Atrito entre Fiat e Ford põe em xeque Rota 2030
O imbróglio envolve uma emenda que propõe a prorrogação do regime especial para indústrias do setor automotivo instaladas no Nordeste
Estadão Conteúdo
Publicado em 18 de outubro de 2018 às 08h37.
Última atualização em 23 de novembro de 2018 às 19h53.
Brasília - O novo regime automotivo, chamado de Rota 2030, corre o risco de não ser aprovado neste ano e, com isso, voltar à estaca zero para, eventualmente, ser rediscutido no próximo governo. Desta vez, o entrave não são as discordâncias entre os ministérios da Fazenda e da Indústria (Mdic), mas de duas montadoras - Fiat Chrysler Automotive (FCA) e Ford - que não se entendem em relação à uma emenda que prorroga incentivos para a região Nordeste, e que beneficiam a ambas.
Na quarta-feira, 17, a reunião da comissão mista do Senado responsável pela análise da Medida Provisória que estabelece o programa foi suspensa porque o relator, Alfredo Kaefer (PP-PR), não compareceu. Segundo fontes envolvidas no tema, ele aguarda um consenso entre as partes.
A FCA, que tem uma fábrica da marca Jeep em Goiana, tem os parlamentares de Pernambuco a seu favor. A Ford, cuja fábrica está em Camaçari, conta com o grupo da Bahia para defender os interesses locais.
O imbróglio envolve uma emenda apresentada pelo senador Armando Monteiro (PTB-PE) propondo a prorrogação do regime especial para indústrias do setor automotivo instaladas no Nordeste. Estão diretamente envolvidas a Fiat, a Ford e a Baterias Moura.
O incentivo vence em 2020, mas, desde já, o parlamentar quer garantir sua extensão por mais cinco anos, até 2025. Para não ter problemas com a Fazenda, Monteiro alterou as regras atuais, limitando o crédito apenas para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) gerado na região e seu abatimento somente em dívidas de IPI. Hoje, o incentivo regional permite contabilizar todo o IPI gerado pela empresa e seu abatimento em qualquer imposto federal.
Monteiro quer garantir o incentivo já, pois alega que, sem ele, Fiat poderá deixar de investir cerca de R$ 7,5 bilhões na ampliação da fábrica. O presidente da FCA para a América Latina, Antonio Filosa, disse que a medida é importante pois ajuda a reduzir a diferença de custo entre produzir no Nordeste e, por exemplo, no Sudeste.
"Só o transporte de material (do Sudeste) para lá custa 20% mais", disse Filosa. Segundo ele, o grupo conversa com 40 fornecedores para ampliar o parque local, hoje com 17 autopeças. A Fiat produz os utilitários Renegade e Compass e a picape Toro e concorda com a emenda, mesmo com alterações. Como seus veículos são de alto valor e motores potentes, os créditos de IPI serão maiores.
A Ford quer a manutenção do incentivo, mas sem a alteração prevista, pois alega que beneficia mais a concorrente, já que sua produção é voltada a carros populares (Ka) e com motor menos potente (EcoSport).
Na reunião de quarta-feira, a bancada da Bahia propôs a retirada da emenda, para que o Rota 2030 - que abrange todas as empresas - seja aprovado, e o regime especial regional fique para ser discutido posteriormente. A bancada pernambucana não aceitou.
Nova reunião
O temor das demais fabricantes é que, por causa desse impasse, a MP perca o tempo de ser votada e transformada em lei. O prazo para que isso ocorra é 16 de novembro, mas o presidente Michel Temer, segundo fontes, gostaria de anunciar a lei no dia 8, durante a cerimônia de abertura do Salão Internacional do Automóvel, em São Paulo.
A comissão volta a se reunir na terça-feira, 23, prazo limite para avaliação da MP. Depois será enviado à Câmara dos Deputados para que haja prazo hábil para a votação na Casa e no Senado.
Segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, a entidade não comenta o assunto por se tratar de emenda a ser avaliada pelo Congresso. Essa é uma de cerca de 80 emendas apresentadas ao projeto.
O Rota 2030 levou mais de um ano para ser aprovado e, por insistência do Ministério da Fazenda, tem menos benefícios do que as empresas defendiam. A avaliação do setor, contudo, é de que seria muito pior recomeçar as negociações com um novo governo a partir de janeiro.
Incentivos
Segundo dados da Receita Federal, os benefícios fiscais para o setor automotivo em 2019 chegarão a R$ 7,2 bilhões, o maior valor da história.
Do total, R$ 2,1 bilhões se referem ao custo de incentivos do Rota 2030. A maior parte, de R$ 4,6 bilhões, é referente ao regime especial automotivo concedido a montadoras das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A emenda em discussão envolve só Norte e Nordeste.