mas sim uma operacionalização desordenada de um único sistema.
Constituição
Para o advogado Marco Behrndt, sócio da área tributária do escritório Machado Meyer, todo o imbróglio tem origem na Constituição, que, diz, é detalhada demais. "Se, na Constituição, houvesse apenas os princípios básicos (de tributação), seria mais simples. Se não houver alteração na nossa Constituição, não há como alterar o ordenamento jurídico tributário."
O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator da reforma tributária, afirma que sua proposta de criar um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nacional - que unificaria ICMS, ISS, IPI, Cofins, Cide, Salário-educação, IOF, PIS e Pasep - resolveria o problema jurídico do sistema.
"A nova proposta elimina de 80% a 90% do contencioso ao unificar os impostos, porque hoje há uma lei do ICMS em cada Estado do País e uma de ISS para cada município, além dos milhares de desdobramentos de cada uma em instruções normativas", diz Hauly. Para a advogada Vanessa Canado, a reforma deve diminuir o contencioso, mas ainda será preciso cuidado com a redação das leis.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.